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Financial Times: Bolsonaro justifica seu impeachment sozinho

Jornal britânico de economia diz que presidente está se autodestruindo em meio à crise do coronavírus e cita a demissão de Moro

28 abr 2020 - 15h49
(atualizado às 16h14)
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LONDRES - O jornal britânico de economia Financial Times escreveu nesta terça-feira, 28, um editorial em sua versão online sobre a autodestruição do "Trump Tropical". De acordo com a publicação, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, está abrindo o caminho para seu próprio impeachment e ilustrou dizendo que, no romance "O Médico e o Monstro", agora chegou a vez de o monstro governar.

Presidente Jair Bolsonaro refuta críticar do agora ex-ministro Sergio Moro
Presidente Jair Bolsonaro refuta críticar do agora ex-ministro Sergio Moro
Foto: Reuters

O periódico salientou que desde o retorno da democracia ao País, em 1985, todos, exceto um presidente, terminaram suas carreiras de forma ignominiosa. "Dois sofreram impeachment, dois foram manchados por acusações de corrupção, um foi preso e outro desencadeou uma crise financeira. Somente Fernando Henrique Cardoso, um centrista que governou de 1995 a 2002, tem sua reputação intacta", citou.

Para o veículo britânico, depois de demitir o ministro da Justiça Sérgio Moro na sexta-feira passada, Bolsonaro parece agora determinado a se juntar a seus antecessores no "salão presidencial de horrores" - na realidade, Moro pediu demissão, alegando que estava claro que o presidente não o queria mais no cargo. O 'FT' lembrou que Moro foi o segundo ministro-chave a sair em oito dias, já que Bolsonaro havia demitido o popular ministro da Saúde na semana anterior por resistir aos seus esforços de minimizar a pandemia de coronavírus.

A demissão de Moro é particularmente séria por dois motivos, segundo o jornal. Em primeiro lugar, ele era um herói dos apoiadores conservadores de Bolsonaro. Quando era um juiz conhecido pelo trabalho anticorrupção, ajudou a prender o ícone da esquerda e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em segundo lugar, Moro alegou ter desistido em protesto contra a decisão do presidente de demitir o chefe de Polícia Federal e substituí-lo por um indivíduo mais flexível, disposto a compartilhar informações sobre as investigações atuais. "Os brasileiros suspeitam que as manobras de Bolsonaro visavam a proteger seus filhos poderosos de processos em investigações que cobriam financiamento ilegal de campanhas e vínculos com paramilitares", afirmou o Financial Times.

Se comprovadas, as acusações explosivas de Moro podem constituir motivos de impeachment, de acordo com a publicação, que lembrou que eles desencadearam a pior crise política do Brasil desde que Dilma Rousseff sofreu impeachment, em 2016. "Apelidado de 'Trump dos Trópicos' por seu domínio das mídias sociais, sua capacidade de estimular apoiadores e seus ataques venenosos aos oponentes, Bolsonaro perturbou a elite do Brasil por desconsiderar a Constituição, demonstrando intolerância por gays, mulheres e negros e indiferença à queima da floresta amazônica", citou. Mas o mundo dos negócios e os investidores o toleraram como a melhor esperança de retomar a economia após uma forte recessão e anos de má administração e corrupção da esquerda.

O editorial continua, dizendo que o ministro da Economia, Paulo Guedes, apresentou reformas econômicas ousadas e, no ano passado, aprovou a reforma da Previdência para aliviar as finanças públicas. Esse sucesso levou aos investidores um otimismo de que os "adultos da sala", como são conhecidos os membros mais moderados do governo Bolsonaro, poderiam avançar nas reformas, apesar das perigosas travessuras do presidente - uma espécie de administração à maneira de "O Médico e o Monstro".

"Agora, como na novela gótica de Stevenson, Hyde assumiu", trouxe o editorial, em referência ao personagem do monstro, do escocês Robert Louis Stevenson. Qualquer sentimento positivo persistente evaporou-se em meio a uma tríplice crise: um aprofundamento da emergência de saúde pública, uma profunda recessão econômica e uma calamidade política.

Há muito tempo um jogador, Bolsonaro apostou cada vez mais alto em negar a seriedade do coronavírus. O Brasil fez tão poucos testes, conforme a publicação, que os números oficiais não são confiáveis, mas mesmo esses mostram que as infecções estão se espalhando rapidamente. O diário salientou que o pico ainda está por vir e o sistema público de saúde já está com dificuldades. "A economia dependente de commodities está muito vulnerável; o FMI prevê que o PIB encolherá 5,3% este ano, muito pior que a África subsaariana", comparou.

Até agora, Bolsonaro se mostrou resistente. Por enquanto, seus principais apoiadores permanecem fiéis, mas ex-apoiadores das Forças Armadas estão ficando desconfortáveis com a situação. O Congresso também está começando a flexionar seus músculos. E há rumores de novas saídas de ministros. "Apaixonado por teorias da conspiração, Bolsonaro acusou repetidamente os oponentes de conspirar para derrubá-lo. A realidade é que o presidente do Brasil está justificando seu impeachment sozinho."

Estadão
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