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Afinal, a fome pode causar raiva?

Pesquisas mostram como a comida se conecta aos estados emocionais; confira!

19 dez 2022 - 10h10
(atualizado às 17h05)
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Foto: iStockPhoto/ThinkStock

Alguns juram que a "hanger"*, a raiva intensa ou as emoções desconfortáveis que podem surgir com a fome, é real. Outros dizem que está tudo na sua cabeça. Ambos podem estar certos.

O que comemos, ou não comemos, afeta nossos cérebros e emoções de maneiras que os pesquisadores estão apenas começando a entender. Vários estudos, incluindo um pequeno da Grã-Bretanha, descobriram que sentir fome está associado a emoções negativas. Pesquisas da última década mostram cada vez mais que a comida pode mudar os estados emocionais e influenciar o comportamento e a tomada de decisões.

Em 2018, a palavra "hangry" (junção de hungry e angry) foi adicionada ao Oxford English Dictionary, indicando sua aceitação popular como fenômeno. Mas o que causa a "hanger" e por que algumas pessoas ficam com raiva quando estão com fome e outras não?

A ascensão da "hanger" hormonal

A nova ciência sobre a "hanger" e o cérebro, que exploro em meu novo livro, Eat & Flourish, mostra que a comida e o bem-estar emocional estão inextricavelmente entrelaçados. As pesquisas se concentram principalmente em dois mecanismos que compõem o principal sistema de comunicação do corpo, os hormônios e os neurônios.

Primeiro, os hormônios enviam mensagens por todo o corpo viajando pelo sangue. A "hanger" pode acontecer em parte porque a fome muitas vezes coincide com uma queda na glicose, o que pode criar alterações hormonais no corpo que afetam o funcionamento do cérebro.

Quando a glicose no sangue está baixa, você pode aumentá-la comendo alguma coisa. Para reduzir a "hanger" hormonal, é melhor buscar algo com proteínas, fibras e carboidratos complexos. Comer apenas carboidratos simples pode aumentar o açúcar no sangue, o que pode deixá-lo nervoso e provocar uma queda de açúcar na sequência.

Mas mesmo sem comida, um corpo funcionando normalmente é inteligente o suficiente para lidar com o baixo nível de açúcar no sangue por conta própria por meio de hormônios. Baixos níveis de glicose alertam seu corpo para liberar dois hormônios do tipo "preciso de energia agora", adrenalina e cortisol. Esses hormônios aumentam naturalmente o açúcar no sangue, para que seu corpo continue funcionando mesmo quando o açúcar no sangue cai.

Mas essa inundação de cortisol e adrenalina na corrente sanguínea nos mantém em alerta máximo contra ameaças. Esse alto estado de alerta, combinado com a fome, pode resultar na irritabilidade frequentemente associada à "hanger". Alguns corpos são mais reativos do que outros a esses hormônios, então a "hanger" pode ser extrema ou não, dependendo de sua reação física específica.

Fazendo com que a fome e a raiva desapareçam ao mesmo tempo

Segundo a pesquisa, a segunda maneira com que a "hanger" pode acontecer é através de neurônios, as células especializadas em todo seu corpo que se comunicam umas com as outras. O sistema nervoso envia mensagens pelo seu corpo mais rápido do que um piscar de olhos, muito mais rápido do que os hormônios.

Especificamente, os pesquisadores da "hanger " (sim, isso existe) identificaram a atividade dos neurônios no hipotálamo do cérebro, uma região que coordena a fome e a emoção, entre outras funções do sistema nervoso. A fome ativa essas células cerebrais, conhecidas como neurônios AgRP pela proteína que exprimem.

Mas pesquisadores como Amber Alhadeff, do Monell Chemical Senses Center, na Filadélfia, chamam coloquialmente esses neurônios de "neurônios hangry".

O laboratório de Alhadeff estuda o comportamento alimentar e como a comunicação intestino-cérebro influencia o que comemos. Sua pesquisa mostra que quando a falta de comida ativa os neurônios AgRP em camundongos, os neurônios enviam um sinal de fome, o que não era inesperado.

A surpresa foi que, ao lado da fome, as células também sinalizam uma "valência negativa" - uma emoção desconfortável geralmente associada ao medo, ansiedade e raiva que os camundongos trabalharam para evitar. Seu trabalho se baseou em pesquisas publicadas sobre esses neurônios em 2015.

Era diferente da fome, mas acontecia junto com ela. E então, quando o camundongo comeu, os neurônios AgRP imediatamente se acalmaram e simultaneamente pararam de enviar sinais de fome e negatividade.

Mas o ato de comer e o sabor da comida em si podem ser intensamente prazerosos - mesmo quando se trata apenas de ração para camundongos. Alhadeff queria garantir que o efeito calmante não fosse apenas uma consequência da explosão de sabor. Ela fez um teste para ver se injetar comida diretamente no estômago de um camundongo tinha o mesmo efeito.

E teve: a fome e a raiva desaparecem ao mesmo tempo quando a comida foi introduzida em um corpo com neurônios AgRP ativos, independentemente do sabor.

A "hanger" foi duplamente motivadora para nossos ancestrais

Os seres humanos evoluíram para ter uma valência negativa junto com aquela sensação de fome que é duplamente motivadora. Algumas pessoas ainda podem ter uma forte motivação emocional para encontrar comida, além da motivação da fome, por causa de como seus neurônios AgRP reagem.

Alhadeff diz que acalmar a "hanger" pode ter a ver com o nosso instinto, já que os "neurônios hangry" são apenas uma das inúmeras conexões entre o intestino e o cérebro.

A pesquisa sobre a conexão intestino-cérebro, também conhecida como "sexto sentido", aumentou nos últimos anos e está ajudando a explicar por que obtemos satisfação com determinados alimentos e sabores. O intestino tem seu próprio sistema nervoso, chamado sistema nervoso entérico e conhecido como "o segundo cérebro", que detecta alimentos e nutrientes mesmo quando eles não passam pela boca.

Como Alhadeff explica a partir da pesquisa de seu laboratório, "descobrimos que você realmente precisa dessa sinalização intestinal para ter reduções longas e sustentadas na atividade AgRP". Portanto, tentar lidar com a "hanger" com uma Coca Diet é inútil. "Na ausência dessa sinalização intestinal, você realmente não desliga esses neurônios da fome", ela disse.

Alhadeff levanta a hipótese de que os "neurônios hangry" são remanescentes de uma época não muito distante, quando a maioria dos humanos precisava forragear por comida e precisávamos de mais do que apenas fome para nos motivar a encontrar algo para comer. A maioria de nós não precisa mais forragear por comida. Mas esse grupo de neurônios ainda tem um impacto duradouro.

Da próxima vez que as dores da "hanger" aparecerem, faça um favor a si mesmo e a todos ao seu redor - coma alguma coisa. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

*"Hanger" é a junção das palavras hunger (fome) e anger (raiva).

Estadão
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