O alemão que foi o "homem mais rico que já existiu"
Arquiteto de uma rede de comércio global no Renascimento, Jakob Fugger acumulou fortuna que até hoje ultrapassa os bilhões de Elon Musk. Mas seu legado mais duradouro foi um complexo de habitação social que ainda opera.Seu nome pode não ser tão conhecido atualmente, mas sua fortuna acumulada em vida era de fazer inveja a superbilionários como Elon Musk, Bill Gates e Warren Buffett. E tudo isso foi construído cinco séculos atrás.
Jakob Fugger (1459-1525) foi o primeiro superbanqueiro da história. Apelidado de "O Rico", ele acumulou um valor estimado que equivaleria hoje a 400 bilhões de dólares.
Mas a importância de Fugger, no entanto, vai muito além da fortuna que acumulou.
Nascido em Augsburg, no sul do atual território da Alemanha, o comerciante e banqueiro estabeleceu as bases econômicas para a era moderna. "Pode-se dizer que Fugger foi o primeiro a praticar o comércio em escala global", conta, à DW, Greg Steinmetz, autor de uma biografia de Fugger: The Richest Man Who Ever Lived (o homem mais rico que já existiu, em tradução livre), publicada em 2015.
Segundo Steinmetz, antes de Carlos 5º (1500-1558) - que foi simultaneamente imperador do Sacro Império Romano-Germânico e rei da Espanha - ter a América do Sul sob seu controle, não havia muito comércio com outras partes do mundo.
"A Europa fazia negócios com a Índia, havia comércio com a atual Indonésia e com a China. Mas viajar para o Oeste só foi possível após Colombo. Se falarmos de comércio internacional, sim, havia bastante. Mas comércio global? Não, porque apenas metade do mundo havia sido alcançado pelos europeus. E Fugger esteve no início desse fenômeno", afirma o ex-correspondente do The Wall Street Journal na Alemanha.
Formação na Itália
Jakob Fugger nasceu em uma família abastada de Augsburg, cujas bases foram estabelecidas por seu avô Hans Fugger, mestre tecelão. Em Veneza, ele recebeu uma formação comercial que moldou sua afinidade com o período da Renascença e o familiarizou com uma inovação que acelerou a sua ascensão: a contabilidade por partidas dobradas, ou método veneziano, um sistema padronizado de escrituração até hoje usado em empresas e outras organizações para registrar transações financeiras.
"Naquela época, ainda não existiam faculdades de economia ou administração. As famílias mandavam seus filhos para aprender um ofício, e os alemães faziam muito comércio em Veneza. Fugger foi enviado pela família a Veneza para trabalhar e aprender tudo o que pudesse por lá. Ele levou todos esses segredos venezianos, incluindo a contabilidade por partidas dobradas, de volta para a Alemanha. E foi o primeiro na Alemanha a aplicar esses métodos", explica Greg Steinmetz.
Assim, Fugger sabia sempre quanto dinheiro tinha, ao contrário de muitos concorrentes, que agiam sem registros precisos. Além disso, o alemão compreendia o valor da informação. "Ele tinha agentes em todas as grandes cidades europeias e até mesmo em todas as cidades menores da Alemanha. E essas pessoas lhe forneciam informações por correio, cavalo e qualquer outro meio. Hoje em dia, a informação é tudo, e naquela época também era", diz Steinmetz. Num certo sentido, Fugger também foi um pioneiro das newsletters financeiras.
"Quem sabia com antecedência o que estava acontecendo e utilizava isso nos negócios tinha uma vantagem. E Fugger compreendeu isso."
Credor de imperadores
Após a morte de seus irmãos, Jakob Fugger assumiu sozinho, em 1510, a direção da empresa familiar e deu continuidade à política de conceder empréstimos à dinastia dos Habsburgos sob os imperadores Maximiliano 1º e Carlos 5º.
Como garantia, ele obteve acesso a minas de prata e cobre, principalmente no Tirol e no território que hoje pertence à Hungria. Fugger não era proprietário das minas, mas possuía direitos de exploração, participações e preferência sobre os minérios. Essa garantia se revelaria altamente valiosa.
A Europa tinha, naquela época, pouco do que era cobiçado na Ásia. "A Europa não exportava tecnologia como hoje. Não exportava artigos de luxo. Não exportava automóveis. Mas tinha metais como prata, ouro e cobre. E foi aí que Jakob Fugger entrou em cena", explica o biógrafo de Fugger.
