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Mesmo fora da disputa eleitoral, Sanders empurrou democratas para a esquerda, veem analistas

Desafio dos democratas será conquistar os apoiadores do socialista, que não apoiaram Hillary Clinton em 2016.

8 abr 2020 - 16h30
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Bernie Sanders desistiu da disputa democrata, mas sua campanha já teve efeitos sobre a plataforma eleitoral do partido
Bernie Sanders desistiu da disputa democrata, mas sua campanha já teve efeitos sobre a plataforma eleitoral do partido
Foto: EPA / BBC News Brasil

O senador americano Bernie Sanders anunciou na manhã desta quarta-feira (08/03) que está fora da disputa pela candidatura democrata na corrida presidencial para a Casa Branca, em novembro.

"Enquanto vejo a crise dominando o país", Sanders disse aos apoiadores em uma transmissão online de sua casa em Burlington, Vermont, "não posso, em sã consciência, continuar a montar uma campanha que não pode ganhar e que interferiria no importante trabalho exigido de todos nós nesta hora difícil".

Ainda assim, na visão de analistas, Sanders já pode ser considerado um dos maiores vencedores do processo eleitoral de 2020: o movimento capitaneado por ele, autodeclarado socialista, conseguiu não apenas mudar a agenda política do Partido Democrata - colocando na mesa temas ligados a programas sociais - como inovar na forma de arrecadação de campanha, mostrando que há viabilidade em apostar em doações de valores baixos e individuais, em vez de grandes somas de empresas.

Em meio à epidemia de coronavírus nos Estados Unidos, que já contaminou 400 mil pessoas no país e que pode custar entre 100 mil e 240 mil vidas de acordo com a estimativa oficial, a principal proposta de Sanders, de criar um sistema público e universal de saúde para os americanos, deixou de soar tão radical.

Com o apoio do presidente republicano Donald Trump, o Congresso aprovou medidas para que o Estado custeie os exames de pessoas com suspeita de covid-19, a doença causada pelo vírus.

Histórico crítico de medidas para ampliar o sistema público de saúde, como o chamado Obamacare, Trump afirmou no dia 02 que estudava ampliar programas do tipo por considerar "injusta" a situação dos 30 milhões de americanos sem convênio médico.

Além disso, com uma taxa histórica de desemprego, causada pela recessão precipitada pela pandemia, os Estados Unidos ampliaram os benefícios do seguro-desemprego e suspenderam a cobrança de dívidas estudantis - dois temas sobre que ajudaram Sanders a amealhar um grande apoio social.

Crise 'vingou' Sanders

A expressividade de sua base eleitoral fica evidente nos números de arrecadação da campanha: foram quase US$ 180 milhões, pulverizados em centenas de milhares de doadores, já que a contribuição média ficou em torno de US$ 20 por pessoa.

"A atual crise vingou Bernie Sanders. Ele liderou uma mudança para a esquerda dentro do Partido Democrata, especialmente nas questões de assistência médica, dívida estudantil e mudança climática", afirmou à BBC News Brasil o cientista político Michael Cornfield, da George Washington University.

Há três semanas, o pré-candidato Joe Biden, ex-vice presidente de Obama, e, agora, virtual presidenciável democrata a desafiar Trump, deixou claro que as demandas do senador de Vermont serão contempladas em seu programa de governo.

Em uma mensagem direcionada aos eleitores de Sanders, ele foi além da usual pregação pela união do partido para derrotar Trump e afirmou: "Eu estou ouvindo vocês. Eu sei o que está em jogo. Eu sei o que temos de fazer".

E, mencionando desigualdade de renda e mudanças climáticas, afirmou: "(Eu e Sanders) podemos discordar de táticas, mas compartilhamos uma visão comum".

"O que Sanders fez é extraordinário. De um político desconhecido nacionalmente há 8 anos, ele levou os democratas a uma posição mais progressista e à esquerda do que qualquer um poderia ter imaginado. Esses efeitos alteraram profundamente a identidade do próprio partido e não vão desaparecer", afirmou à BBC News Brasil o cientista político Thomas Whalen, da Boston University.

Com a desistência de Sanders, Biden (foto) deve ser o candidato democrata a enfrentar Trump nas urnas
Com a desistência de Sanders, Biden (foto) deve ser o candidato democrata a enfrentar Trump nas urnas
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Sem ajudar Trump - outra vez

Apesar do adiamento das primárias em mais de uma dezena de Estados, a atual distribuição de delegados democratas já deixava claro há semanas que as chances de Sanders obter a indicação do partido era remota.

É a segunda vez que Sanders acaba preterido pelos democratas. Em 2016, ele concorreu com Hillary Clinton e, na ocasião, foi acusado de dividir o partido e facilitar a vitória de Donald Trump contra a candidata democrata.

Há 4 anos, Sanders nem sequer chegou a suspender oficialmente sua campanha e esperou até meados de julho para oficializar seu apoio a Hillary.

Na ocasião, e-mails de integrantes do partido democratas foram vazados e indicaram que a legenda trabalhou contra a candidatura de Sanders. Muitos de seus apoiadores deixaram de comparecer às urnas em retaliação aos democratas.

Na disputa atual, a tensão entre o candidato socialista e o núcleo tradicional democrata voltou a escalar. Os membros moderados do partido acusavam os apoiadores do político de Vermont de não trabalhar pela legenda, mas pela figura de Sanders. E viam com desconfiança a possibilidade de que eles, mais tarde, trabalhassem por qualquer outro candidato democrata.

"O grande erro de Sanders foi tático: tendo alcançado a liderança enquanto sua oposição em 2020 estava fragmentada, ele atacou o establishment democrata, que reagiu consolidando rapidamente a candidatura Biden", diz Cornfield.

Democratas buscam forjar unidade que não conseguiram em 2016 contra Trump
Democratas buscam forjar unidade que não conseguiram em 2016 contra Trump
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A situação se tornou mais clara com a suspensão de campanhas dos moderados Pete Buttigieg e Amy Klobuchar, que ofereceram apoio a Biden logo antes da Super Terça, em 4 de março, quando grandes Estados, como Califórnia e Texas, apontaram seu nome preferido. Com isso, os democratas conseguiram garantir uma vitória expressiva para Biden.

Na prática, esse resultado tirava Sanders do caminho, mas os democratas precisavam que ele saísse espontaneamente da disputa, para não voltar a sangrar o partido.

Foi o que aconteceu nesta quarta, mais de 3 meses antes da Convenção democrata. "Sanders não queria entrar para a História como alguém que ajudou Donald Trump a conseguir seu segundo mandato", avalia Whalen.

Com a decisão, os democratas terão tempo para construir uma base sólida em torno de Biden. E para tentar convencer os apoiadores de Sanders a embarcar nessa empreitada.

A disputa é difícil e os democratas precisam de todos os votos que puderem reunir: Trump hoje conta com a aprovação de mais da metade dos americanos.

Já Sanders deve manter uma posição influente na legenda. Os analistas políticos afirmam que, se Biden ganhar, é esperado que ele componha o gabinete presidencial.

"De qualquer forma, ele será o que já é: o líder de um movimento social expressivo, que deverá ser consultado e respeitado pelo partido sempre", diz Cornfield.

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