Dua Lipa larga as férias para gravar o novo álbum, mas esqueceu de bater o ponto e voltar à ativa

No topo do pop, cantora inglesa encontra dificuldade de se relacionar com o que fez dela um ícone, e entrega um álbum com conceito bem definido, mas quase inteiramente esquecível

13 mai 2024 - 20h26
(atualizado às 21h26)

Se é difícil para nós, mortais, retornar à rotina do escritório após férias passadas em alguma praia em Iguape ou Itanhaém, imagine para Dua Lipa, quem viveu as férias dos sonhos em mares de águas cristalinas, piscinas com bordas infinitas, acompanhadas por drinques bonitos e iguarias culinárias do mundo todo.

E aí reside problema com Radical Optimism, o tal otimismo radical de Dua Lipa, o terceiro álbum de carreira, e também o mais desconectado com o mundo ao redor - e com o próprio tamanho da artista em si.

Dua Lipa, a cantora albano-inglesa, está no céu da música. Despontada como uma alternativa ao pop-dentro-da-caixinha vigente na década passada, ela se agigantou na pandemia, justamente quando lançou Future Nostalgia, o segundo álbum de estúdio, vencedor do Grammy de melhor álbum de pop vocal, em 2021.

Com aquele disco, em meio à clausura do mundo, Dua fez da sala de estar de cada um, uma pista de dança. Don't Start Now, Break My Heart, e Levitation foram alguns dos hits de bilhões de plays em plataformas de streaming.

Findado o isolamento social, Dua embarcou em uma turnê-sem-fim, daquelas nas quais pipocam boatos de que a própria artista estava exausta e não suportava as novas datas adicionadas à tour. Alguém certamente foi demitido pelo excesso de shows, dizem por aí.

Crescimento em números. Muitos

O salto na popularidade da inglesa foi tamanho que, em 2017, ela encheu uma Audio, casa na zona oeste com capacidade para pouco mais de 2 mil pessoas, em São Paulo, e, cinco anos depois, levou mais de 40 mil à Arena Anhembi, no início da Zona Norte de São Paulo. Mais, também foi alçada ao posto de headliner (atração principal) do Rock in Rio, com as aclamadas 100 mil pessoas por noite de festival, colocando-se ao lado dos gigantes da música.

Future Nostalgia é responsável pelo ganho de massa magra da artista. O setlist ficou robusto, com pitadas de disco music, e elementos dos anos 80 e até um pouco da década anterior. Dua também se agigantou: adicionou novos passos de dança às performances, roupas coloridas, mais bailarinos, refrãos contagiantes, deixou a voz soar mais livre, sem medo de ser feliz.

Future Nostalgia era aventuresco, livre e versátil.

Tudo o que Radical Optimism não é.

Zero radicalismo para uma artista que era, acima de tudo, radical-pop

O talvez maior radicalismo de Dua Lipa, no terceiro álbum, seja o visual de cabelo avermelhado, aprovado por fashionistas, mas pouco para quem, alguns anos atrás, fez um "rebranding" completo de dar orgulho a empresas de comunicação - termo usado pela turma da publicidade para tratar do processo de mudanças de percepção do público com relação a uma empresa, personalidade, marca, etc.

A barra para o salto de Dua foi colocada alguns centímetros acima, também, quando ela deixou o silêncio das férias com Dance The Night, mais um petardo pop-delícia com instrumental que parece ter sido feito pela banda Chic, nos anos 70, na trilha sonora do filme Barbie, de 2023, e indicado ao Grammy e Globo de Ouro.

A Dua-radical ainda prometera um álbum para celebrar a música dos anos 90, com referências a Massive Attack e Primal Scream, às raves britânicas, psicodelia e ao Britpop. Além do desejo de trabalhar com Kevin Parker, o geniosinho australiano que criou o Tame Impala, uma das bandas mais importantes do rock 2010.

Como ela havia revisitado o groove oitentista da disco music e criar uma obra excelente anos atrás, a expectativa realmente estava alta. É frustrante buscar as tais referências, ainda que você talvez encontre algo em Training Session, a definitivamente melhor faixa do álbum. A inspiração está mais no âmbito espiritual do que explícita.

Dua fez bem ao escolher as músicas para os singles - Houdini parece ter saído de uma sessão de sobras de Future Nostalgia, assim como Illusion tem um quê que se comunica com o álbum anterior, ainda que as batidas por minuto estejam um pouco mais vagarosas.

No máximo, Radical Optimism se apresentava como uma continuação do trabalho anterior.

O fim de uma era. E o começo de outra

A verdade é que Dua admite querer um tempo. Precisava de férias. E ao abrir o álbum com End of a Era (título quase autoexplicativo: o fim de uma era), ela deixa o recado bem-dado.

O clima é cool, saem as batidas pesadas, o groove e o baixo marcado, entra uma leveza bem-vinda.

"Eu acho que nós vamos ficar juntos, esse pode ser o fim de uma era. Nós podemos ficar juntos para sempre". Otimismo puro, logo na faixa de abertura.

O coração, aliás, é quem guia estas faixas. Dua Lipa parece mais segura para escrever sobre suas tormentas emocionais, as revoluções pelas quais o coração de 28 anos já passou. O ápice se dá em "Happy For You", quando na jornada da heroína, nossa personagem principal consegue estar feliz por alguém que já lhe deixou, em um processo de amadurecimento que é contado, como quebra-cabeças, em cada uma das 11 músicas.

Conceitualmente, portanto, Radical Optimism é um acerto, tem uma narrativa coesa, mas perde-se justamente na falta de ideias. Soa como um álbum de uma nota só, com poucos momentos de euforia - e, pior, com uma queda na energia brutal na sequência de Falling Forever, Anything For Love e Maria, trio que está já posicionado no final do álbum.

Falta hit, falta refrão que atinja o ouvinte num lugar que Dua sabe encontrar, faltam sabores, texturas. Quando um dos singles é a melhor música do trabalho (de novo, a brilhante Training Session, com um ritmo alucinante), resta uma sensação de que o álbum poderia ser um EP, com três ou quatro músicas. Seríamos todos poupados, Dua inclusa.

Mas a pressão mercadológica arrastou Dua Lipa para fora das férias e ela o fez com um álbum feito para tocar como trilha sonora de uma festa na piscina em fim de tarde, com drinks chamativos, pessoas de roupas de banho em conversas ébrias, sol ainda de rachar, e alguma dor de cabeça por insolação e falta de hidratação. Esquecível, na maioria dos 36 minutos.

Mesmo arrastada de volta ao trabalho, é improvável que Dua Lipa precise bater o cartão de ponto, sentar em uma cadeira de escritório gasta, repetir o caminho da mesa para a máquina de café e, depois, o banheiro, de anos e anos a fio. Radical Optimism poderia ser brilhante, mas foi um burocrático retorno à firma.

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'Radical Optimism' é o terceiro álbum de Dua Lipa
'Radical Optimism' é o terceiro álbum de Dua Lipa
Foto: Tyrone Lebon / Divulgação / Estadão
Dua Lipa volta das férias com novo álbum, Radical Optimism
Foto: Tyrone Lebon / Divulgação / Estadão
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