A iniciativa de escaneamento de íris em troca de criptomoedas gera debates no Brasil, com riscos de segurança e exploração financeira.
A recente iniciativa de escaneamento de íris em troca de criptomoedas, liderada pela empresa Tools for Humanity (responsável pelo WorldCoin), tem gerado debates acalorados no Brasil. Com mais de 500 mil voluntários cadastrados apenas em São Paulo, o projeto promete criar identidades digitais à prova de fraudes, mas especialistas em segurança digital e proteção de dados alertam para riscos permanentes que desafiam a aparente simplicidade da transação.
A tecnologia em questão utiliza scanners para capturar padrões únicos da íris humana, convertendo-os em códigos biométricos irreplicáveis. Embora a empresa afirme que os dados são criptografados e armazenados de forma segura, a natureza permanente dessas informações representa o primeiro grande perigo: diferentemente de senhas ou documentos físicos, os dados biométricos não podem ser alterados em caso de vazamento. Esse risco se agrava quando consideramos que o sistema já foi proibido na Alemanha, Espanha e Portugal por coleta inadequada de dados sensíveis, incluindo registros de menores sem autorização.
Outra preocupação central diz respeito ao consentimento informado. Embora a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) exija autorização clara para o uso de dados biométricos, especialistas questionam a validade do acordo quando há pagamento envolvido. O valor oferecido – aproximadamente R$ 652 em worldcoins – pode atrair principalmente populações vulneráveis economicamente, criando uma dinâmica de exploração financeira de necessidades imediatas em troca de riscos de longo prazo. Karen Borges, do NIC.br, alerta que a prática pode configurar "abuso de vulnerabilidade", pois muitos participantes não compreendem as implicações de ceder um identificador biológico permanente.
A experiência internacional reforça os temores. Na Espanha, mais de 400 mil registros biométricos tiveram que ser deletados por ordem judicial após constatação de irregularidades no processo de coleta. Na Argentina, a empresa foi multada em R$ 1,12 milhão por cláusulas contratuais abusivas que limitavam direitos dos usuários. Esses precedentes sugerem que a infraestrutura legal para proteger os brasileiros ainda está em descompasso com a velocidade da inovação tecnológica.
O risco técnico mais alarmante envolve a combinação desses dados com sistemas de IA. Pesquisadores destacam que a íris escaneada hoje poderia ser usada no futuro para autenticar transações financeiras não autorizadas ou até mesmo desbloquear sistemas de segurança pessoais. Como observa Wanderson Castilho, perito em crimes digitais, "uma vez comprometido, esse dado biométrico abre portas para fraudes ao longo de toda a vida do indivíduo".
Embora a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) monitorize o caso, a eficácia das medidas de controle permanece incerta. A volatilidade da worldcoin – cujo valor oscila constantemente – acrescenta outra camada de risco econômico ao acordo. Enquanto isso, os pontos de coleta continuam se multiplicando, aproveitando-se de um vácuo regulatório temporário que preocupa autoridades e especialistas em direitos digitais.
Diante desse cenário, a pergunta crucial não é se a tecnologia funciona, mas sim quem garante sua segurança daqui a uma década, quando novos usos – hoje inimagináveis – poderão ser dados a esses identificadores biológicos. A lição dos países que já baniram a prática sugere que a prudência deve prevalecer sobre a conveniência imediata, especialmente quando o preço em jogo é a própria identidade humana.
Assista ao vídeo com Adilson Alves da Cruz, gestor de serviços da Gateware.
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