Cachorros têm "sexto sentido" para salvar donos de perigo?
Os bichanos heróis são populares nas redes sociais. Mas "superpoderes", na verdade, têm uma explicação biológica que cientistas desvendam.São incontáveis os vídeos disponíveis na internet em que cães resgatam humanos de situações perigosas. O sucesso nas redes sociais é garantido. Cenas reais, espetacularmente encenadas ou criadas por inteligência artificial (IA) recebem milhões de cliques de internautas fascinados pelo poder do melhor amigo do homem.
Mas os cachorros realmente têm um "sexto sentido" quase mágico? Ou os donos exageram os "superpoderes" dos animais?
Segundo especialistas, a maioria dos incidentes que envolvem este suposto poder canino de premonição pode ser elucidada por coincidências, interpretações enviesadas ou reações ultrassensíveis dos cães a estímulos reais.
Ou seja, uma parte das explicações para o fenômeno está no próprio comportamento humano — e outra, na biologia.
Quando chovem reações positivas dos internautas a vídeos protagonizando cães heróis, o viés de confirmação entra em ação. É facil se lembrar do comportamento conspícuo de um cão que evitou um acidente, mas não de todas as vezes em que o cão reagiu de forma semelhante sem que nenhum perigo se apresentasse.
O desejo de acreditar em um vínculo especial com o próprio animal de estimação e em suas habilidades únicas torna a crença na clarividência canina ainda mais convincente.
A explicação biológica
É fato, entretanto, que os cães têm sentidos muito superiores aos dos humanos. Eles ouvem frequências muito mais altas, são sensíveis a vibrações, mudanças na pressão do ar ou no clima e têm um olfato cerca de 10 mil a 100 mil vezes mais forte que o dos humanos.
Estudos sobre epilepsia, diabetes e câncer mostram que os cachorros podem detectar as menores mudanças bioquímicas no corpo, como no suor ou na respiração. E ainda registram mesmo sutis alterações no comportamento e nas emoções de seus cuidadores, como tensão muscular, ritmo respiratório e o cheiro do estresse.
Se o cão então apresenta comportamento de estresse — ofegando, choramingando, insistindo — é fácil ver isso, em retrospecto, como um aviso antecipado para um perigo iminente.
"Muitas dessas histórias sobre cães prevendo desastres ou acidentes parecem sobrenaturais, mas geralmente podem ser explicadas por seus órgãos sensoriais extraordinários", afirma o psicólogo canadense Stanley Coren à DW.
Em um estudo da Queen's University Belfast, 19 cães de família reagiram de forma significativamente diferente a amostras de suor de pacientes com epilepsia na fase pouco antes de uma convulsão, em comparação com amostras de controle.
Já os cães de assistência para diabetes ou câncer detectam sinais fisiológicos como frequência cardíaca, ritmo respiratório, hormônios do estresse e as combinações de moléculas orgânicas que refletem o estado de saúde de uma pessoa.
"Prevendo" terremotos
Segundo Coren, os cães poderiam, por exemplo, ouvir os primeiros sons de camadas de rocha se rompendo quando um terremoto está prestes a acontecer, que estão muito além do limiar auditivo humano.
Eles também detectam fontes de calor "como um sensor infravermelho" e percebem até mesmo instabilidades mínimas ou vibrações por meio de sensores táteis finos entre as almofadas das patas. É por isso que um cão pode ficar inquieto pouco antes de uma ponte começar a balançar ou um veículo derrapar em uma estrada molhada.
Outros animais também têm sentidos muito mais poderosos que os humanos. Uma equipe liderada pelo pesquisador Martin Wikelski, do Instituto Max Planck de Comportamento Animal, na Alemanha, equipou vacas, ovelhas e cães na Itália com sensores e observou atividade significativamente aumentada antes de vários terremotos, especialmente entre animais em estábulos.
Aparentemente, eles reagem a microvibrações ou efeitos elétricos nas camadas de rocha. "Isso não é uma premonição, mas uma reação a estímulos físicos", explicou Wikelski à DW.
No entanto, as habilidades animais não permitem previsões confiáveis, e são necessários dados para separar mitos populares na internet da realidade. "Essas anedotas teriam que ser verificadas com transmissores anexados aos animais — como fizemos em nossos estudos sobre terremotos e erupções vulcânicas."