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Mundo

Profissionais do sexo enfrentam violência, HIV e gravidez indesejada no Malauí

País tem uma das mais altas taxas de infecção por HIV no mundo e prostitutas relatam medo de clientes e companheiros que agem brutalmente.

16 set 2019 - 14h24
(atualizado em 17/9/2019 às 08h00)
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A fotojornalista Isabel Corthier conheceu profissionais do sexo envolvidas em um projeto para ajudá-las a ter acesso a serviços de saúde no sul do Malauí.

Duas mulheres
Duas mulheres
Foto: Isabel Corthier / BBC News Brasil

O Malauí, país no sudeste da África que fica entre Moçambique, Zâmbia e Tanzânia, tem uma das maiores taxas de incidência de HIV no mundo.

Ali, profissionais do sexo têm mais probabilidade de contrair o vírus. Taxas de outras infecções sexualmente transmissíveis e de gravidez indesejada também são altas.

Desde 2014, a organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) tem trabalhado com o Ministério da Saúde do Malauí e parceiros para ampliar os serviços de saúde voltados a profissionais do sexo, incluindo oferta de preservativos e acesso à PEP (Profilaxia Pós-Exposição de Risco), medicação que reduze o risco de transmissão de HIV depois de situações de possível contágio.

Corthier, a fotojornalista que acompanhou o projeto, tirou retratos de algumas dessas mulheres, resguardando sua identidade. Kate Ribet, da MSF, falou com elas e com outros trabalhadores da organização humanitária sobre suas histórias.

Os nomes das profissionais do sexo foram modificados para proteger sua identidade.

Bernadette, profissional do sexo, Dedza (cidade na região central do país)

Retrato de Bernadette
Retrato de Bernadette
Foto: Isabel Corthier / BBC News Brasil

Bernadette nasceu em uma família de 11. Ela perdeu os pais quando tinha sete anos e foi criada inicialmente pela irmã, e depois pelos avós.

Com pouco suporte financeiro da família, ela passou fome na escola e começou a fazer sexo em troca de comida, canetas e livros. Logo engravidou e abandonou a escola aos 18.

Hoje, ela é mãe de seis crianças. Seu último parceiro era abusivo e a abandonou, então ela voltou a vender sexo em 2018, acreditando que essa era a melhor opção para sobreviver.

Retrato de Bernadette
Retrato de Bernadette
Foto: Isabel Corthier / BBC News Brasil

"Eu ouvi sobre os serviços da Médicos Sem Fronteiras em novembro de 2018, quando sua equipe foi a um bar compartilhar dados sobre testes para infecções sexualmente transmissíveis e HIV", ela diz.

"Foi a primeira vez que me deram informações sobre coisas como testes de HIV, saúde sexual. Antes disso eu não sabia de nada. Me senti liberta, feliz, porque estava ouvindo falar de coisas sobre as quais não tinha ideia."

"Com esses serviços, me sinto mais empoderada que antes e posso negociar proteção com meus clientes. Sei colocar uma camisinha direito e agora temos lubrificante para prevenir acidentes."

Maria, profissional do sexo, Dedza

Retrato de Maria
Retrato de Maria
Foto: Isabel Corthier / BBC News Brasil

Maria, 36, foi casada por 11 anos, vendendo produtos da fazenda com seu marido. Depois de sofrer anos de abuso, ela foi abandonada pelo parceiro.

Com dificuldades para manter sua família - ela e uma filha -, então se voltou para o trabalho com o sexo.

"Às vezes os clientes ficam violentos ou não pagam", ela diz. "Dois anos atrás, eu tinha um cliente. Tivemos uma relação sexual, mas ele não pagou. Durante o sexo, ele deliberadamente rompeu a camisinha. As coisas ficaram violentas e ele arrancou meu dente da frente com um soco. E depois não queria pagar."

Retrato de Maria
Retrato de Maria
Foto: Isabel Corthier / BBC News Brasil

"Antes da Médicos Sem Fronteiras vir para cá, estávamos sendo chamadas de putas e prostitutas. Se fôssemos para a polícia, nos mandavam embora. Agora não temos problemas para conseguir medicamento no hospital."

Adeline, profissional de saúde da Médicos Sem Fronteiras, Bangula (sul do país)

Um grupo de mulheres recebe educação de contraceptivos
Um grupo de mulheres recebe educação de contraceptivos
Foto: Isabel Corthier / BBC News Brasil

Adeline começou a trabalhar como profissional da saúde da comunidade em fevereiro de 2015.

