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Como a Lada foi destruída pelas montadoras nos anos 90

Ex-gerente da Lada diz que, após um início brilhante, a fabricante de veículos russa não resistiu ao cerco da indústria nacional

24 mar 2021 - 07h00
(atualizado às 18h57)
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Anúncio do Lada Laika dizia uma verdade: o design vinha de graça.
Anúncio do Lada Laika dizia uma verdade: o design vinha de graça.
Foto: Lada / Divulgação

Quando o governo Collor abriu o mercado nacional para a importação de veículos, a primeira marca a fazer sucesso no Brasil não foi nenhuma empresa famosa da Europa, da Ásia ou dos Estados Unidos. Foi a russa Lada. O sucesso comercial da marca russa, entretanto, durou pouco. E a principal razão, segundo o ex-gerente de comunicação e marketing, Paulo Braga, foi o cerco da indústria estabelecida no Brasil.

Paulo Braga, fundador do site especializado Automotive Business (que também tem uma revista dirigida ao setor), escreveu a epopeia da Lada em seu perfil no Linkedin. Segundo Braga, a iniciativa de importar carros da Lada foi do empresário panamenho Martin Rodin, diretor da Motores Internacionales. O objetivo era vender 50 mil carros da Lada por ano. 

“A Lada do Brasil foi criada em julho de 1990 e pisou fundo no acelerador, iniciando a montagem da rede de distribuição”, escreveu Paulo Braga. “Em 22 de outubro desembarcou no porto de Santos um carregamento de 3.028 veículos, que subiu a serra de Santos em direção a Barueri (SP), fazendo um desvio na rota para manobrar diante do Anhembi, onde se realizava o Salão do Automóvel.”

Anúncio do Niva nos anos 1990: brincadeira entre comunismo e capitalismo.
Anúncio do Niva nos anos 1990: brincadeira entre comunismo e capitalismo.
Foto: Lada / Divulgação

Os carros fizeram um desfile diante do Pavilhão do Anhembi, numa ousada estratégia de marketing. As peças publicitárias também eram arrojadas. “A campanha prometia levar o jovem brasileiro pelo mau caminho com o Niva 4x4 de tração integral”, recorda Braga. “Depois vieram o Samara, apresentado pela modelo Elena Utkina, e o Laika, com o slogan ‘o design é de graça’. Os comerciais na televisão traziam imagens fortes na época, como a foice, o martelo e a figura do então presidente Mikhail Gorbatchov.”

O mundo experimentava os primeiros momentos do fim da Guerra Fria entre os EUA e a URSS. O Muro de Berlim caiu em 1989. Mas a União Soviética ainda resistiu até 1991. Por isso, conforme lembra o artigo de Paulo Braga no Linkedin, as peças publicitárias exploravam os ícones do regime comunista. Um dos anúncios dizia que os consumidores deveriam aproveitar o fato de que os russos faziam carros para durar 20 anos, ou seja, o oposto do que ocorre no capitalismo, que explora o conceito de obsolescência programada para fazer girar a economia.

A Lada trouxe inicialmente o utilitário Niva, um robusto 4x4 que imediatamente conquistou a simpatia dos “jipeiros”. Vieram também o sedã Laika, a perua Laika Station e o sedã Samara, que era considerado o mais moderno da família.  

“Quando a indústria automobilística brasileira acordou, a Lada tinha uma operação exemplar em Barueri, que revisava completamente os carros, e mais de 500 funcionários”, observa Paulo Braga. “Em maio de 1991 veio a sede própria, com a enorme logomarca russa estampada diante da Avenida Sumaré, em São Paulo. A rede chegaria, meses depois, a 126 revendas.”

Segundo o ex-gerente de marketing da Lada, havia uma boa assistência técnica, com bom estoque de peças. Mas a Lada não sabia que as montadoras estabelecidas no Brasil atacariam com tanta força. “Quando o cerco da indústria nacional se fechou em torno da Lada do Brasil, a situação dos revendedores se deteriorou rapidamente. Pouco mais de uma dezena de concessionárias restaram no final até o encerramento da operação”, diz Paulo Braga.

Lada Niva ficou 40 anos praticamente sem mudanças e terá nova geração em  2024.
Lada Niva ficou 40 anos praticamente sem mudanças e terá nova geração em 2024.
Foto: Lada / Divulgação

“O contra-ataque foi rápido e feroz, com restrições de toda sorte”, escreve Braga, revelando as armas utilizadas contra a marca russa: “O empresariado local, que antes reclamava do fechamento da economia e da interferência do governo, mostrou sua outra face. Impediu a isenção do IPI na venda do Laika para táxi, criou dificuldade na área de consórcio e um sem-número de problemas burocráticos para os importadores”.

O editor do Automotive Business observa que, passados apenas cinco anos da estreia da Lada, as próprias montadoras dominavam as importações de veículos no Brasil. Em 1995, já havia quase 370 mil veículos importados no país. Isso acabou afetando a balança comercial e a alíquota de importação chegou a atingir 70%. Nos bastidores, havia uma verdadeira guerra entre a Anfavea (montadoras) e a Abeiva, hoje Abeifa (importadoras).

A Lada não resistiu ao cerco da indústria automobilística, mas deixou um legado. “Depois de estabelecer a cabeça-de-ponte para as importações, a Lada abriu caminho para inúmeras outras marcas. Muitas tornaram-se fabricantes locais”, comenta Braga. “Hoje alguns veículos da marca sobrevivem na periferia de nossas cidades, deixando lembranças do tempo em que o Laika fazia surgir uma classe de carros populares -- hoje não tão populares.” 

Atualmente a Lada é uma das marcas da Aliança Renault Nissan. A marca pertence à AutoVaz e sua fábrica fica em Togliatti, na Rússia. Desde 2016, o controle total da empresa pertence à Renault, o que seria impensável no período soviético. Dentro do Grupo Renault, a Lada é considerada uma marca irmã da romena Dacia, que fabrica os modelos Sandero, Logan e Duster.

Projeto do Lada Niva para 2024: de russo só vai ter o nome.
Projeto do Lada Niva para 2024: de russo só vai ter o nome.
Foto: Lada / Divulgação

O Lada Niva atravessou 40 anos com poucas mudanças em sua carroceria. Porém, mudou de nome para Lada 4x4, deixando o Niva para um modelo da Chevrolet. Este acordo acabou. Por isso, recentemente, a Lada anunciou que o Niva ganhará uma nova geração, a partir de 2024. A ideia é expandir a marca para outros mercados. O novo Lada Niva deverá ter um design retrô. Porém, de russo ele não terá praticamente nada. Vencida pelo capitalismo, o Niva 2024 será produzido na mesma plataforma que vai abrigar novos modelos das marcas Dacia, Renault e Nissan.

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