O agravamento das condições térmicas do planeta pode tirar US$ 16,4 trilhões do Produto Interno Bruto (PIB) dos 33 países da América Latina e Caribe ao longo dos próximos 25 anos, segundo o Banco Mundial (Bird). O Brasil aparece no topo do ranking com 43% do total das perdas potenciais, com US$ 7,13 trilhões.
"Se não forem enfrentados, os custos econômicos das mudanças climáticas poderiam, cumulativamente, eliminar o equivalente a dois anos da economia brasileira até 2050", diz Carina Lakovits, urbanista e coordenadora da pesquisa do Bird, ressaltando que a projeção de perdas para o PIB nacional equivale a 2% da produção econômica global no mesmo período.
A projeção foi feita com base na combinação de exposição da população e do PIB ao estresse térmico, os efeitos imediatos e de longo prazo das mudanças climáticas juntamente com os aumentos das ilhas de calor urbanas. Segundo a especialista do Banco Mundial, o Brasil lidera a lista por ser a maior economia da região e também avaliado como o mais vulnerável. "No caso do Brasil, a perda média anual estimada na produção de bens e serviços do País chegaria a US$ 274 bilhões", diz Carina.
Quais setores podem perder mais?
De acordo com Stéphane Hallegatte, economista chefe de clima do Bird, de maneira geral, setores como agricultura e construção são os que mais sofrem com o aumento das temperaturas. Nos países emergentes, onde a infraestrutura tende a ser mais precária, o prejuízo pode ser maior devido a interrupções mais frequentes nas cadeias de suprimento. "Economias agrárias e de baixa renda apresentam as maiores perdas diretas de produtividade", aponta.
Além disso, o baixo nível de renda dos emergentes é um entrave para o setor financeiro dessas nações, que dispõe de instrumentos mais limitados. "Pequenas empresas carecem de crédito e capacidade técnica para investir em resfriamento, proteção contra enchentes ou medidas de continuidade dos negócios", afirma o economista chefe.
Perdas em horas trabalhadas
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que as condições pioradas de calor podem reduzir em 2,2% o potencial de horas trabalhadas no mundo até 2030. Essa redução do PIB global equivale a uma perda de 80 milhões de empregos formais em tempo integral. Com isso, a produção global de bens e serviços sofreria um impacto negativo de US$ 2,4 trilhões.
A análise não quantifica o impacto climático sobre os sistemas de saúde, previdência, assistência social e educação. "As horas de trabalho perdidas são só a ponta do iceberg. Imagine, por exemplo, o que é aprender numa sala de aula com mais de 35ºC. E 70% das escolas públicas brasileiras não têm climatização", diz Vinícius Pinheiro, diretor do Escritório da OIT para o Brasil.
Coordenador do programa Política e Economia Ambiental do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces), Guarany Osório explica que áreas mais pobres estão mais vulneráveis a mudanças climáticas. A diferença central está no nível de preparo de cada uma para enfrentar as variações. "A mudança do clima é uma lente de aumento para problemas que já existem", afirma.
Economista e diretora-executiva da COP-30, Ana Toni afirma que as discussões sobre calor e produtividade ainda estão em estágio inicial no Brasil e no mundo. "O tema ainda está sendo muito menos debatido do que deveria", diz. Para ela, o reconhecimento do calor extremo como indicador oficial na cúpula do clima deve ajudar a gerar informações mais sistematizadas.
Para Amanda Schutze, doutora em Economia pela PUC-Rio e coordenadora da FGV Clima, a capacidade de adaptação tende a ampliar o acesso a mercados internacionais e abrir oportunidades mais lucrativas. "Os primeiros a se adaptar ganham vantagem competitiva", diz. A principal barreira para os países em desenvolvimento, entretanto, é o alto custo inicial da adaptação.
Na Austrália, prevenção ajuda a manter produtividade
As mudanças climáticas atingem as economias de todos os países do globo, mas as nações mais ricas tendem a apresentar menores perdas de produtividade. Segundo Karen Silverwood-Cope, diretora de Clima, Finanças e Economia do World Resource Institute Brasil (WRI), países emergentes sofrem com lacunas estruturais e são reativos aos problemas. Por outro lado, diz, economias mais avançadas, que têm espaço fiscal e solidez institucional, investem em processos de adaptação climática e prevenção.
Comparada ao Brasil, a Austrália é um exemplo dessa diferença. Muito embora o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro seja maior do que o australiano, a produtividade por lá é o triplo do que é apurado por aqui. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) projeta que a Austrália pode perder 10 mil horas de trabalho até 2030 em decorrência do agravamento das mudanças climáticas. Já no Brasil esse resultado pode ser 85 vezes maior, isto é, de 850 mil horas não trabalhadas.
Dados da OIT ainda mostram que, ao longo dos últimos quatro anos, cada cidadão australiano contribuiu com US$ 70,1 para o PIB por hora trabalhada ante US$ 21,2 do brasileiro.
"Não é só a perda de alguns décimos do PIB que estamos falando", explica Karen. "O caminho escolhido para a adaptação à mudança do clima é determinante para o crescimento do país. Por isso, devemos redesenhar todo nosso potencial de desenvolvimento para que a produtividade e renda aumentem", afirma.
O governo australiano investe US$ 2,2 bilhões em adaptação climática desde 2022 por meio do Plano Nacional de Adaptação. Tem como meta chegar a US$ 6 bilhões até 2030 financiando projetos de infraestrutura, programas de conservação e a emissão de crédito para aumentar a resiliência climática no setor produtivo.
Brasil e Austrália estão situados no trópico de Capricórnio, mas têm condições climáticas distintas, ressalta Fábio Luiz Teixeira, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Por aqui, afirma, a geografia canaliza a umidade da Amazônia para a Região Sul. Já a Austrália está entre faixas geográficas nas quais se formam desertos e florestas tropicais, e ainda sujeita às variações meteorológicas do oceano pacífico, como os fenômenos El Niño e La Niña.
"Como o clima é naturalmente muito variável, pequenas mudanças climáticas podem levá-lo a estados mais extremos", explica a pesquisadora Lisa Alexander do Centro de Pesquisas de Mudança Climática da Universidade de New South Wales, em Sydney.
Para Karen, diretora da WRI, políticas fracas para lidar com as mudanças climáticas podem pressionar as finanças públicas do Estado, reforçar a desigualdade e impactar o crescimento econômico de países emergentes, como o Brasil. "O orçamento público de países em desenvolvimento não acompanha a escala do risco. O financiamento é reativo aos desastres em vez de preventivo."
Os problemas estruturais que os emergentes enfrentam não estão limitados ao desempenho do setor público. Segundo Karen, no setor privado há dificuldade de internalizar o risco climático nas estratégias produtivas. "Não é só falta de dinheiro, é a falta de um plano que viabilize investimentos em escala, que invista em capacidade técnica e dados para transformar essa infraestrutura." (Reportagem de Carla Nigro, Gabriel Cillo, Gabriel Serpa, Guilherme Matos, Vinícius Novelli)
15º Curso Estadão/Broadcast de Jornalismo Econômico Coordenação e edição: Carla Miranda e Simone Cavalcanti; Equipe: Victor Hugo Mendes, Marisa Oliveira e Eliane Damaceno