"Como uma trabalhadora de saúde da comunidade, aprendi a cuidar de mim mesma e viver uma vida saudável", ela diz.

"Ter conhecimento significa que você pode ir ao hospital para receber atendimento médico e você pode fazer seu trabalho (como profissional do sexo) e ajudar sua família e a comunidade."

Adeline é uma profissional do sexo desde 2005. Antes, ela era casada, mãe de dois filhos, mas depois do divórcio não conseguia mais sustentar a família.

"Uma amiga veio para mim e disse: 'por que você está sofrendo? Há uma alternativa. Você pode ganhar dinheiro com sexo'", conta ela.

"Eu tentei e me dei conta que estava ganhando mais dinheiro do que conseguiria de outras maneiras. Então, decidi seguir esse caminho."

Um grupo de mulheres recebe educação de contraceptivos
Um grupo de mulheres recebe educação de contraceptivos
Foto: Isabel Corthier / BBC News Brasil

Mas trabalhar com sexo traz riscos, ela relata.

"Em 2007, eu estava trabalhando uma noite e um grupo de homens espancou a mim e a uma amiga. Eles nos deixaram peladas, sem nada. Em outra ocasião, um cliente me estuprou durante uma sessão. Eu nunca o denunciei. O cara era conhecido na área e havia estuprado outras mulheres, e perseguiria quem o tivesse denunciado. Eu achei melhor ficar quieta, não fiz nada."

Chrissie Nasiyo, enfermeira/mentora da Médicos Sem Fronteiras, Nsanje (região sul)

Um grupo de mulheres recebe educação de contraceptivos
Um grupo de mulheres recebe educação de contraceptivos
Foto: Isabel Corthier / BBC News Brasil

Chrissie trabalha com o projeto de profissionais do sexo há dois anos.

"Para alguém dizer 'eu sou uma profissional do sexo' é difícil por causa da cultura, o estigma, a discriminação que acompanha isso. Outras não ligam muito."

Chrissie explica que há uma percepção diferente entre diferentes tipos de profissionais do sexo no Malauí.

"A maior parte quer dizer trabalhadoras do sexo 'comerciais' quando falam do trabalho com sexo, porque é um trabalho para elas. Ela acorda, se veste e vai encontrar um cliente. Mas a trabalhadora do sexo de 'transações' pode ser da classe trabalhadora, ir a seu trabalho normal e ter múltiplos parceiros em troca de produtos, sem aceitar que é uma trabalhadora do sexo."

"Para essas mulheres, definir isso pode ajudar."

Chrissie oferece os mesmos serviços para trabalhadoras do sexo "comerciais" e "transacionais". Participantes recebem camisinhas, testes para HIV e outras infecções, planejamento familiar, terapia anti-retroviral se são HIV-positivas. Ela diz que maior parte das trabalhadoras de sexo com quem trabalha são soropositivas.

Uma mulher abraçando outra
Uma mulher abraçando outra
Foto: Isabel Corthier / BBC News Brasil

"Eu amo trabalhar com as meninas porque elas têm histórias para contar. Você pode julgá-las de fora, mas se você ouve suas histórias, você sente que o que estão fazendo não é errado. Estão fazendo por um motivo."

Ketisha, trabalhadora do sexo, Mwanza (região sul, fronteira com Moçambique)

Retrato de Ketisha
Retrato de Ketisha
Foto: Isabel Corthier / BBC News Brasil

Quando Ketisha, de 16 anos, estava na escola, ela estava em um relacionamento que resultou em uma gravidez. Seu pai não a apoiou.

Ela ficou com sua irmã por um tempo, mas o arranjo não durou. Ketisha tentou evitar se tornar uma profissional do sexo.

"Eu tentei vender mandasi (pão frito), mas as coisas não deram certo. Depois disso, tentei vender milho verde, mas no final, foi só dificuldade."

Retrato de Ketisha
Retrato de Ketisha
Foto: Isabel Corthier / BBC News Brasil

"Ser uma adolescente e virar uma profissional do sexo não é fácil. Me perguntam por que eu estou em uma loja de bebidas ao invés de estar na escola. Meus pais não sabem que sou uma profissional do sexo."

"Quando olho em volta, vejo que muitas das profissionais do sexo estão enfrentando desafios. Estão sendo forçadas a manter relações com homens mais velhos sem usar proteção ou ganhar dinheiro. Se protestam, são abusadas fisicamente."

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