Por que Hamilton deve bater o pé por salário na Mercedes
Alessandra Alves defende a posição de Lewis Hamilton em seu impasse com a Mercedes na renovação de contrato; veja motivos do heptacampeão
A equipe Lewis Hamilton marcou 347 pontos no Mundial de Fórmula 1 de 2020. Vice-campeã da temporada, a Red Bull conquistou 319. Claro que a frase acima não faz sentido. Hamilton conquistou 347 pontos e foi campeão do Mundial de Pilotos e ajudou a Mercedes a conquistar o Mundial de Construtores, com 573 pontos. Mas a matemática é clara: se tivesse apenas Hamilton como piloto, a Mercedes ainda assim teria sido campeã.
A superioridade da Mercedes na temporada de 2020 é incontestável. O companheiro de Hamilton, Valtteri Bottas, foi o vice. Juntos, venceram 13 das 17 corridas. Ao se consolidar, pelo sétimo ano consecutivo, como a melhor equipe da Fórmula 1, a Mercedes não ganhou apenas em imagem. Não lucrou apenas com o prestígio que o sucesso na categoria empresta a seus carros de rua.
A Mercedes tem sido uma equipe lucrativa na Fórmula 1. Gasta muito (e precisará obrigatoriamente gastar menos quando o teto de gastos passar a vigorar), mas também obtém lucro, com patrocinadores e com o prêmio em dinheiro recebido da categoria. Na Fórmula 1, funciona assim: quem pontua mais ganha mais. Desta forma, a lógica de Hamilton parece estar fundamentada em pura aritmética – se a Mercedes ganha mais dinheiro pelos pontos que marca, e eu sou o responsável pela maior quantidade de pontos da Mercedes, logo, mereço ganhar mais dinheiro.
Nas especulações sobre o impasse na renovação, surgiu um dado que reforça a tese acima: diante de todas as dificuldades do ano de 2020, a Mercedes teria oferecido uma redução de salário a Hamilton, passando seus rendimentos anuais de 47 milhões de euros para 40 milhões. O inglês tenderia a aceitar, desde que a diferença fosse compensada com participação dele nos lucros da equipe. Teria ficado emperrada nesse ponto a conversa.
Hamilton vale 47 milhões de euros por ano? A resposta para essa pergunta é a mesma que regula todo e qualquer mercado: o valor de qualquer coisa é aquele que o mercado se dispuser a pagar por ele. Se Hamilton chegou ao estágio de valer todo esse dinheiro, é porque tem sido reconhecido como um diferencial. A Mercedes paga por ele o que não paga por Bottas porque reconhece em Lewis um fora de série.
O excelente desempenho de George Russell no GP de Sakhir acendeu a dúvida: por que a Mercedes deveria gastar tanto com Hamilton se já tem um piloto pronto para substituí-lo? Dificilmente uma equipe com toda a complexidade da Mercedes faria uma troca tão ousada, não só pelo que Russell pode ou não fazer na pista, mas em função da diferença de apelo de imagem entre o heptacampeão e a jovem promessa. Hamilton, hoje, agrega publicidade à marca Mercedes não só por seus recordes e desempenhos notáveis nas corridas, mas pela personalidade influente que se tornou.
Dessa forma, parece lógico que Hamilton empregue força na queda de braço com os atuais patrões. E não parece lógico que a Mercedes esteja disposta a perder o maior símbolo de performance e engajamento social que a Fórmula 1 já teve em sua história.
E, antes que as cifras pareçam abusivas e se invoque a mentalidade pequeno-burguesa que compara salários de esportistas com os de professores, vale lembrar dois aspectos relevantes. O primeiro deles: esportistas recebem altos salários porque viabilizam um setor que movimenta rios de dinheiro.
O segundo: se você acha que 47 milhões de euros é muito, saiba que esse valor não coloca Hamilton entre os 10 maiores salários do mundo entre atletas. O campeão de 2020, segundo a Forbes, é o tenista Roger Federer, que faturou 106 milhões de dólares. Recheada de jogadores de futebol e de basquete, a lista da Forbes revela que a Fórmula 1, ao fim e ao cabo, atrai menos dinheiro do que esses outros esportes. A demanda de Hamilton, portanto, é apenas coerente com esse cenário.