Claudette Soares tem duas máximas que ela gosta sempre de expressar no palco e entre amigos. Uma delas, diante dos desafios da profissão de cantora, a qual escolheu há 80 anos, é: "Minha maior vingança é estar viva". A outra frase é uma reflexão sobre a passagem do tempo: "O mundo é ruim para quem não sabe esperar".
Claudette soube esperar. Completou 90 anos no palco, em um show realizado na noite desta sexta-feira, 31, na casa Bona, em São Paulo. Cercada de amigos, no palco e na plateia, cantou por quase três horas. Cabtou com Alaíde Costa, Maria Alcina, Daniel Gonzaga, Izzy Gordon, Rafael Cortez, entre outros.
"Não penso em idade. É algo natural. Nunca me preocupei com isso. Só achei que jamais cantaria depois dos 50 anos. Pensei que não fosse ter voz. O tempo passou e eu não vi", diz a cantora ao Estadão, momento antes de começar a apresentação.
A cantora atribui a vitalidade à própria profissão. "Trabalhamos sempre muito a cabeça para aprender arranjos, decorar as letras. Imagina entrar em um lugar e dar canja com o Hermeto (Paschoal)", diz, sobre o multi-instrumentista, mestre do improviso, que morreu em setembro deste ano.
Claudette começou a carreira na Rádio Nacional, no programa de Renato Murce. Nos primeiros anos, foi chamada de Princesinha do Baião. Mas sua voz mesmo se encaixou na bossa nova, da qual, ao lado da amiga Alaíde Costa, que fará 90 anos no mês de dezembro, é a única cantora remanescente.
Claudette, inclusive, mais uma vez, ao lado da amiga Alaíde, foi a responsável por trazer a bossa para São Paulo, no início dos anos 1960. Foi a grande atração de bares com A Baiúca e Juão Sebastião Bar, na região central de São Paulo.
Na noite de São Paulo, cantou não apenas com Hermeto, mas com Eumir Deoadato, Pedrinho Mattar e Amilton Godoy, Com o então jovem músico Cesar Camargo Mariano, encontrou a parceria perfeita para fazer sua bossa jazz.
"Eu nasci no momento certo. Se eu fosse uma cantora jovem agora, eu estaria sem nenhuma esperança musicalmente. Não temos muita coisa [atualmente]. Convive com as pessoas certas. Eu ganhei um ouvido que qualquer acorde que o músico der, eu entro", diz.
Claudette não ficou só na bossa. Ou melhor, só no banquinho e violão, para o qual ela não tem muita paciência. Jorge Ben Jor confiou a ela o samba rock, Músicas como O Cravo Brigou com a Rosa e Que Maravilha!, que ela lançou.
Em setembro, ela se apresentou no festival The Town, em São Paulo, acompanhada por orquestra. Quando ouviu o arranjo feito para O Barquinho, pediu desculpas ao maestro. "Está muito meigo. Não sou assim. Ele entendeu e mudou. Foi a música mais aplaudida da apresentação", conta.
A grande virada, para o sucesso, foi quando Roberto Carlos lhe entregou De Tanto Amor, em 1971. A gravação de Claudette ficou mais de um ano nas paradas de sucesso. Aquela altura, a bossa nova já estava em baixa, mas, mesmo assim, a acusaram de traição. "Quando o Roberto virou o rei, aí todo mundo queria música dele".
Um novo álbum para 2026
Para o próximo ano, Claudette prepara um álbum com músicas inéditas. Com produção assinada por Marcus Preto e do maestro Thiago Big Rabello, no trabalho, ela gravará veteranos como Marcos Valle, de quem ela eternizou, nos anos 1970, Os Grilos, Ronaldo Bastos, Arnaldo Antunes e Nando Reis, e jovens como Zé Manoel e Tim Bernardes, além da parceria entre Roberto Menescal, outro remanescente da turma da bossa nova, e do jovem Joaquim. A bossa Esse escurinho e você foi, inclusive, apresentada no show comemorativo na noite desta sexta-feira.
"É a Claudette dos anos 1960. Com balanço. A bossa jazz é meu país", adianta.
Claudette foge da resposta sobre o que espera daqui para frente. Com a insistência da reportagem, diz que prefere não fazer planos. "Quero que seja como foi até agora. Nunca pensei que fosse sobreviver [à carreira], nunca fui atrás de gravadora. A vida me deu muita sorte. Vou saber a hora de parar. Sempre sabemos", finaliza.