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Ataques nas escolas: como garotos, armas, bullying, saúde mental e redes sociais se articulam?

25 out 2023 - 09h57
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Ataques nas escolas: como garotos, armas, bullying, saúde mental e redes sociais se articulam?
Ataques nas escolas: como garotos, armas, bullying, saúde mental e redes sociais se articulam?
Foto: iStock

Os dados mais recentes dos ataques às escolas no Brasil têm revelado que os principais elementos envolvidos na origem dessa explosão de violência formam uma combinação perigosa: a expressão “torta” da masculinidade dos adolescentes, o acesso facilitado às armas, a alta prevalência de bullying no ambiente escolar, a dificuldade dos homens lidarem com sua saúde mental, e o amplo acesso aos meios digitais, com um tempo estendido do uso de telas em detrimento do convívio social. 

Vamos tentar entender um pouco melhor como esses fatores se relacionam e como estão presentes na maior parte dos ataques às escolas, inclusive nesse último que aconteceu na segunda feira passada na escola estadual Sapopemba, na zona leste de São Paulo, em que um estudante atirou contra colegas, matando uma garota e deixando outros dois alunos feridos. É sempre importante lembrar que as causas são complexas e, em geral, resultam da combinação de diversos elementos. 

Para quem acompanha o noticiário não é só impressão que os casos aumentaram depois da pandemia. Quase 60% dos ataques registrados nas duas últimas décadas aconteceram em 2022 e 2023. O que pode explicar essa aceleração? E, ainda mais importante, o que pode ser feito para se reverter essa tendência?

Masculinidade e bullying

A primeira questão é a forma como os garotos têm lidado com sua masculinidade. Ainda prevalece uma cultura em que violência e agressões por parte dos meninos são toleradas ou até esperadas como resposta a qualquer tipo de ofensa. 

Essa mesma masculinidade pressupõe que a única orientação e identidade sexual possível entre os garotos é a cis-heterossexualidade. Assim quem não se encaixa nesse modelo pode ser vitima de homofobia, transfobia e bullying. O patriarcalismo e o machismo estrutural ainda pressionam esses meninos a terem uma postura sexista e misógina com muitas das suas colegas de classe.

O segundo elemento é o bullying no ambiente escolar. Qualquer diferença, qualquer pessoa que não se encaixe em um padrão rígido e, muitas vezes, impiedoso pode ser vítima de escárnio, discriminação, preconceito, exclusão e outras formas de violências. 

Não é de hoje que os especialistas apontam a necessidade de se endereçar questões como homofobia, transfobia, racismo, misoginia, gordofobia, xenofobia, entre outras, nas salas de aulas. 

A convivência com a diferença, o respeito, o diálogo, bases do bem-estar social, têm sido negligenciados. O bullying cria um clima hostil, exclui, gera transtornos de saúde mental, produz mágoas e ressentimentos, e pode ser um combustível altamente inflamável para os rompantes de agressão nas escolas, ainda mais em situações de vulnerabilidade emocional.

Saúde mental em xeque

A saúde mental é um ponto sensível para o jovem, principalmente para os garotos. Depois da pandemia, os transtornos que já eram muito prevalentes, ficaram ainda mais frequentes. Para piorar, os homens, desde a infância, têm uma tremenda dificuldade de expressar suas emoções e sofrimentos, uma outra consequência da masculinidade tradicional discutida acima. 

Assim, diante de impasses e frustrações, eles tendem a responder com mais violência. No caso da autoagressão, por exemplo, o risco de morrer por suicídio é quase três vezes mais alto entre os garotos. Os casos de ataques às escolas são, também, quase que exclusivamente perpetrados por homens jovens. 

Quando há uma sobreposição de questões de raça, orientação ou identidade sexual e exclusão social, as vulnerabilidades se somam, e os impactos sobre a saúde mental podem ser ainda mais graves. Sem conseguir dizer o que sente e sem dividir dores e sofrimentos, esse garoto “explode” em diversas frentes, e a violência contra os outros é uma dessas facetas.

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A vida nas telas

A vida cada vez mais digital é outro fator que pesa nessa complexa equação de fatores que pode levar a ataques letais nas escolas. A cultura da exposição, a sensação de que para ganhar destaque nas redes qualquer tipo de comportamento é admitido ou até incentivado e os desafios impostos pela necessidade de afirmar a masculinidade, tudo isso junto, pode levar esse jovem a correr cada vez mais riscos. 

Além de antecipar ideias e intenções, de se vangloriar da coragem ou do projeto de vingança pessoal, as redes permitem a pesquisa por grupos e por métodos para se alcançar esses objetivos. É como se em um mesmo lugar, eles encontrassem as informações necessárias, as redes de identificação e apoio e o espaço para compartilhar resultados.

Tudo isso em detrimento da perda de habilidades sociais para lidar com os outros fora das telas, para debater e pensar em alternativas ao discutir pontos de vista diferentes, e para avaliar melhor os próprios sentimentos e emoções, assim como os dos outros. São quase avatares lidando com avatares, e não pessoas reais, de carne e osso, interagindo umas com as outras. Nesse sentido, é mais fácil sair atirando em quem eu não identifico emoções, afetos e sentimentos.  

Cenário complexo 

Para piorar o cenário, o acesso às armas ficou mais fácil para muitos adolescentes nos últimos anos. Para um jovem que pode agir de forma impulsiva, que mistura realidade e telas, que entra menos em contato com suas emoções e com as dos outros, essa distância mais curta para o objeto que garante a execução dos seus planos pode ser fatal. 

Para tentar reverter esse cenário não há uma solução única, nem simples. No entanto, os especialistas alertam para a importância  de reunir alguns eixos: um projeto estruturado de combate ao bullying nas escolas desde os primeiros anos até o final do ensino médio, a construção de um programa de convivência social e de educação digital, o suporte permanente em saúde mental, com avaliações psicológicas e encaminhamentos necessários, e uma maior restrição do acesso desses jovens às armas. 

Alguns países já tentaram e obtiveram boas respostas. Com vontade política e compromisso de educadores, autoridades, pais e alunos, esse trajeto pode ser menos difícil e tortuoso.

*Jairo Bouer é médico psiquiatra e comunicador e escreve semanalmente no Terra Você

Fonte: Jairo Bouer
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