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Peugeot erra estratégia ao sonegar motor turbo para novo 208

Análise: Peugeot deixa o moderno motor 1.2 turbo longe do público brasileiro e mostra que não aprendeu com as crises de imagem da marca

11 set 2020 - 12h32
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Novo Peugeot 208: estratégia confusa ao apostar em alta tecnologia e num motor menos eficiente.
Novo Peugeot 208: estratégia confusa ao apostar em alta tecnologia e num motor menos eficiente.
Foto: PSA / Divulgação

Sabe aquela pessoa que erra uma vez e pede outra chance? Então ganha a chance e erra de novo? Depois pede mais uma e erra pela terceira vez? Parece a Peugeot do Brasil. Mais uma vez, em pleno processo de recuperação da imagem da marca, a Peugeot comete um erro. A escolha do motor 1.6 aspirado para o mercado brasileiro foi um erro de estratégia que poderá prejudicar o desempenho do novo 208 nas vendas. Uma pena, pois tudo que já vimos sobre o novo Peugeot 208 faz crer que ele perdeu a chance de ser o líder incontestável em qualidade no seu segmento.

A Peugeot do Brasil tinha dois motores na prateleira para escolher. De um lado, o velho motor EC5 aspirado de 118 cavalos. Do outro, o moderno motor Puretech 1.2 turbo de 130 cv, muito mais eficiente. Uni-duni-tê… e a Peugeot escolheu o pior. Mas só para o Brasil, porque na Argentina, até onde sabemos, haverá a opção do motor turbinado. É mais ou menos como comprar um novo terno Ermenegildo Zegna, colocar uma gravata Salvatore Ferragamo e ir para a festa com um velho e surrado sapato Vulcabrás 752. Não combina. Foi o que a Peugeot do Brasil fez -- talvez pior, pois errou no coração do carro.

Peugeot 208 com motor 1.6 aspirado: um ótimo carro, mas o melhor motor não veio.
Peugeot 208 com motor 1.6 aspirado: um ótimo carro, mas o melhor motor não veio.
Foto: PSA / Divulgação

Se fosse para transformar o Peugeot 208 num carro mais acessível, para brigar por volume, faria sentido. Mas não. O novo 208 é caro, começa em R$ 74.990 e vai até R$ 94.990. Portanto, ele se posiciona num patamar mais elevado do que três carros de referência: Hyundai HB20 Vision 1.6 AT aspirado (R$ 64.590), Volkswagen Polo Comfortline 1.6 AT aspirado (R$ 69.100) e Chevrolet Onix Turbo 1.0 AT (R$ 65.090). O novo 208 tem câmbio automático de seis marchas como todos eles e entrega 118 cv com etanol. São 2 cv a mais do que o Onix turbo e 1 cavalinho a mais do que o Polo 1.6, mas o Polo 1.0 TSI tem 128 cv de potência e custa R$ 77.790. E o HB20 1.6 aspirado oferece 130 cv.

A Peugeot, claro, pode argumentar que tem o design mais bonito, que oferece itens de conectividade diferenciados etc. Mas não vai convencer. A verdade verdadeira é que o novo Peugeot 208 toma um banho de desempenho desses três carros: para ir de 0-100 km/h, leva 12 segundos, contra 10,5 do HB20 e do Polo e 10,6 do Onix. Pior que isso: mesmo sendo mais lento, o novo 208 é mais gastão do que os três em todas as medições de consumo, pois faz 11,0 e 13,2 km/l com gasolina (cidade e estrada) e 7,7 e 9,3 km/l com etanol. 

