Porque passei a vida pintando papel (mas parei)
“Os livros estão cada vez mais caros.” Dá pra repetir esta frase todo ano, ano após ano, pelo menos desde que a gente publicou nosso primeiro livro na Conrad, lá no ano 2000. Talvez desde quando aprendi a ler, 1970, Valderez me ensinando com uns cartões com sílabas e palavras, que ela mesmo desenhou com letra redondinha e caprichada.
Fui duplamente abençoado. Para João Carlos, qualquer grana para estimular o filho a ler era bom investimento. Que Atena e Hermes tenham retribuído à altura, mãe, pai.
Donde que cresci amando ler, livros e revistas e quadrinhos e jornal. Crescido, fui trabalhar em jornal e revistas, e depois ajudei a criar editoras em que publicamos de tudo.
Tem centenas de pedaços de papel pintado pelo Brasil afora com meu nome no expediente, por editoras que co-fundei entre 1993 e 2008: Acme, Conrad, Pixel, Futuro e Tambor. Talvez na sua casa.
Tem milhares de pessoas por aí que leram coisas que eu ajudei a botar no mundo. Talvez você. Maior alegria e orgulho pra mim é difícil imaginar.
Essa semana duas notícias sobre o mercado editorial me fizeram pensar na minha ex-vida de editor, devidamente morta e enterrada com uma estaca no coração. Outros melhores que eu que se dediquem, e se dedicam. Tocha passada, e toda sorte do mundo pra vocês.
Este ano os livros estão de fato mais caros. Taí o artigo sobre o brutal aumento dos custos pra imprimir livro, e consequente aumento dos preços dos livros.
Outra notícia foi a compra do controle pela Cia. das Letras da JBC, admirável editora de mangás. Começamos quase juntos, a Conrad com “Pokémon”, “Dragon Ball” e “Cavaleiros do Zodíaco”, a partir de 1999. Depois é que veio a Panini dando trança-pé em todo mundo.
Como muitas editoras independentes, a JBC teve as pernas quebradas pelas “aprontadas” da Abril e seu monopólio de distribuição em bancas. Esta é uma boa análise sobre o momento atual do mercado brasileiro de mangá pelo Lucas Nascimento, no site JBox.
O selo JBC felizmente sobreviverá dentro de uma gigante. Como a própria Companhia, que por sua vez é hoje parte do conglomerado Penguin, que é da Random House, que é do grupo Bertelsmann, que… tenho uma história comprida sobre isso. Leia aqui semana que vem.
Das editoras que co-fundei, duas sobrevivem, com outros donos. A Pixel, selo da Ediouro, foi completamente desfigurada, distante do projeto original. A Conrad, selo da Inep, vem publicando muita e muita coisa admirável, em formatos físico e digital.
Em termos de variedade de lançamentos, nunca foi tão diverso e rico nosso mercado de livros em geral, e de quadrinhos também. Se cada vez mais caro ler em papel, cada vez mais popular ler de graça em PDFs e scans piratas, à distância de uma busca na internet. Resta experimentar, como faz a… Conrad.
Uma estratégia especialmente inovadora que a Conrad está experimentando: lança o álbum antes em formato digital, serializado. Depois, lança o álbum físico, “encadernando" tudo. Divulga de uma maneira baratinha e ágil, dá alternativas, causa bochicho.
Fizeram com “Mouse Guard”, “Terra Australis”, o ótimo brazuca “Mayara & Anabelle”, agora por R$ 9,90 levas a primeira parte do aguardado “Made In Korea”.
É assim 2022, experimentar é tudo. Do futuro nada sei; do meu futuro, sei muito bem: ler.