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Transformar o Volkswagen Gol em SUV é mesmo uma boa ideia?

Opinião: Volkswagen estaria pensando em aproveitar o glorioso nome Gol para um novo SUV compacto. Mas o Gol não deveria morrer em paz?

16 nov 2021 - 09h45
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O recente anúncio de que uma nova família de carros da Volkswagen chegará a partir de 2023, fruto de um importante investimento de R$ 7 bilhões até 2026, trouxe uma novidade e muitas especulações. Por óbvio, a Volkswagen não vai abrir os seus planos para a concorrência - mas daí decorrem os exercícios de futurologia da mídia especializada e de experts do mercado automotivo sobre o destino do Gol.

Gol Track, uma das muitas versões e séries especiais do Volkswagen.
Gol Track, uma das muitas versões e séries especiais do Volkswagen.
Foto: VW / Divulgação

Já sabemos que o novo carro de entrada da Volkswagen será o Polo Track. Um carro diferente do Polo que já conhecemos, mais simples, para custar menos. Também sabemos que este carro afetará a vida do Gol, como disse o próprio Pablo Di Si, CEO da Volkswagen na América Latina (exceto México). Também sabemos que Herbert Diess, um dos chefões da Volks na Alemanha, já disse que o Gol é admirado até mesmo em Wolfsburg, mas que terá um substituto.

Bem, se terá um substituto, parece claro que ele sairá de cena, certo? Parece óbvio que o substituto será o Polo Track. O nome é um pouco decepcionante, convenhamos, mas acreditamos que seja porque houve uma decisão interna de não macular o nome Gol. Na visão da Volks, o nome Gol seria valioso demais para ser usado num Polo inferior. Ou, pior: desgastado demais (hoje 74% de seu mercado se concentra nas vendas diretas).

O Gol na linha de montagem em 1980: motor 1.3 a ar e apenas duas portas.
O Gol na linha de montagem em 1980: motor 1.3 a ar e apenas duas portas.
Foto: VW / Divulgação

Não é por menos. Afinal, estamos falando de um carro que dominou o mercado brasileiro durante 27 anos consecutivos. O Volkswagen Gol popularizou o carro hatchback no Brasil e fez os fãs da marca esquecerem o Fusca. Bem, esquecer não, pois o Fusca é inesquecível. Mas, com a proposta do Gol, o Fusca (Volkswagen Sedan) pode ter uma “boa” morte - ainda que tenha havido uma ressurreição oportunista anos depois.

De qualquer forma, o Volkswagen Gol foi o carro que transformou o mercado brasileiro. Foi o Gol que ensinou o brasileiro que o motor refrigerado a água podia ser uma boa ideia. Foi o Gol que mostrou que um carro de tração dianteira podia ser bom de dirigir. Foi o Gol que mostrou que um carro popular podia ser robusto. Foi o Gol que mostrou que um hatch compacto podia ser colecionável, admirado, desejado. Foi o Gol que mostrou que um pequeno veículo criado para o Brasil podia ser um belo esportivo - muitos sentem saudade do Gol GTi 2000, o original.

Foi o Gol que segurou as pontas da Volkswagen durante anos. Foi o Gol que tornou a Volkswagen forte na Argentina. Foi o Gol que abriu as portas para que outros hatches surgissem, como o Fiat Palio, o Ford Ka, o Chevrolet Onix, o Nissan March, o Peugeot 206, o Fiat Argo, o Hyundai HB20 e tantos outros.

Gol GT, de 1984, usava motor 1.8 de 99 cv, quase o dobro da potência do carro pioneiro.
Gol GT, de 1984, usava motor 1.8 de 99 cv, quase o dobro da potência do carro pioneiro.
Foto: VW / Divulgação

O Volkswagen Gol é um patrimônio da cultura automobilística nacional, o carro que todos os outros queriam ser (até recentemente), o carro que era mais do que uma poupança - era uma poupança que circulava por todos os cantos do país e entregava muito mais benefícios do que custava.

Mas a Volkswagen sabe que a indústria automobilística não vive sem inovações. Por isso, muitas vezes, o pequeno Gol teve de ceder a vez para outros carros que estavam chegando ou precisavam de mais atenção. Assim, o Gol conviveu bem com o Fox. Porém, já não teve a mesma relação pacífica quando veio o Up, com seu jeitinho de alemão descolado. Por causa do Up, o Gol G4 teve que ir para o sacrifício. 

