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Brasileira é considerada rainha das camisas brancas

30 dez 2009 - 16h47
(atualizado em 30/12/2009 às 20h06)
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Rosângela Espinossi

Foto: Divulgação

Direto de Paris

Ela é carioca da Urca, tem 38 anos, 1m79, pele clara e cabelos negros longos, fala português com sotaque francês, e é considerada a "rainha das camisas brancas". E isso no mundo todo, ou pelo menos nos países em que estão situadas pelo menos uma das 70 lojas que levam seu nome: Anne Fontaine. É homônima da cineasta que dirigiu o filme Coco antes de Chanel, mas ambas não se conhecem pessoalmente. A diretora é apenas uma de suas clientes, que se junta a nomes como Uma Thurman, Britney Spears, Catherine Deneuve, Michelle Obama e Carla Bruni e mais uma relação enorme de celebridades.

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O nome completo desta estilista brasileira pouco conhecida no Brasil e reconhecida fora é mesmo de rainha: Anne Adélia Cristina Maria Teresa Fontaine. Descobriu suas origens francesas apenas quando uma difícil verdade lhe foi revelada aos 14 anos. Mas o que poderia ter se transformado num problema incontornável, deu forças para Anne querer conhecer sua história, não sem antes desbravar, a seu modo, o Brasil pertencente aos índios e à natureza.

Numa sucessão de fatos e movida sempre pela intuição, Anne chegou onde está hoje, tendo como mola propulsora de seu sucesso uma simples ideia na cabeça: criar e vender apenas camisas brancas. Entre os motivos que a levaram a confeccionar tais peças, está a tradição brasileira de passar o Réveillon de branco, além de outros fatos marcantes de sua vida e algumas coincidências. Suas peças são cheias de babados, drapeados e cortes diferenciados, o que faz toda a diferença na hora de vestir, e foi o que moldou o sucesso da marca. Desenha até 1,4 mil modelos por ano, mas apenas alguns desses são produzidos. Os preços podem variar de 150 euros a 6 mil dólares.

Da primeira loja aberta em 1994 em Paris, a um dos pontos mais sofisticados da capital francesa, a grife Anne Fontaine ampliou seus horizontes: não tem mais apenas "chemises blanches", mas uma linha clássica de vestimenta feminina e de acessórios. E dentro do conceito de oferecer bem-estar a suas clientes, abriga no subsolo da loja de 700 m2 instalada na sofisticadíssima rua Saint-Honoré, no centro de Paris, um SPA decorado pela arquiteta Andreé Puttman, com conceito totalmente idealizado por Anne, em que elementos da natureza e temperos brasileiros são o ponto forte.

Foi nesse endereço, onde uma escada ladeada por um parede com cascata e uma porta de vidro forrada com organdi branco, nos leva ao SPA, instalado no subsolo, que a estilista brasileira recebeu a reportagem do Terra. A conversa durou mais de duas horas. Anne falou sobre sua trajetória até chegar onde está, sobre seus planos e como consegue criar tantas variações de camisas a cada coleção. Também chorou ao lembrar sua convivência com os índios Canelas, que a apelidaram de Cocoi (a que vence sempre) e a forma com que teve de abandonar a aldeia na Região Amazônica. Confira trechos da entrevista:

A revelação

"Soube aos 14 anos que minha mãe biológica era na verdade minha irmã, 16 anos mais velha. Meus avós conservadores e católicos achavam um absurdo que a filha deles tivesse um bebê aos 16, então me adotaram. Quando soube da verdade, quis conhecer minhas origens. Meu pai biológico era francês, mas havia morrido num acidente. Na época, fiquei revoltada e me transformei na ovelha negra. Fugi de casa ainda menor de idade, com meu namorado da época. Antes de vir para França, parti para conhecer os índios do Brasil. Peguei algumas roupas, um dinheiro que tinha guardado porque ajudava minha bisavó (que eu achava que era minha avó até então) a fazer chinelinhos e bordadinhos. Liguei para minha mãe (avó) avisando que estava saindo de casa e prometi que daria notícias sempre. Voltei um ano e meio depois."

A aventura

"Iniciei uma viagem ao Brasil de ônibus, a pé, a cavalo. Na Mata Atlântica, pertencente à Bahia, cheguei a uma aldeia de índios caboclos. Mas durante a viagem, dormi na manta do cavalo, que estava repleta de carrapatos. Peguei mais de cem. Tive uma infecção e cheguei à aldeia desmaiada. Fiquei três dias inconsciente. Quase morri, delirava de febre. Os índios me salvaram com uma mistura para beber, banhos de ervas. Isso ainda era o começo da viagem. Continuei a buscar um lugar para eu ficar mais tempo e cheguei a um lugar na região amazônica que tinha a Casa do Índio. Vi muitos bêbados e fiquei meio decepcionada. Mas logo depois, um indiozinho que falava português disse que seu chefe estava me esperando, porque sabia que eu queria visitar uma aldeia e me convidou para ir a dele. Foram alguns dias de espera e mais dois de viagem."

