Fizeram você querer morango do amor, Labubu e outras tendências; como o algoritmo manipula sua mente
Na neurociência, chamamos isso de priming cognitivo, um fenômeno psicológico que explica como pequenos estímulos, muitas vezes imperceptíveis
Um dia você estava bem comendo seu iogurte natural. No outro, já estava procurando desesperadamente onde comprar o morango do amor. Aquele docinho vermelho, brilhante, caramelizado e montado no palito, que viralizou nas redes sociais em segundos. Nunca sentiu vontade de comer aquilo antes. Mas, de repente, parecia que o mundo todo estava saboreando algo que precisava provar.
Priming cognitivo
Essa vontade repentina não nasceu aí dentro, mas foi plantada. Na neurociência, chamamos isso de priming cognitivo, um fenômeno psicológico que explica como pequenos estímulos, muitas vezes imperceptíveis, ativam predisposições em nosso cérebro e influenciam nossas decisões sem que percebamos. É como se alguém soprasse uma ideia no seu ouvido, mas de forma tão sutil que jura que foi você quem pensou nela.
Agora, pense em quantas vezes isso já aconteceu só nos últimos meses. A tendência da estética da garota minimalista, por exemplo, invadiu o Instagram e o TikTok com pele iluminada, coque baixo, argola dourada e uma maquiagem que parece não estar lá. O resultado? Milhares de mulheres passaram a comprar os mesmos produtos, usar os mesmos penteados e desejar a mesma "leveza" estética.
Padrões
Mas o que isso tem a ver com o funcionamento do cérebro? Tudo. Nosso cérebro adora padrões. Ele se sente seguro quando vê algo familiar se repetindo. Quando uma imagem, som ou ideia aparece com frequência suficiente, o cérebro entende que aquilo deve ser importante e ativa memórias associadas. A partir daí, basta uma fagulha para acender um comportamento. É o mesmo mecanismo que faz você pensar em comida quando vê a cor vermelha e amarela juntas. Ou desejar um suco verde quando escuta a palavra "recomeço".
As tendências funcionam como iscas visuais. Elas não apenas ditam comportamentos, mas criam novos desejos, modificam seus valores, e silenciosamente dizem o que você deve gostar, vestir, comer, sentir. E o mais impressionante é que tudo isso acontece antes mesmo de perceber.
Se parece exagero, observe o que vem acontecendo com os chamados mocktails, os drinks sem álcool. Uma tendência que se espalhou em nome do autocuidado e da sobriedade consciente. Mas que, ao ser repetida em vídeos perfeitamente iluminados com copos decorados e legendas românticas, gerou uma onda de consumo em massa. As pessoas não queriam apenas parar de beber. Queriam fazer parte da estética. Estética essa que hoje, virou pertencimento.
É preciso entender que por trás de cada uma existe força cognitiva atuando. Não estamos apenas imitando, mas sendo induzidos. Isso não quer dizer que precisa desconfiar de tudo. O priming é um recurso natural do cérebro. Ele nos ajuda a aprender mais rápido, a tomar decisões com base em experiências anteriores, a nos conectar com grupos sociais. O problema é quando ele é usado para gerar consumo automático e despersonalização. Quando você começa a desejar o que nem sabia que existia, a se comparar com uma realidade editada, ou a adotar comportamentos por medo de ficar para trás, é sinal de que algo saiu do eixo.
O remédio para isso? A consciência. Da próxima vez que um desejo surgir do nada, pare e pense. Isso realmente faz sentido para mim? Essa vontade veio de dentro ou foi plantada por fora? Estou consumindo porque quero ou porque todo mundo está fazendo? Você pode continuar vivendo as tendências. Mas que elas passem por um filtro chamado autenticidade. Seu cérebro é influenciável, sim, mas também é capaz de escolhas conscientes. Reencontrar sua autonomia talvez seja a trend mais revolucionária dos próximos tempos.
Sobre a autora
Jéssica Martani é médica psiquiatra, especialista em TDAH, saúde mental e regulação emocional. Coordena a pós-graduação em TDAH do Instituto TDAH, reconhecida pelo MEC, em parceria com a Universidade Anhanguera. Saiba mais em Instagram e YouTube: @dra.jessicamartani