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A comovente gravação que mostra o sofrimento das crianças separadas da família pela Imigração nos EUA

Áudio registrado em centro de detenção da Patrulha de Fronteira americana, na fronteira do país com o México, mostra vozes de crianças chorando, implorando pelos pais e autoridade fazendo piada.

19 jun 2018 - 12h06
(atualizado às 14h30)
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São quase oito minutos de áudio com choro e súplicas de crianças.

O site Propublica divulgou uma gravação em que é possível ouvir o sofrimento de meninos e meninas imigrantes da América Central, separados de seus pais após tentarem entrar ilegalmente nos Estados Unidos.

Criança em centro de detenção de imigrantes na cidade fronteiriça de McAllen, no Texas (EUA): Milhares teriam sido separadas dos pais desde abril ao tentarem entrar ilegalmente nos Estados Unidos
Criança em centro de detenção de imigrantes na cidade fronteiriça de McAllen, no Texas (EUA): Milhares teriam sido separadas dos pais desde abril ao tentarem entrar ilegalmente nos Estados Unidos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A gravação foi feita em uma centro de detenção da Patrulha de Fronteira americana, na fronteira do país com o México.

Nela, as crianças não param de chorar e gritam, de forma inconsolável, "mamãe" e "papai".

"Eu não quero que detenham o meu pai. Não quero que deportem ele", diz uma delas, em espanhol, chorando.

Também em espanhol, um agente da fronteira faz piada diante da lamentação generalizada. Ele diz: "Bom, nós temos uma orquestra aqui. Faltava o maestro".

Outro homem grita, ao fundo, para que "não chorem!".

Em seguida, são ouvidas vozes de funcionários consulares, trocando informações sobre "número de identificação" de alguém, perguntando de onde as crianças são, onde estão seus pais e se era com eles que estavam viajando.

As crianças que respondem são da Guatemala e de El Salvador.

Uma delas é Alison Jimena Valencia Madrid, uma menina de seis anos de idade, de El Salvador, que protagoniza boa parte da gravação.

Separada da mãe na semana passada, ela implora para que alguém ligue para sua tia, cujo número de telefone afirma saber de cor.

"Eu posso ir pelo menos com a minha tia? Quero que ela venha...", diz a menina. "Quero que a minha tia venha. Ela pode me levar para a casa dela."

Um homem afirma que alguém vai ajudá-la a fazer a ligação, se ela tiver o número.

No áudio é possível ouvir os agentes falando em distribuir comida no local. A menina então insiste sobre a ligação, perguntando se depois de comer podem chamar a tia para buscá-la.

"Eu tenho o número de cabeça", afirma Alison. "Você vai ligar para minha tia vir me buscar? (...) Minha mãe disse para eu ir com a minha tia e que ela vai me buscar lá (com a tia) o mais rápido possível", reforça, ainda chorando e em meio a vozes de outras crianças gritando, aos prantos, "papai" e "meu papai".

"Não chore. Olhe, ela vai explicar a você e vai lhe ajudar", diz o agente à menina em determinado momento da gravação, referindo-se à representante do consulado.

No final do áudio, uma oficial consular se oferece para ligar para a tia dela.

'Por favor, me tire daqui'

A Propublica, que se descreve como uma redação independente, com sede em Nova York, que produz jornalismo investigativo de interesse público conseguiu falar com a mulher depois.

"Foi o momento mais difícil da minha vida", disse ela. "Imagine receber um telefonema da sua sobrinha de seis anos. Ela está chorando e me implorando para ir buscá-la. Ela disse: 'Eu prometo que vou me comportar, mas, por favor, me tire daqui, estou completamente sozinha'."

Meninos imigrantes em centro de detenção: Relatos apontam que alguns chegam a ficar separados dos pais por semanas e até meses
Meninos imigrantes em centro de detenção: Relatos apontam que alguns chegam a ficar separados dos pais por semanas e até meses
Foto: Aduanas y Protección Fronteriza de Estados Unidos / BBC News Brasil

A tia, no entanto, afirmou, "com dor", que não podia fazer nada pela menina. A mulher emigrou há dois anos com a filha pequena, fugindo da violência em El Salvador, em busca de asilo nos Estados Unidos. Agora, tem medo de se colocar em situação de risco com a filha, ao tentar ajudar a sobrinha.

Ela disse que se mantém em contato com a criança, que foi transferida das instalações da Patrulha da Fronteira para um abrigo com camas. E que também pôde falar com a irmã, que foi levada para um centro de detenção de imigrantes perto de Port Isabel, no Texas.

Mãe e filha, no entanto, não puderam se comunicar.

Segundo a Propublica, o áudio foi gravado na semana passada dentro de um centro de detenção da Patrulha de Fronteira.

A pessoa que fez a gravação, que pediu para não ser identificada por medo de represálias, diz que "ouviu os gritos e o choro das crianças e ficou arrasada".

Essa pessoa estimou que as crianças teriam entre quatro e dez anos de idade.

Ponderou, ainda, que os funcionários do consulado tentavam tranquilizá-las conversando com elas e lhes dando comida e brinquedos, mas que as crianças não conseguiam se acalmar.

Por que as crianças estão sendo separadas de seus pais?

As crianças estão sendo separadas dos pais na fronteira entre os EUA e o México como resultado da política "tolerância zero" introduzida em maio pelo procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, e alvo crescente de críticas.

