COP-30: rascunhos trazem versão branda de roteiro para abandonar petróleo e ambientalistas criticam
Texto proposto pela presidência da conferência decepciona por opções fracas em tema central, mas é considerado 'coeso' e com potencial para avanços, dizem especialistas
ENVIADAS ESPECIAIS A BELÉM- A presidência da Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30) divulgou nesta terça-feira, 18, o primeiro rascunho das decisões que podem sair de Belém. Em um dos textos mais aguardados, chamado de "Decisão Mutirão" e que reúne as principais polêmicas das negociações climáticas, há menção ao mapa do caminho rumo ao fim do uso dos combustíveis fósseis, mas de forma branda, o que frustrou expectativas. Ainda assim, as negociações não têm sido fáceis, e a orientação da presidência da COP foi simplificar os textos.
O "mapa do caminho" tem ganhado apoio de cerca de 80 países, segundo contabilidade de organizações da sociedade civil, e foi uma das demandas apresentadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante Cúpula de Líderes, que antecedeu a COP-30. Na tarde desta terça-feira, alguns desses países - como Reino Unido, Alemanha, Colômbia e Serra Leoa - convocaram uma entrevista coletiva para endossar o "mapa do caminho".
Questionada sobre o fato de países insulares estarem pedindo mais ambição em relação ao fim dos combustíveis fósseis, a CEO da COP, Ana Toni, afirmou não ter ouvido essa solitação dos negociadores.
A chamada "decisão mutirão" traz como uma das opções de texto encorajar as partes a cooperar para implementar a transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis (como o petróleo), considerados os principais vilões do aquecimento global. Nesse tópico, o texto convoca um grupo ministerial para apoiar os países a elaborarem roteiros para transição justa e para superar a dependência desses poluentes.
O pacote com decisões sobre os itens mais contenciosos da negociação extrapola o mandato da COP-30, mas ganhou relevância pela pressão dos países por resolução nas questões de financiamento, metas unilaterais de comércio, ambição das metas e relatórios de transparência.
O "combo de mapas do caminho" inclui ainda o tema do desmatamento, para que os países avancem na eliminação do desmate. Esses últimos tópicos foram defendidos por Lula em diversos discursos feitos na Cúpula de Líderes que antecedeu a COP-30.
Para este mesmo parágrafo outra opção de texto fala apenas sobre a possibilidade de convocar um workshop das partes ou convidar as partes a compartilhar iniciativas domésticas de sucesso sobre transição justa, ordenada e equitativa para soluções de baixo carbono. Uma terceira opção é não trazer nenhum texto sobre o tema.
Ambientalistas avaliam, no entanto, que as opções de texto são fracas diante do clamor de alguns países pelo roteiro rumo ao fim dos fósseis.
"O mapa do caminho encomendado pelo presidente Lula não está lá, em nenhum dos papéis. A pergunta que fica é: a encomenda do presidente vai entrar quando nesses textos? ", questiona Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.
Astrini destaca, porém, que é positivo o fato de os textos com propostas de decisão já estarem sobre a mesa. Segundo ele, quanto maior a antecedência, maior a possibilidade de avançar nas decisões.
Durante discurso na plenária de alto nível que reúne diversos ministros de todos os países nesta terça-feira, 18, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, citou a fala de Lula defendendo o fim progressivo do uso de fósseis e voltou a defender a necessidade de um roteiro.
"É necessário diálogo estruturado, troca de experiências e estratégias de longo prazo, contemplando países produtores e países consumidores de combustíveis fósseis. Precisamos planejar os caminhos e garantir os recursos financeiros e suporte técnico para reduzir a alta dependência desses combustíveis para a geração de empregos e a segurança energética em várias partes do mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento", disse.
Adaptação segue alvo de discordância
Na adaptação, tema que é alvo de objeções de grupos de países, principalmente africanos, as principais discordâncias giram em torno:
- da adoção dos indicadores da Meta Global de Adaptação, que prevê a preparação dos países para lidar com efeitos do aquecimento global e de eventos climáticos extremos, como tempestades e ondas de calor
- da menção a uma nova meta de financiamento para adaptação
- do papel do Roteiro de Adaptação de Baku (em referência ao que foi acordado na conferência de 2024)
- da criação de um programa de trabalho de dois anos depois da COP-30 sobre o tema.
"Tem muita coisa em aberto ainda. Essa semana vai ser bem intensa e é provável que essa discussão passe para o nível ministerial para poder avançar a tempo", avalia Flavia Martinelli, especialista em Mudanças Climáticas na WWF-Brasil.
Financiamento climático travado
Outro pontos polêmico na COP, o financiamento climático ainda está totalmente em aberto da "Decisão Mutirão". Nas consultas feitas aos países para elaborar o documento, na semana passada, houve tensões entre os países quando o assunto entrava em pauta, sobretudo por parte da Índia e da Arábia Saudita. Nesta terça-feira, ainda há vários trechos do documento relacionados ao tema que trazem versões possíveis completamente opostas.
No item que menciona a meta de alcançar US$ 100 bilhões em financiamento dos países ricos para os em desenvolvimento, há três opções do texto. Uma delas, apoiada pelos países ricos, sugere que se escreva que a meta foi atingida em 2022 e que se aguarda mais informações sobre o cumprimento ou não dela em 2023. A outra possibilidade de texto é registrar que a meta não foi alcançada e que as nações observam isso com "grande preocupação". A terceira opção de é não incluir o assunto no documento.
"O item de financiamento climático do "Pacote Mutirão" é fraco e insuficiente. É um documento com opções de textos conflituosos", destaca Tatiana Oliveira, líder de estratégia internacional da WWF-Brasil.
Há países que querem separar o item do pacote para debatê-lo de forma individual. Isso, porém, não seria possível nesta cúpula do clima. "Estão jogando isso para o futuro e contratando um problema para as próximas COPs", acrescenta Oliveira.