Ele defende mais petróleo brasileiro como solução climática: 'Países devem criar vergonha na cara'
Professor de planejamento energético da COPPE/UFRJ, Roberto Schaeffer é um dos autores do relatório internacional Lacuna da Produção 2025, lançado nesta segunda-feira, 22
Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Schaeffer vem desafiando os colegas que, como ele, trabalham em busca de soluções para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e, consequentemente, o impacto do aquecimento global.
Ele e seu grupo de trabalho no Centro de Energia e Economia Ambiental do tradicional Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) defendem que as metas de redução de emissões e as soluções adotadas devem ser globais e não individuais.
O princípio geral de desacelerar a queima de combustíveis fósseis e impulsionar a transição para fontes limpas de energia, como destacado por cientistas em todo o mundo, é o mesmo.
Mas seguindo a lógica de soluções globais, diz Schaeffer, faz mais sentido admitir que há uma demanda mundial remanescente por petróleo (até que a transição energética se complete) e concentrar essa produção nos países onde a extração e o refino emitem menos gases de efeito estufa. Seria o caso do Brasil, por exemplo.
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"Faz mais sentido produzir petróleo no Brasil por mais tempo", afirmou, em entrevista ao Estadão. "O petróleo brasileiro é mais fácil de ser extraído e é de melhor qualidade; por isso demanda menos energia (e emite menos gases estufa) no processo de produção e de refino."
Schaeffer faz parte do grupo internacional de 50 cientistas que organizou o relatório Lacuna da Produção 2025, lançado nesta segunda-feira, 22.
O relatório revela que, a despeito das promessas e compromissos climáticos assumidos por diversos países, os planos governamentais mostram intenção de continuar produzindo combustível fóssil pelas próximas décadas.
Conforme o novo documento, o volume de produção previsto é totalmente incompatível com as metas de redução de emissões previstas no Acordo de Paris, o pacto climático global para evitar uma catástrofe do planeta.
Conforme o estipulado no Acordo, de 2015, a temperatura média global deve aumentar no máximo 2ºC, e idealmente 1,5ºC, até o fim do século para evitar os efeitos mais agressivos do aquecimento global. Algumas projeções já indicam que será impossível manter dentro do patamar de 1,5º C.
Essa contradição mundial, segundo Schaeffer, ocorre porque "há uma demanda remanescente por combustíveis fósseis, em particular pelo petróleo, que não se resolve de uma hora para outra". Por isso, afirma, os países "precisam criar vergonha na cara e discutir seriamente o problema" buscando soluções globais.
"Do ponto de vista científico, faz sentido produzir petróleo onde é melhor e mais barato, e ter um comércio internacional livre e sem tarifas", afirmou.
Veja a entrevista completa abaixo:
Como o senhor analisa a posição contraditória do Brasil que, às vésperas de sediar a COP-30, faz promessas de redução de emissões de gases do efeito estufa e, ao mesmo tempo, faz planos para ampliar a exploração de petróleo e gás?
Não é uma posição contraditória do Brasil, mas sim do mundo. Há uma demanda remanescente por combustíveis fósseis, em particular pelo petróleo, que não vai se resolver de uma hora para outra. Os carros podem ser eletrificados, mas isso ainda está longe de acontecer para ônibus e caminhões. E a população anda de ônibus, e os produtos brasileiros são transportados por caminhões. Não tem como imaginar que, de uma hora para outra, vamos parar de consumir petróleo. Há que se decidir de onde vai vir essa produção de petróleo que ainda será necessária por algumas décadas para dar conta dessa demanda. Não é uma questão brasileira. Os países devem criar vergonha na cara e discutir seriamente o problema.
O que o senhor quis dizer com "de onde virá essa produção"?
O problema das mudanças climáticas não é o investimento nem o consumo. É a demanda. A pergunta é: o que os países estão fazendo para reduzir a demanda? A demanda mundial depende ainda muito de petróleo e carvão. Segundo o Acordo de Paris, os países se comprometeram a manter o aumento da temperatura média global em no máximo 2ºC, idealmente 1,5ºC. Cada país teria sua parte nessa equação. Mas se um fizer e outro não fizer, não adianta nada.