Essa política prevê que adultos que tentam atravessar a fronteira - muitos deles planejando pedir asilo - sejam colocados sob custódia e que enfrentem processos criminais por entrada ilegal no país.

Como resultado, quase 2 mil crianças foram separadas de seus pais depois de cruzarem ilegalmente a fronteira, de acordo com balanço divulgado na última sexta-feira.

Elas ficam abrigadas em centros de detenção, mantidas longe de seus pais.

Mudança

Sessions afirmou que aqueles que entrarem nos EUA de forma irregular serão processados criminalmente. Até então, pessoas detidas tentando entrar ilegalmente no país eram acusadas de crimes de menor potencial ofensivo.

Os adultos processados são separados dos filhos que viajam com eles - estes, passam a ser considerados menores desacompanhados.

Defensores da medida apontam que centenas de crianças são retiradas de pais que cometem crimes nos EUA diariamente.

Como tal, elas são colocadas sob custódia do Departamento de Saúde e Serviços Humanos e enviadas para um parente, lar adotivo ou um abrigo - os funcionários desses locais já estão com falta de espaço para abrigá-los.

Abrigos

Recentemente, uma antiga loja do Walmart no Texas foi transformada em centro de detenção para as crianças imigrantes.

Autoridades também anunciaram planos de erguer acampamentos para abrigar outras centenas delas no deserto do Texas, onde as temperaturas normalmente alcançam 40 graus.

O legislador local, José Rodriguez, descreveu o plano como "totalmente desumano" e "ultrajante". "(É um plano que) Deve ser condenado por qualquer um que tenha um senso moral de responsabilidade", disse ele.

Autoridades da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, da sigla em inglês) estimam que cerca de 1,5 mil pessoas são presas por dia por cruzarem ilegalmente a fronteira.

Nas duas primeiras semanas de "tolerância zero", 658 menores - incluindo muitos bebês e crianças pequenas - foram separadas dos adultos que as acompanhavam, de acordo com o CBP.

Relatos apontam, no entanto, que mais de 700 famílias foram afetadas entre outubro e abril.

Em muitos dos casos, as famílias já foram reunidas, após os pais serem libertados da detenção. No entanto, há casos em que a separação teria durado semanas e até meses.

Trump

Trump culpou os democratas pela política, dizendo que "temos que separar as famílias" por causa de uma lei que "os democratas nos deram".

Não está claro, porém, a que lei ele se refere, pois não há foi aprovada pelo Congresso dos EUA que determine que as famílias migrantes sejam separadas.

Verificadores de fatos dizem que a única coisa que mudou foi a decisão do Departamento de Justiça americano de processar criminalmente os pais pela primeira vez ao cruzar a fronteira. Como seus filhos não são acusados de um crime, eles não podem ser presos junto com eles.

O repúdio das primeiras damas

A polêmica sobre a política de imigração "tolerância zero" de Donald Trump só aumentou nos últimos dias, especialmente depois que foram conhecidas as condições em que se encontram muitas das mais de 2 mil crianças separadas de seus pais desde abril.

Imagen de imigrantes dentro de uma grande jaula, em centro de detenção, foi publicada por autoridades. Jornalistas afirmam terem visto crianças que chegaram desacompanhadas em condições semelhantes
Imagen de imigrantes dentro de uma grande jaula, em centro de detenção, foi publicada por autoridades. Jornalistas afirmam terem visto crianças que chegaram desacompanhadas em condições semelhantes
Foto: Aduanas y Protección Fronteriza de Estados Unidos / BBC News Brasil

Nas instalações onde estão detidas, existem grandes jaulas que, além de abrigar imigrantes adultos, seriam também destinadas a crianças cujos pais tentaram atravessar ilegalmente a fronteira sul com os Estados Unidos.

A medida levou a primeira-dama Melania Trump a romper seu habitual silêncio, no domingo, para criticar a situação.

Por meio de uma porta-voz, ela disse que "odeia ver crianças separadas de suas famílias" e que espera que Republicanos e Democratas "finalmente" trabalhem juntos para alcançar uma reforma imigratória bem-sucedida.

"Ela (Melania) acredita que precisamos ser um país que segue todas as leis, mas também um país que governa com o coração", acrescentou a porta-voz

Na segunda-feira, ex-primeiras-damas de governos democratas e republicanos também comentaram a questão, em repúdio público à política que Trump vem adotando na fronteira.

"Eu vivo em um estado fronteiriço. Entendo a necessidade de reforçar e proteger nossas fronteiras internacionais, mas essa política de tolerância zero é cruel. É imoral. E me parte o coração", escreveu a republicana Laura Bush em um artigo no The Washington Post e no Twitter.

Michelle Obama compartilhou o post em seu perfil no Twitter e escreveu junto à mensagem: "Às vezes, a verdade transcende os partidos".

https://twitter.com/MichelleObama/status/1008768272895012867

Hillary Clinton, por sua vez, condenou a administração Trump pela medida e avaliou a situação como "uma afronta aos nossos valores". Ela acrescentou, também no Twitter: "O que está acontecendo a essas famílias na fronteira é uma crise humanitária. Todos os pais que já carregaram um filho em seus braços, todo ser humano com senso de compaixão e decência, devem ficar indignados".

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