'Temi criar minha filha nos EUA de Trump', diz Pedro Andrade, que discute paternidade gay em série
Jornalista de 46 anos, ex-integrante do 'Manhattan Connection', abre as portas de sua casa para mostrar como ele e o marido conceberam Isabel; produção 'Um Tanto Familiar' estreia na HBO Max
Seja como integrante do emblemático Manhattan Connection ou como apresentador dos programas de viagem Pedro Pelo Mundo e Entre Mundos, o jornalista Pedro Andrade sempre demonstrou seu interesse por conhecer culturas e vivências alheias. Esse aspecto volta a aparecer em Um Tanto Familiar, mas desta vez a vida dele é o ponto central da nova série da HBO Max, que estreia nesta terça-feira, 21, no streaming.
No projeto composto por oito capítulos, acompanhamos Pedro e seu marido americano Ben, moradores de Nova York, realizarem o sonho de terem uma filha, mostrando os processos dessa jornada, desde a fertilização até a gravidez que gerou a pequena Isabel por meio de barriga de aluguel.
O termo é usado quando uma mulher aluga o próprio útero para gerar o bebê de outra pessoa, mediante pagamento, após doação de gametas dos pais. Essa condição é proibida no Brasil, ao contrário da barriga solidária, quando a mulher gesta sem cobrar nada por isso.
"Eu sempre contei e explorei realidades fora da minha realidade. E essa é a primeira vez que tenho o desafio e o privilégio de ser o protagonista dessa exploração. Isso vem com qualidades e defeitos. Estou expondo a minha casa, a minha família e isso gera um pouco de ansiedade em mim. Mas, no final das contas, eu estou muito orgulhoso do resultado", diz Andrade em entrevista por videoconferência.
Além de retratar o primeiro ano de vida de Isabel, a produção documental acompanha experiências com pais e mães de diferentes países e culturas, como Itália, Japão, China e Coreia do Sul, além dos Estados Unidos. A narrativa visa discutir os conceitos de família, amor e paternidade.
"Cada episódio fala sobre um tema universal. Há um sobre pais mais velhos e finitude, outro sobre adoção no qual tentamos entender os motivos pelos quais um garoto foi posto pra adoção, como ele se sente. Nada é muito simples, mas tento trazer a leveza que eu sempre trago", conta o carioca de 46 anos, que também comandou anos atrás a atração Conexão América na Rádio Eldorado. "Nunca tive um tom professoral e tenho muita resistência a subestimar o telespectador".
Um dos momentos mais notáveis do seriado ocorre quando Pedro visita um casal de homens na Itália, que são pais de uma menina nascida na Califórnia. Devido às políticas restritivas do governo da primeira-ministra Giorgia Meloni, a criança ainda não conseguiu obter a documentação necessária e vive como imigrante ilegal. Se ela tivesse sido concebida por meio de barriga de aluguel em solo italiano, os pais poderiam enfrentar severas consequências, incluindo a possibilidade de uma pena de até cinco anos de prisão e uma multa de 2 milhões de euros.
"A Itália, um país visto por muitos como referência de pensamento e arte, mudou da noite para o dia. Lembro quando o Papa Francisco, que era visto como progressista, dizia que barriga de aluguel é o mesmo que tráfico humano. E a Giorgia Meloni, símbolo da extrema-direita, usou esse slogan. De certa maneira, o governo italiano prefere que a criança apodreça no orfanato a ter um casal gay cuidando dela", pontua, deixando claro que não faz ativismo político na série e que é adepto de opiniões contrárias às suas.
A preocupação com a onda conservadora também se estende aos EUA de Donald Trump. "É claro que temi criar minha filha na gestão dele", afirma, antes de ressaltar ser um "privilégio" morar em um dos poucos lugares do mundo onde a prática da barriga de aluguel é legalizada.
"97% dos países não permitem isso. Então, às vezes nos esquecemos dos privilégios que temos e de quão frágeis eles são. Durante décadas, aqui nos EUA o aborto era um direito da mulher, mas agora depende do Estado. Hoje também existem conversas sobre repensar a legitimidade do casamento gay", lamenta.
Andrade diz ainda estar acostumado a receber críticas e demonstra segurança na hora de enfrentá-las. "Alguns falam que estou 'brincando de Deus'. Então tomar vacina ou tratar um câncer também é 'brincar de Deus'?", questiona. "Gostaria muito que as pessoas que têm nojo da forma como eu trouxe minha filha ao mundo pudessem passar um dia na minha casa e perceber que temos muitas coisas em comum", finaliza.