A recepção

"Quando eu e meu namorado chegamos, um índio velho, com cabelos brancos, que falava português, me disse: 'A gente sabia que você ia chegar. O xamã avisou. Vocês estão na nossa aldeia, onde só tem gente da família, então nós vamos adotá-los'. Fui adotada por ele. Meu pai índio me dava aula, todo dia pela manhã, sobre a história deles e para eu poder me comunicar com a tribo. Meu namorado, meio louro, foi adotado por um índio que também deveria ser mestiço, porque era claro."

O batizado

"Chegou o dia do batizado na aldeia. Eles me explicaram que o rito consistia em fazer com que minha alma de criança saísse voando e se transformasse num pássaro. Era um ritual em que os homens passavam uma resina nas mulheres e vice-versa. A que passaram em mim era verde. Eu acabei cheirando aquilo e apaguei, fiquei apenas ouvindo vozes. E escutava o índio que me adotou falando que eu ia morrer, porque aquilo não era para ser cheirado. De novo, não morri ri. Sobre aquela resina, me colocaram penas brancas pequenas, um tipo de penugem. Me deram o nome de Cocoi, que é o nome que se dá à pessoa que sempre vence as competições de corridas promovidas pela aldeia. Um hábito forte entre eles. Não que eu ganhasse, mas assim mesmo eles me chamaram dessa forma."

O retorno

"Fiquei lá seis meses, mais ou menos. Não tinha mais noção do tempo. Para dar notícias à minha família, mandava pela Rádio Amazônia. Um índio ia todo mês à cidade para fazer troca e eu mandava um recado. A convivência no local me fez perceber também que eles eram enganados. A Funai sempre mantém um 'homem branco' para ajudar os índios. E meu pai adotivo me disse que aquele que era responsável pela aldeia estava roubando. Pegava pedras preciosas, a colheita e trocava por shorts velhos, por tecidos velhos, por nada de valor. Eu então comecei a alertá-los, até que um dia chegou um helicóptero e me levou algemada de lá, com meu namorado. A acusação era de que eu estava dando drogas para eles Anne começou a chorar, ao se lembrar dessa passagem. Saí de lá algemada e, claro, com medo de ser jogada no meio rio e nunca mais me acharem. Disse que tinha um tio juiz que sabia exatamente onde eu estava, o que estava acontecendo e se acontecesse algo comigo, todo mundo ia saber. Fui presa, mas meu tio conseguiu me tirar e falou para eu voltar imediatamente para o Rio de Janeiro, onde nasci. Se não tivesse acontecido isso, talvez ainda estivesse lá."

Outra viagem

"Quando voltei, queria denunciar, ir à TV, mostrar o que estava acontecendo lá. Minha mãe (avó) não deixou. Disse que era para eu esquecer tudo e virar adulta. E me mandou para a França para continuar meus estudos numa universidade. Comecei a fazer os testes de adaptação, mas sabia que não conseguiria ficar presa a uma universidade. Então me inscrevi num programa bancado pelo príncipe Albert de Mônaco. Era uma associação de defesa das baleias, chamada Thetis, onde iniciei os estudos de biologia marítima. Ficava seis meses no mar e uns dois meses em terra. Numa das vezes em que fiquei em terra, conheci meu marido (Ari Zlotkin). Na hora de voltar para o mar, ele não deixou e disse que queria casar comigo. Aceitei, estamos há 16 anos juntos, temos duas filhas, Clara (10 anos) e Ella(5). Eu tinha 22 anos."

O baú

"A família do meu marido tinha uma fábrica de camisas femininas que produzia para grifes. Ele assumiu o negócio quando estava falindo, no começo dos 1990, porque a empresas transferiram a produção para países com mão-de-obra mais barata. Ele começou a fazer até uniformes de supermercado. Eu disse que não tinha experiência em costura, mas gostava de desenhar minhas roupas. E um dia, na casa de minha sogra, fui vasculhar o sótão e encontrei um baú repleto de camisas brancas. Ela havia guardado todos os modelos produzidos, mas apenas na versão branca."

As camisas brancas

"Quando vi aquilo, percebi que toda a história estava lá. Tinha de ser camisas brancas. Afinal o branco estava muito presente em minha vida. Encontrei aquele baú, fui batizada na aldeia indígena com penas brancas e no Réveillon brasileiro, todo mundo passa de branco para trazer sorte. Pensei então em dar outra imagem à camisa branca. Saint-Laurent fazia alguma coisa mais feminina, e também Yojhi Yamamoto, com corte mais assimétrico. Eu queria transformar a camisa branca em essencial, como o 'petite robe noir' (vestidinho preto)."