Então qual é a solução?
A nossa proposta é adotar modelos integrados globais, buscar soluções que são ótimas para o mundo, reduzir emissões nos locais onde é mais barato fazer isso. Então, por exemplo, supondo que a redução de emissões seja mais barata na Índia do que em qualquer outro lugar do mundo, o mundo todo deveria ajudar a financiar a Índia a reduzir suas emissões. Mas não adianta querer que a Índia reduza emissões se o financiamento não chegar lá. De maneira geral, é mais barato reduzir emissões nos países em desenvolvimento porque dá pra fazer isso com medidas mais simples, mais baratas. Mas será preciso um compromisso com grandes transferências de recurso.
E a mesma lógica serviria para a produção?
Então, nosso grupo tem sido um dos protagonistas mundiais dessa discussão, na forma de artigos científicos. A Agência Internacional de Energia divulgou um relatório dizendo que, para termos emissões zeradas até 2050, não se deveria abrir mais nenhum campo de petróleo porque os campos já em produção seriam mais que suficientes para suprir a demanda mundial remanescente por combustível. Nós discordamos dos colegas. Campos novos de petróleo produzem melhor, com mais eficiência, do que campos antigos, então, na verdade, é melhor fechar o campo antigo e abrir campos novos. O problema é que a grande maioria dos campos novos está em países em desenvolvimento e os campos antigos, nos países ricos - e eles não aceitam a ideia de fechar seus campos.
Mas essa maior eficiência é tão significativa assim? O senhor poderia explicar melhor?
Sim, é bastante significativa sim. Grosso modo, a indústria do petróleo emite 10% do petróleo que consome. Ou seja, para cada 100 barris produzidos, 10 são consumidos pela própria indústria, tanto na extração quanto no refino. Se isso puder ser reduzido para 5 barris, por exemplo, já teríamos um ganho significativo. O petróleo para ser produzido e refinado demanda o uso de petróleo (e, portanto, emite gases do efeito estufa). Entretanto, um petróleo mais fácil de ser extraído ou um petróleo de melhor qualidade exige menos petróleo para ser produzido e refinado. Num campo novo, o petróleo é extraído facilmente, sem necessidade do uso de energia externa para tirá-lo do poço. Nos campos antigos, de 25, 30 anos, a extração demanda muito mais energia (e produz mais emissões). Então, se há um campo a ser fechado, é o velho. A Agência (de energia) foi muito infeliz ou maldosa ao defender que campos novos não deveriam ser explorados.
Então, o que o senhor está dizendo é que o Brasil deveria continuar explorando petróleo e o Canadá e a Noruega, por exemplo, não mais?
Exatamente. Faz mais sentido o petróleo ser produzido por mais tempo no Brasil. A produção do Pré-Sal é de baixo teor de carbono. Além disso, nosso petróleo é de excelente qualidade e, por isso, tem um processo mais simples de refino, com menos emissões. O petróleo do Canadá e do Mar do Norte é um horror.
Certo, e ai o Brasil, para seguirmos no nosso exemplo, venderia petróleo para os outros países que, por sua vez, abririam mão de sua produção. Mas como é que algum país vai aceitar abrir mão da produção própria de energia e ficar dependente de outros países?
Mas isso vale para qualquer coisa, não só para o petróleo. Porém, do ponto de vista científico, há uma lógica econômica global: faz sentido produzir petróleo onde é melhor e mais barato, e ter um comércio internacional livre e sem tarifas. Isso já é feito com outras mercadorias. A soja é um exemplo. O Brasil é o maior exportador de soja porque é muito mais barato produzir aqui. Mas, curiosamente, o mundo só concorda com essa lógica quando os países ricos não precisam abrir mão de nada. Quando o produto melhor e mais barato compete com o seu produto pior e mais caro, aí começam as práticas protecionistas. Então, há um certo cinismo nisso.