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Como o streaming está matando a música. (E isto não é opinião, mas matemática)

Somente 0,0002% dos artistas alcançam rendimento de executivo de plataforma

5 jun 2023 - 15h05
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Foto: Divulgação

(Um parêntese prévio: Em um texto como este é necessária a utilização de números, de dados. Bem sabemos que números são bem mais chatos - e menos recordáveis - do que histórias. Vou me esforçar para deixar palatáveis o máximo de dados, tá?)

A plataforma de streaming A (não vou nomear, pois não é justo colocar A ou B como vilões, mas sim o modelo de negócio) anunciou que 120 mil músicas são carregadas diariamente em seus servidores. Parece uma boa notícia, certo? Afinal trata-se de um manancial artístico sem precedentes na história - em termos de comparação, é estimado que no auge da produção fonográfica, entre os anos 1960 e 90, eram lançadas em disco uma média de 3.500 músicas por dia. Hoje lança-se digitalmente 35 vezes mais do que no auge da produção (física) de canções.

Estamos como humanidade 35 vezes mais criativos? Obviamente, não.

E mais: um ser humano precisaria dos 365 dias de um ano menos 8 horas de sono diárias para escutar as músicas que são lançadas a cada dia nas plataformas de streaming.

O caldo engrossa ao analisarmos mais friamente esses superlativos números de produção.

A esmagadora maioria dos artistas presentes na plataforma - 90% - não alcança sequer 400 ouvintes por mês. Dado que plataformas ficam com cerca de 30% da receita obtida com as audições + receita de assinaturas, os 70% restantes vão para a conta do artista, que tem que arcar com outra divisão, entre editora, compositores, músicos, produtores…

E a conta tem que seguir nesse modelo de padaria, pois não é aberta, mas estimada a partir das receitas compartilhadas com os artistas responsáveis pelas músicas.

Cada stream gera estimados U$ 0,003 a U$ 0,005 para o criador. Regra de três: a cada milhão de audições de uma música é gerada uma receita média de U$ 4370.

Vamos além (e sem querer satanizar a indústria do streaming via seus cabeças): para se atingir o salário anual de executivo da plataforma de streaming A (dado que pesquei no Hollywood Reporter), o artista tem que ter sua música ouvida 2 bilhões (com B de bola, como diz o Ciro Gomes) de vezes.

Lá fui eu pesquisar o que isso significa na prática. 

Ed Sheeran, 24kGoldn, Rihanna, Post Malone, The weeknd, XXXTentacion, Ariana Grande, Drake, Shawn Mendes, Coldplay, Billie Eilish, Tones and I, Lewis Capaldi, The Chainsmokers, Imagine Dragons, James Arthur, The Kid Laroi, Dua Lipa, Glass Animals, Juice World, Harry Styles e Queen são os 22 artistas que possuem músicas que alcançaram os 2 bilhões de audições.

Mais um exercício estatístico? Bora.

Dado que a mesma plataforma A possui estimados 9 milhões de artistas registrados, os 22 que “alcançam” o salário anual de executivo da operação com sua produção representam 0,0002% do total. Reforço e negrito para dar ênfase: 0,0002%.

Você pode argumentar (com razão) que a conta é burra e tal. Mas a façamos de outra forma. O artista mais escutado na mesma plataforma em 2022 foi Bad Bunny, que teve 4 bilhões de streams de suas músicas. Noves fora, o cara lucrou no máximo duas vezes o que um alto executivo da plataforma recebeu em 2022.

Comecei propondo o argumento simples de que o streaming acabará com a música. Poderia avançar no modelo de negócio de “recomendação” das plataformas para que tal artista seja escutado, mas a engenharia vai se tornando tão mais intrincada com o criador que é melhor atentar à parte mais visível do negócio, o “escutou-pagou-recebeu”. Se isso não mudar, estamos diante (e seriamente) do iminente fim da produção musical. 

Cucamonga
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