A primeira colação

"Desenhei então 20 ou 30 modelos e fizemos cinco exemplares de cada para que cinco representantes viajassem pela França para oferecer as amostras. Todos os clientes compraram. Tivemos então de buscar dinheiro para a produção. Não foi fácil, porque a empresa estava falindo e ninguém queria emprestar. Tivemos a ideia de abrir também a primeira loja, na Rive Gauche (lado esquerdo do rio Sena), um bairro mais alternativo. Depois de ir a muitos bancos, uma gerente acreditou na gente, e então conseguimos uma parte do dinheiro para abrir o espaço de 22 metros quadrados. Era 1994."

Outras fronteiras

"Logo depois, um grupo japonês se interessou pela marca Anne Fontaine e fechamos um contrato de sociedade com eles por dez anos. Foram abertas 25 lojas no Japão, o que permitiu que o dinheiro entrasse. Depois, uma americana de Dallas se interessou. Abriu uma loja lá, mas com o nome de Chemise Blanche, porque não conhecíamos o mercado americano tínhamos medo de a grife com meu nome ficar marcada. Depois de dez anos, fechamos as lojas no Japão em sociedade e reabrimos outras sob nossa direção. Nos Estados Unidos, também assumimos a direção. Meu marido viaja todos os meses para lá. Ao todo, temos 70 lojas, mas apenas em Israel temos sócio. Não param de chegar propostas de grandes grupos para se associarem. Mas não queremos, continua sendo uma empresa familiar, com produção na França e não queremos acelerar o processo de expansão. No Brasil, minhas peças são vendidas no Rio de Janeiro, na loja Avec Nuance, no Leblon. Quando sentirmos que chegou a hora, abriremos uma loja própria no país. Fazemos só o que gostamos, é um negócio, mas é também uma filosofia de vida, de bem-estar. Por isso abri o SPA e estou finalizando um projeto de ajuda para a Amazônia. Estamos em fase avançada, mas ainda não posso revelar do que se trata. Deve ficar pronto no começo de 2010. Meu foco é fazer ações de preservação da natureza, de ajuda a crianças e de combate ao câncer de mama."

O processo de criação

"Hoje não desenho apenas camisas brancas. Tenho preto (na verdade sempre tive, mas ficavam na gaveta) e em geral coloco mais algumas cores na coleção. Crio também outras peças, como vestidos, saias e calças. Acabo de lançar minha primeira coleção-cápsula, e a de inverno, a ser lançada em janeiro, se chama coccinele (joaninha, em português). Me inspirei nas musas dos anos 50 e 60, como Brigitte Bardot e Marilyn Monroe. Tem formas arredondas e nas estampas, usei também xadrez e petit-pois. Faço também uma linha de acessórios: bolsas, cintos etc. Para criar as peças, me tranco uma semana em Honfleur, cidade na Normandia, onde tenho o escritório e onde moro desde que nasceu minha primeira filha. Venho a Paris apenas uma ou duas vezes por semana. No período de criação não deixo ninguém entrar. Desenho de 500 a 700 modelos por estação. Ou seja, de mil a 1,4 mil por ano. Primeiro, só camisas depois o resto. Desses, escolho cem para começar a fazer molde e a produzir. Também trabalho no manequim. Faço minhas pesquisas em bibliotecas, livros antigos. Os desenhos que não utilizei, não são reaproveitados na outra coleção. Faço tudo de novo. A produção é feita nas duas fábricas, que temos na região francesa da Bretanha. As roupas são produzidas na França e os acessórios, na Itália."

O preço

"Tenho clientes famosas. Às vezes, nem sei que compraram, e aí vejo em fotos. Entre elas estão Catherine Deneuve, Cate Blanchett, Uma Thurman, Catherine Zeta-Jones, Ella Mcpherson, Sophie Marceau, Harry Bally, Cher, Britney Spears, Carla Bruni, Michelle Obama, Oprah Winfrey. Vários homens vêm comprar para suas mulheres: Sting, Paul McCartney já vieram. Vendo mais os números 32 ao 40, mas meu 46 é bem grande. Para o Japão, sai mais o 34 e o 36. E para a Alemanha, a paleta é maior. Para minha flagship de Nova York, produzo uma linha especial, com modelos exclusivos, que podem custar de US$ 1 mil a US$ 6 mil. Mas as peças nas lojas saem a partir de 150 euros e a média e de 500 euros. A maioria dos tecidos é natural, como linho, algodão orgânico e fibra de bambu. Também uso alguns tecnológicos e um pouco de seda."

Fonte: Especial para Terra
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