Cobre para o mundo
Segundo Martin Kluger, autor de vários livros sobre a história dos Fugger, a Índia, naquela época, era tecnologicamente e economicamente muito superior à Europa - o que impulsionou os negócios do alemão. "Por causa disso, o cobre era escasso e, portanto, extremamente requisitado. Para o conglomerado minerador dos Fugger, acabou sendo uma coincidência extremamente feliz", explica Kluger, diretor da Context Verlag, com sede em Augsburg e Nurembergue.
"Outra coincidência foi que Vasco da Gama encontrou a rota marítima para a Índia em 1498, pouco depois de os Fugger terem ingressado na extração de minério de cobre em Neusohl (hoje Banská Bystrica, na Eslováquia) em 1495. Isso aconteceu numa época em que o cobre era mais procurado do que nunca. Ou seja, os Fugger possuíam estoques que, de repente, se tornaram muito mais valiosos", afirma Kluger.
A demanda por cobre também tinha aumentado na Europa, por exemplo, para a construção de navios, canhões, utensílios de cozinha e telhados de palácios urbanos e edifícios religiosos. Para Kluger, os Fugger foram quase "forçados" a entrar no negócio da mineração: os Habsburgo e o rei da Hungria mal conseguiam pagar suas dívidas de outra forma, então concederam direitos de extração. "A alta nobreza não era particularmente habilidosa nos negócios, o que acabou beneficiando os Fugger", afirma Kluger.
O fato de Fugger não ter sido deixado de lado por seus poderosos devedores ou que eles não tenham simplesmente se recusado a pagar suas dívidas se deve, segundo Greg Steinmetz, ao "grande talento" do alemão. "Ele sabia que precisava se tornar indispensável para sobreviver. Ele tinha que ser a única pessoa a quem imperadores e príncipes pudessem recorrer para conseguir dinheiro rapidamente. O imperador Maximiliano estava constantemente em guerra e precisava pagar mercenários que, do contrário, teriam voltado para suas aldeias e não lutariam por ele", diz Steinmetz.
"E o único que podia providenciar dinheiro rápido para Maximiliano, quando ele precisava, era Fugger", complementa o biógrafo.
Legado de Fugger
Como banqueiro, Fugger revolucionou o sistema de crédito ao convencer o papa a flexibilizar a proibição eclesiástica de cobrar juros. A cobrança de juros por cristãos deixou de ser automaticamente punida. E o motivo era simples. "As fontes da época, inclusive do Vaticano, mostram que não era segredo para ninguém que o Papa também gostava de obter rendimentos elevados - proibição de juros à parte", afirmou o historiador econômico Lars Börner à rádio Deutschlandfunk.
Em contrapartida, Fugger passou a participar das receitas do clero, inclusive do controverso comércio de indulgências, que financiou a construção da Basílica de São Pedro em Roma e acabou provocando a reação de Martinho Lutero.
"Podemos discutir como ele modernizou as finanças, como permitiu às pessoas tomarem dinheiro emprestado com juros, como ajudou os Habsburgo a conquistar metade do mundo, como desencadeou involuntariamente a Reforma ao irritar Lutero. Mas o que realmente permanece é seu projeto habitacional em Augsburg: chamado Fuggerei. Sem ele, ninguém além dos historiadores falaria de Fugger, pois foi o primeiro projeto de habitação social do mundo", destaca Steinmetz.
A Fuggerei existe até hoje. Os moradores pagam nominalmente o mesmo aluguel de 500 anos atrás. Valor que hoje é inferior a 1 euro por ano. As casas também são consideradas modelo de habitação social e a única condição imposta é que os habitantes rezem três vezes ao dia. Pessoas do mundo inteiro visitam o conjunto, que é o símbolo mais visível do legado de Fugger.
Historiadores estimam que a fortuna de Fugger estaria entre 300 e 400 bilhões de dólares (1,6 trilhão de reais a 2,1 trilhão de reais). Dependendo do cálculo, isso representava entre 2% e 10% da economia europeia da época, ou seja, mais do que bilionários atuais como Elon Musk ou Jeff Bezos em relação à economia dos EUA.
Além disso, as fortunas dos super-ricos de hoje oscilam bastante conforme as ações das empresas deles nas bolsas de valores. Assim como Jakob Fugger, Bill Gates, que já foi o homem mais rico do mundo, administra seu legado por meio de uma fundação. Mesmo assim, o historiador Boris Gehlen, da Universidade de Stuttgart, acredita que os bilionários atuais provavelmente terão menos relevância histórica. "O legado deles não será tão grande quanto o de Fugger", finaliza.