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A onda de criminalidade que assola Cuba com brigas de gangues e tráfico de drogas

Fidel Castro disse uma vez que Cuba era a nação mais segura do mundo. Agora a polícia não consegue manter as ruas seguras.

12 out 2024 - 14h57
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Autoridades cubanas admitiram que as drogas se tornaram um problema
Autoridades cubanas admitiram que as drogas se tornaram um problema
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Fidel Castro, o falecido líder da Revolução Cubana, certa vez chamou Cuba de "o país mais seguro do mundo".

Em termos de baixos índices de crimes violentos na ilha e da escassez de armas circulando entre a população civil, ele pode muito bem ter tido um argumento para esta fala.

Seus críticos, claro, responderam que a baixa taxa de criminalidade foi alcançada por meio de intimidação, que a Cuba de Castro era — e continua sendo — um Estado policial que não aceitava críticas ao seu governo comunista e que passava por cima dos direitos humanos de seus oponentes.

Seja como for, poucos podem negar que as ruas de Cuba estavam tradicionalmente entre as mais seguras das Américas.

Mas Samantha González não sente que vive na nação mais segura do mundo. Seu irmão mais novo, um aspirante a produtor musical chamado Jan Franco, foi assassinado há dois meses em uma aparente disputa relacionada a gangues.

Morador do bairro de baixa renda de Cayo Hueso, em Havana, Jan Franco tinha apenas 19 anos quando foi morto. Ele foi esfaqueado duas vezes no peito do lado de fora de um estúdio de gravação — ele estava no meio de uma discussão quando alguém puxou uma faca.

Jan Franco (à esquerda) foi morto a facadas em Havana, com apenas 19 anos
Jan Franco (à esquerda) foi morto a facadas em Havana, com apenas 19 anos
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

"Ainda não consigo entender", diz Samantha, sofrendo com o luto enquanto mostra fotos antigas do irmão no celular. "Ele era a luz da nossa família."

Com apenas 20 anos, e mãe de um menino de um ano, Samantha afirma que Jan Franco foi um dos muitos jovens que perderam suas vidas nas ruas nos últimos meses:

"A violência está ficando fora de controle. São basicamente gangues, e brigam entre si como gangues. É daí que vem tudo isso, esses assassinatos e mortes de jovens."

Segundo ela, eles costumam resolver as brigas com facas e facões.

"Quase ninguém mais resolve uma discussão com os punhos. São só facas, facões, e até armas de fogo. Coisas que eu simplesmente não entendo", sua voz vai se desvanecendo.

A situação foi agravada por uma nova droga em Cuba chamada "químico" — uma droga sintética barata à base de cannabis.

Samantha diz que ela está se tornando cada vez mais popular entre os jovens cubanos nos parques e nas ruas.

Anteriormente, o simples fato de sequer sugerir que Cuba tinha um problema com opioides e gangues de rua — especialmente para um jornalista estrangeiro — poderia deixar alguém em apuros.

As autoridades cubanas sempre protegeram ferozmente a reputação da ilha como livre de crimes — e foram rápidas em apontar que suas ruas são comprovadamente mais seguras do que as da maioria das cidades dos EUA.

Qualquer coisa que destaque os problemas sociais de Cuba é geralmente retratada como uma crítica tendenciosa ao sistema socialista do país ou como uma invenção antirrevolucionária originada em Miami ou Washington.

No entanto, a percepção pública de uma piora na taxa de criminalidade, compartilhada por muitos cubanos nas redes sociais, fez com que as autoridades abordassem o assunto abertamente na televisão estatal.

Em agosto, uma edição do programa noturno de entrevistas Mesa Redonda — no qual autoridades do Partido Comunista são convidadas a apresentar a linha do partido — foi intitulada "Cuba contra as drogas".

Durante a transmissão, o coronel Juan Carlos Poey Guerra, chefe da unidade de combate às drogas do Ministério do Interior, reconheceu a existência, produção e distribuição da nova droga, "químico", e seu impacto na juventude cubana. Ele insistiu que as autoridades estavam combatendo o problema.

Em outra edição, sobre crime, o governo negou que a situação estivesse piorando, alegando que apenas 9% dos crimes em Cuba eram violentos — e apenas 3% eram assassinatos.

Mas os críticos questionam a transparência das estatísticas do governo, argumentando que não há supervisão independente das organizações que as produzem ou das metodologias que elas usam.

A vice-presidente da Suprema Corte, Maricela Sosa Ravelo, disse à BBC que as pessoas ainda confiam nas autoridades cubanas para manter a lei e a ordem
A vice-presidente da Suprema Corte, Maricela Sosa Ravelo, disse à BBC que as pessoas ainda confiam nas autoridades cubanas para manter a lei e a ordem
Foto: BBC News Brasil

Por sua vez, o governo culpa em grande parte o antigo inimigo, os Estados Unidos, tanto pela existência de opioides sintéticos em Cuba, quanto pelo embargo econômico americano de décadas à ilha, que eles dizem ser a razão pela qual alguns cubanos recorreram ao crime.

Em uma rara entrevista, a vice-presidente da Suprema Corte de Cuba, Maricela Sosa Ravelo, disse à BBC que o problema estava sendo exagerado nas redes sociais. Ela refutou a sugestão de que muitos crimes não são denunciados devido à falta de confiança da população na polícia.

"Em meus 30 anos como juíza e magistrada, não acho que o povo cubano não tenha confiança em suas autoridades", ela afirmou, dentro do ornamentado edifício da Suprema Corte.

"Em Cuba, a polícia tem uma alta taxa de sucesso na resolução de crimes. Não vemos pessoas fazendo justiça com as próprias mãos — o que acontece em outras partes da América Latina e em outros lugares —, o que sugere que a população confia no sistema judiciário cubano", ela argumentou.

Mais uma vez, porém, esta não foi a experiência de outra vítima recente de assalto nas ruas mal iluminadas de Havana.

Shyra é uma ativista transgênero que está acostumada a falar sobre direitos em Cuba. Ela diz que sua história, de ter sido roubada por um homem empunhando uma faca em uma noite, é comum.

Mas foi a resposta da polícia que mais a desiludiu.

"Logo depois de ser atacada, me deparei com dois policiais de motocicleta em uma rua lateral", lembra Shyra.

Apesar de sua aflição evidente, a polícia ignorou seus pedidos de ajuda, diz ela.

"Eles me disseram abertamente: 'Não estamos aqui para coisas assim'. Foi algo chocante de ouvir, porque eu disse a eles onde poderiam encontrar o agressor, mostrei a direção em que ele estava indo, o que estava vestindo. Mas eles simplesmente não me deram atenção."

No pequeno apartamento que divide com a mãe, Samantha González assiste a vídeos do velório do irmão mais novo.

Uma multidão formada por amigos de Jan Franco apareceu do lado de fora de sua casa — e começou a cantar as músicas que ele havia produzido antes de sua incipiente carreira musical ser interrompida.

Quando seu caixão foi colocado no carro fúnebre, os presentes ficaram em silêncio, exceto pelo suave murmúrio de choro e oração.

Sepultado com ele, e com cada jovem vítima de violência na ilha, está outro pedaço da reivindicação de que Cuba é a nação mais segura do mundo.

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