É bem verdade que a crítica especializada já não dava muita atenção para o Gol G4, pois havia na praça o Gol G5, mais bonito e mais moderno, a desfilar nas passarelas. Mas era o Gol G4 que realmente tinha o maior volume de vendas. O Up teve um papel na modernização dos carros da Volkswagen no Brasil, porém nunca fez o sucesso do Gol. E depois o Gol também teve que abrir espaço para o Polo. Ora, o Polo é para os alemães o que o Gol é para os brasileiros - então não dava para simplesmente matar o Gol e lançar o Polo. É difícil equalizar isso, especialmente num mercado que se tornou totalmente globalizado.

No anúncio do investimento de R$ 7 bilhões, Pablo Di Si afirmou que a Volkswagen “não vai mais fazer jabuticabas exclusivas para o mercado brasileiro, só se for jabuticaba para exportação”. Sinal de que a Volkswagen do Brasil se tornou um braço importante desta globalização, inclusive oferecendo ao mundo um dos carros mais bonitos da marca, o Nivus.

O Gol atual está no mercado desde 2008. Já teve duas atualizações, a última delas em 2016. É um bom carro, entretanto não tem mais o apelo de antes e tampouco um processo de produção moderno, como exigem os tempos atuais. Por isso, muitos falam que a nova geração do Gol será um SUV - ou algo assim.

O Gol GTI estreou a injeção eletrônica e tinha um motor 2.0 de 120 cv.
O Gol GTI estreou a injeção eletrônica e tinha um motor 2.0 de 120 cv.
Foto: VW / Reprodução

Vivemos em tempos líquidos, com frequentes transformações. As coisas não têm tempo de se tornarem sólidas e já estão se modificando novamente. Por isso, esta é a era da incerteza. Tudo pode acontecer. Até mesmo a transformação do Ford Maverick numa picape e do Mitsubishi Eclipse num SUV (Eclipse Cross). Portanto, por que não transformar o Gol num SUV, se SUV é o que o público quer?

A transformação do Gol num SUV não é unanimidade, como parece. Primeiro, vale dizer que a Volkswagen nunca disse que o Gol vai se tornar um SUV. Ou sequer que continuará sendo produzido. Portanto, muitos defendem o correto seria deixar o Gol morrer em paz, como o Fusca, como a Kombi. Procurar outro nome. Afinal, Gol é a palavra mais popular do nosso país. Para usá-la de forma diferente do que um dia foi popular, é preciso muito cuidado. Será que o nome Gol, aplicado num SUV mais caro do que o veículo de entrada da marca, será uma boa estratégia? Gol é povão. E o povão, como sabemos, está cada vez mais afastado dos carros zero km. Para além disso, até o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, já disse que "o carro popular acabou".

O nome Gol foi muito popular no passado. Mas hoje, para as novas gerações, ele ainda passa a ideia de inovação que a Volkswagen procura? Quando ganhou sua última geração, em 2008, o Gol já não era visto como exemplo de modernidade. Pelo contrário. Foi o últimos dos hatches de entrada a ganhar, por exemplo, motor transversal. Já na primeira década do século XXI teve que perder um pouco de qualidade para não concorrer diretamente com o Polo. Mesmo quando ainda era imbatível em preço, o Volkswagen Gol era celebrado por seus atributos de robustez, mecânica confiável e valor de revenda  - não por ser um carro inovador.

O novo paradigma da Volkswagen é liderar a tecnologia do mundo conectado e eletrificado. O que seria melhor para a marca? Reinventar o Gol, mostrando ao público uma espécie de Kwid da Volks, porém um pouco maior e com mais tecnologias, e vender a ideia de que o que era velho agora é o novo? Ou anunciar uma aposentadoria gloriosa, como a primeira do Fusca? Como disse a própria Volkswagen, muitas vezes uma empresa deve ser celebrada por parar a produção de um produto que se tornou obsoleto.

Volkswagen Gol 1.6 Automatic.
Volkswagen Gol 1.6 Automatic.
Foto: Divulgação

Nada é eterno. O Fusca não foi. O Ford Model T não foi. Talvez seja hora mesmo de retirar o nome Gol de cena, deixar que o carro morra em paz, talvez com uma série "Last Edition" remetendo ao famoso Gol GTI, para colecionadores, e apostar num novo nome, mais moderno e com poder de cativar as jovens gerações de consumidores. É possível que a tarefa do departamento de marketing seja mais fácil assim. Agora resta esperar para saber o que a Volkswagen decidiu.

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