“Não sei se Jeff fez de propósito. Suponho que não pq o tom da matéria não é assim, enfim...”, legendou Gabriela Prioli em Story no Instagram, ao comentar o título ‘Branca, loira, cara de rica e discriminada por ser classe média: Gabriela Prioli relata “dor” ao passar a frequentar a elite de SP’.
Em outro vídeo temporário na rede social, ela retomou a questão. “Se eu fosse problematizar alguma coisa, eu problematizaria o título da matéria. ‘Branca, loira, cara de rica’? Qual seria a cara de pobre? Delicado, né, o título dessa matéria? Problemático, preconceituoso, não é?”
Em texto de 3 de abril, eu retomei o tema: “Existe racismo de branco rico contra branco pobre? Experiência relatada por Gabriela Prioli divide opiniões”. Expliquei que a apresentadora e advogada foi vítima de classismo (post nos destaques) ao ser segregada por pessoas que nasceram em famílias ricas e tradicionais.
Nas duas postagens, destaquei o sofrimento psíquico de ser discriminado em ambiente social – baseado na questão econômica, independentemente da cor da pele – e do sentimento de não-pertencimento que nasce a partir do olhar (elitista) do outro.
No caso do “cara de rica”, Prioli está certa: não houve a intenção de ridicularizá-la nem ser sensacionalista. Pelo contrário, buscou-se ressaltar que o classismo é tão cruel a ponto de afetar até quem é loiro com olhos azuis, biotipo teoricamente imune a qualquer discriminação.
Infelizmente, incontáveis pessoas enxergam sim ‘cara de pobre’ em não-brancos. Quantos pretos já foram confundidos com prestadores de serviço no ambiente em que estavam como clientes? Associar a pele escura a cargos mais baixos é resquício da escravidão, onde brancos eram servidos por negros, e também reflexo da má distribuição de renda no Brasil, onde, em 2022, 73% dos pobres e extremamente pobres eram pessoas pretas e pardas, segundo o IBGE.
Eu poderia, aqui, listar inúmeros exemplos de confusão entre ‘cara de rico’ e ‘cara de pobre’. Enfatizarei uma situação clássica: o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, estava na porta de um hotel de luxo esperando seu carro quando foi confundido com o manobrista por outro cliente. Quantos homens pretos já passaram por isso? Ao inverso: quantos homens brancos viveram tal constrangimento?
Outra circunstância repetitiva: uma pessoa branca aborda uma pessoa preta em um evento social para pedir algo, supondo se tratar de um funcionário à disposição dos convidados.
Aconteceu com a cantora Luísa Sonsa em uma festa em Fernando de Noronha, em 2018, ao se aproximar da advogada Isabel Macedo de Jesus – tão turista quanto a artista naquele local – para pedir um copo d’água. O equívoco gerou um processo por injúria racial, encerrado após acordo indenizatório.
Esta situação traz à memória uma cena da novela ‘Anjo Mau’, de 1997, quando Clô (Beatriz Segall) se dirige a Vivian (Taís Araújo) em uma recepção. “Você poderia me conseguir um copo d’água, meu bem, por favor?”, diz a socialite.
“Melhor a senhora pedir para aquela moça ali”, responde Vivian, vestindo roupa de festa, indicando uma copeira uniformizada – branca. Clô se desculpa, mas, pelas costas, ironiza. “Alguns anos atrás, esse tipo de gafe seria impossível”, reforçando seu estranhamento em ver uma preta na mesma posição social que ela.
Gabriela Prioli dá valiosa contribuição à sociedade ao suscitar a discussão na internet e fora dela sobre a “dor” (inclusive física) de ser discriminado na alta sociedade por não ter origem aristocrática.
Compreendo o incomodo com o ‘cara de rica’ da matéria, porém, a realidade brasileira se impõe. Em vários Países, a apresentadora passa despercebida, mas, aqui, se destaca por ter a aparência idealizada – inclusive em livros didáticos, filmes, comerciais etc. – de quem supostamente nasceu em berço de ouro. Está no inconsciente coletivo e precisa ser desconstruída.
Em tempo: num Story, a comunicadora se corrigiu sobre a generalização em seu posicionamento no podcast ‘Platitudes’. “Não é todo mundo da elite paulistana que tem esse comportamento. Tem muita gente legal, tem muita gente horrível. Algumas dessas pessoas eu encontrei na minha vida, sobre elas que estou falando, mas não é todo mundo. Toda generalização é burra.”