Eutanásia no Brasil: evento inédito reúne grandes nomes para debater sobre morte assistida e dilemas éticos no fim da vida
Encontro na Academia Paulista de Letras propõe reflexão sobre liberdade, dignidade e autonomia diante da morte
A eutanásia, um dos temas mais delicados e controversos da atualidade, volta ao centro das discussões no Brasil. No próximo dia 18 de novembro, a Academia Paulista de Letras (APL) realiza o evento "Viver e Morrer com Liberdade", um encontro aberto ao público que promete colocar o país em sintonia com o debate mundial sobre morte assistida, ética e autonomia no fim da vida.
Com inscrições gratuitas disponíveis no site oficial da instituição, o evento reunirá médicos, filósofos, juristas e representantes diplomáticos da Suíça, Bélgica e Países Baixos — nações onde a morte assistida é legal em condições específicas. Entre os palestrantes confirmados estão Leandro Karnal, Alexandre Kalache, Raul Cutait, Mary del Priore e Luciana Dadalto, presidente do Instituto Eu Decido.
Um debate urgente no país
A discussão ganha força em um momento em que países latino-americanos começam a avançar sobre o tema. Em outubro de 2024, o Uruguai aprovou uma lei que autoriza a eutanásia em situações extremas, tornando-se o primeiro país da América Latina a adotar a medida via Parlamento. Já em países como Suíça e Canadá, a prática é permitida sob regras específicas.
No Brasil, entretanto, a eutanásia continua proibida e é classificada como homicídio simples, com pena prevista de 6 a 20 anos de prisão. Apesar de já ter sido objeto de projetos de lei no passado, o assunto hoje não está em pauta no Congresso Nacional.
Para o Dr. Antonio Penteado Mendonça, advogado e presidente da APL, essa lacuna reforça a necessidade de ampliar o debate entre especialistas e a sociedade.
"Hoje, a liberdade de escolha está se sobrepondo a antigos dogmas ou tradições, que impunham certas ações ou atitudes. O direito de dispor da própria vida é uma conquista recente e ela abrange como viver e como morrer. É fundamental não perder de vista que a dignidade é um direito universal e que sem dignidade não há felicidade. Discutir isso com a sociedade num país como o Brasil é uma necessidade."
O presidente também ressalta que o tema deve ser tratado de forma racional, sem julgamentos morais ou religiosos.
"A decisão não é coletiva, mas individual. Cada um é livre para dispor da própria vida e consequentemente da própria morte, de acordo com suas convicções", complementa.
Medicina, ética e limites da vida
O médico Raul Cutait, cirurgião oncológico do aparelho digestivo do Hospital Sírio-Libanês, destaca o papel da medicina diante desse dilema. Para ele, os avanços tecnológicos permitiram ampliar o tempo e a qualidade de vida de pacientes graves, mas também trouxeram novos impasses éticos.
Ele pondera que o uso excessivo de recursos em casos sem perspectivas reais de recuperação pode gerar sofrimento e custos desnecessários. O caminho, segundo o médico, está em respeitar a vontade do paciente.
"Seria fantástico se pudéssemos escolher exatamente como terminar nossos dias, mas a realidade é que o fim da vida costuma ser imprevisível. Como médico, o que mais ouço é que as pessoas não querem sofrer — e eu concordo plenamente. A medicina atual permite prolongar a vida mesmo em casos de doenças graves, mas não deve ultrapassar os limites da dignidade do paciente nem desconsiderar seus desejos. O ideal seria que todos pudessem administrar o fim de suas vidas com decisões tomadas por antecipação."
Filosofia e tabu: o olhar de Leandro Karnal
Para o filósofo e escritor Leandro Karnal, também membro da APL, o maior desafio está em enfrentar o tabu que envolve a morte. Ele observa que, embora inevitável, o tema é frequentemente evitado — tanto no cotidiano quanto no discurso público.
"Somos cadáveres adiados, como disse Fernando Pessoa. A morte tem uma face dupla: é uma certeza absoluta e é a verdade mais negada. O primeiro dilema é superar este tabu e tratar com objetividade a questão. O segundo é superar a 'positividade tóxica' que Byung - Chul Han identificou como um dos males do nosso tempo. O terceiro obstáculo diz respeito ao conceito de morte assistida como um direito de liberdade individual. Aceitamos interferir na natureza com analgésicos, cirurgias, remédios, cremes e hormônios. Porém, quando o tema é morte, invocam-se argumentos metafísicos de que não se pode 'brincar de Deus'. Desde que nascemos, nossa ciência interfere na vida. No final, e apenas no final, desejamos que a natureza siga seu curso livremente."
Segundo Karnal, eventos como o "Viver e Morrer com Liberdade" são fundamentais para que o tema deixe de ser um tabu e passe a ser tratado de forma racional e ética, dentro do espaço público.
Serviço
Evento: Viver e Morrer com Liberdade
Data: 18 de novembro
Local: Academia Paulista de Letras, São Paulo (SP)
Inscrições: Gratuitas e abertas ao público pelo site oficial da APL