O Grêmio classificou-se à fase de grupos da Libertadores da América em uma noite na qual a Arena viu a tristeza, a consternação, o pavor e finalmente, a catarse. A primeira noite de decisão na Arena do Grêmio começou com tristeza e luto. A tristeza da Vila Liberdade, onde centenas de pessoas foram vitimadas por um incêndio que destruiu vários barracos no domingo, e o luto triste pela morte de mais de 230 jovens no incêndio da Boate Kiss em Santa Maria.
Em um clima de consternação, um tanto diferente da festa na rua que antecede os tradicionais jogos, os gremistas que se aproximavam da Arena pela Voluntários da Pátria passavam pelos destroços do incêndio na Vila Liberdade. Havia um silêncio respeitoso na passagem, enquanto os carros eram abordados por moradores oferecendo vagas de estacionamento em frente às suas casas. A festa só aparecia de fato nos bares mais adiante.
Dentro do estádio, o Grêmio fez questão de lembrar sistematicamente a tragédia de Santa Maria. Colocou no telão, em azul preto e branco, as frases "Força, Rio Grande - Estamos Juntos - Todos por Todos" - e distribuiu 30 mil faixas com as inscrições. Ao entrar em campo, o luto virou homenagem, com os nomes das vítimas passando no telão enquanto as duas equipes se reuniam no meio do campo em silêncio. Um silêncio que tomou conta do estádio, 30 segundos antes de virar aplauso.
O jogo mostrou um Grêmio combativo, com atuações destacadas de Saimon, Bressan e Vargas, e atuações menores de Elano (apesar do gol) e Zé Roberto. Os erros dos dois e de Marcelo Moreno irritavam os torcedores no anel superior da Arena, dedicado aos ingressos mais baratos - junto com a Geral, que mesmo sem faixas e instrumentos musicais, manteve o apoio ao time.
Quando o jogo foi para os pênaltis, minutos de silêncio tão impactantes quanto os anteriores ao jogo se sucederam. O Grêmio tem 11 anos, quase 12, sem vencer títulos além dos estaduais - o histórico recente pesou na cabeça dos presentes no estádio. O time tricolor enfrentava um adversário duríssimo, em um confronto que caberia nas quartas de final, antes de chegar na fase de grupos. Com um jogo truncado, interrompido pelo acidente com queda de parte do alambrado após o gol gremistas, com expulsões e retrancas. Ainda teve um pênalti errado logo no início, por Saimon.
Nos pênaltis, entretanto, veio a catarse com o erro de Reasco e a defesa de Grohe no pênalti de Morante. Finalmente explodiu a alegria que estava contida antes da partida e foi incompleta no chute de Elano. A alegria sincera e quase incrédula de chegar à fase principal da Libertadores mais uma vez, tentando o tricampeonato da América.
Na zona mista, enquanto Luxemburgo dizia na coletiva que o Grêmio venceu pela humildade e que não foi um problema deixar Grohe na reserva em prol de Dida - "são dois excelentes goleiros", afirmou - Saimon mostrava alívio por não ser o vilão da história. Aos 21 anos, errou um pênalti em uma partida decisiva, antes de Zé Roberto e Vargas cobrarem. "O Alex Telles pediu para bater. Depois da coisa pronta é muito fácil; iriam dizer 'por que deixou o menino bater', mas ele pediu, foi lá e fez", disse Luxemburgo na coletiva de imprensa.
Marcelo Grohe, enquanto isso, respondia com solicitude e alívio que o Grêmio sabia das dificuldades, que os pênaltis foram muito bem treinados, os cobradores bem estudados e que não havia problema em disputar o gol do time tricolor com Dida, Busatto, Follmann, Matheus. Mostrava confiança e fé no trabalho realizado.
"Eu nem vi quando defendi, só me levantei e vi a torcida vibrando, o pessoal correndo na minha direção", disse Grohe, sobre o momento da defesa terminal. Enquanto Grohe falava, os jogadores da LDU saíam quase anônimos na zona mista, por trás dos microfones. Com a cabeça erguida de quem disputou uma grande decisão entre campeões da América.