Peugeot 208 com motor a combustão terá turbocompressor somente na Argentina.
Peugeot 208 com motor a combustão terá turbocompressor somente na Argentina.
Foto: PSA / Divulgação

Motor é tudo no carro? Não. Mas para a Peugeot do Brasil deveria ser. Com um histórico de reclamações que vem sendo revertido nos últimos anos, a Peugeot não pode se dar ao luxo de errar no mercado brasileiro. Ela precisa oferecer carros que sejam absolutamente incontestáveis em termos de construção, dinâmica e mecânica. O mais incrível é que o novo Peugeot 208 -- eleito Carro do Ano na Europa -- tem tudo isso. Mas, como dissemos, a Peugeot preferiu ir de sapato velho na festa em que apareceu com um terno impecável. Por que ela fez isso? Por economia de custos, óbvio, para impedir que o 208 ficasse caro demais, porém acreditamos que tem algo mais aí.

Se fosse equipado com o motor 1.2 turbo, que é fabricado na Europa e na China, o novo Peugeot 208 custaria mais ainda. E daí? Para o público que a Peugeot parece buscar, pelo menos nas versões topo de linha, o preço é relativo. Muitas pessoas estão comprando automóveis caros por uma combinação de design, conectividade, segurança e mecânica. Porém, o 208 Griffe 1.6 de R$ 94.990 não vai entregar um motor compatível com o i-Cockpit 3D e seus vários sistemas eletrônicos de segurança e auxílio à condução.

Peugeot e-GT: carro totalmente elétrico tem alta eficiência e entrega o que há de melhor.
Peugeot e-GT: carro totalmente elétrico tem alta eficiência e entrega o que há de melhor.
Foto: PSA / Divulgação

É possível que a Peugeot tenha preferido sacrificar o 208 com motor térmico para não deixar seu desempenho muito próximo ao do 208 e-GT, totalmente elétrico. Afinal, este terá um motor elétrico de 136 cv com aceleração de 0-100 km/h em 8,1 segundos. A velocidade máxima, por outro lado, será limitada em 150 km/h para não comprometer demais o alcance do carro. A marca não divulgou quanto custará o 208 elétrico, mas dificilmente será menos de R$ 200 mil. Ora, então para realçar as qualidades do carro elétrico é preciso esconder as qualidades do carro com motor a combustão?

Parece que foi isso que a Peugeot do Brasil fez ao escolher o motor 1.6 aspirado e não o motor 1.2 turbo. Mais ou menos como se dissesse: -- Vocês estão olhando para mim de sapato velho agora, mas na festa do ano que vem eu estarei calçando um sapato Louis Vuitton que vai brilhar mais do que os lustres do teto.

É. Pode ser. Mas isso mostra um certo desprezo dos departamentos de vendas e marketing à inteligência do consumidor brasileiro. Qual é o problema de dizer: -- Temos aqui dois carros maravilhosos, com desempenho próximos, porém um utiliza a melhor tecnologia de motores a combustão e outro oferece oferece uma experiência completamente nova, um motor elétrico que vai colocá-lo no uso sustentável do automóvel, com zero emissão de poluentes.

208 e-GT tem pegada esportiva, mas o preço ainda não foi divulgado.
208 e-GT tem pegada esportiva, mas o preço ainda não foi divulgado.
Foto: PSA / Divulgação

Acredito que o consumidor interessado num Peugeot 208 entenderia perfeitamente essa diferenciação. Mas, agora Inês é morta, como se diz popularmente. Com o motor escolhido, o novo Peugeot 208 tentará se impor pelo estilo na versão de entrada (R$ 74.990 ou R$ 82.490 com câmera de ré, teto solar e ar digital), pelo i-Cockpit na versão intermediária (R$ 89.490) e pelos sistemas eletrônicos de auxílio à condução na topo de linha (R$ 94.990). A Peugeot poderá realçar esses atributos e argumentar que o motor 1.6 aspirado é suficiente para o uso do consumidor brasileiro. Mas não poderá encher a boca e dizer que tem o melhor hatch compacto do Brasil. Para dizer isso, terá que atravessar a fronteira e dizer em espanhol: -- Tenemos el mejor hatchback de Argentina!

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