Expansão rápida do setor de procedimentos estéticos expõe lacunas na formação profissional e acende alerta
Estudos mostram que a multiplicação de profissionais no mercado estético, sem critérios homogêneos de formação, está associada ao aumento de riscos e intercorrências evitáveis.
O mercado de procedimentos estéticos cresce de forma acelerada no Brasil. O setor já figura entre os mais dinâmicos da área da saúde. No entanto, diversos estudos tem mostrado que o rápido crescimento do setor não foi acompanhado por regras claras de formação profissional.
Dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos indicam crescimento de 560% entre 2018 e 2022. No mesmo período, o número de profissionais saltou de 72 mil para cerca de 480 mil. A expansão ocorreu tanto na demanda quanto na oferta de serviços. O setor passou a atrair profissionais de diferentes áreas da saúde.
De acordo com o estudo Cosmiatria: uma análise do mercado brasileiro, o país conta hoje com mais de 139 mil profissionais da estética. O grupo inclui médicos, enfermeiros, dentistas, biomédicos, farmacêuticos e outras categorias.
Estimativas da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica apontam cerca de 1,5 milhão de procedimentos por ano. O setor movimenta mais de 48 bilhões de reais anualmente. Consultorias internacionais indicam que o mercado pode alcançar até 50 milhões de consumidores no Brasil.
Evidências científicas acendem alerta sobre segurança na estética
O estudo The Need for Regulated Training and Certification for Providers Entering into Aesthetic Medicine aponta a ausência de padrões mínimos de qualificação. Muitos cursos não garantem preparo suficiente para procedimentos seguros.
Os autores associam essa fragilidade ao aumento de riscos na prática profissional. Entre os problemas estão erros técnicos, falhas no manejo de intercorrências e atuação além dos limites profissionais. A falta de regulação compromete a qualidade dos serviços.
O estudo defende formação estruturada, certificação obrigatória e educação continuada. Essas medidas são vistas como essenciais para organizar o setor. A segurança do paciente depende disso.
O crescimento do mercado também traz outro alerta. Aumentam os eventos adversos ligados a procedimentos minimamente invasivos. As intercorrências se tornam mais frequentes.
Uma revisão publicada na Revista do Instituto de Ciências da Saúde, da Universidade Paulista (UNIP) analisou o uso da toxina botulínica. O estudo relaciona intercorrências a erros técnicos e falhas no conhecimento anatômico. Muitos casos envolvem profissionais sem preparo adequado.
Resultados semelhantes aparecem em uma revisão sistemática da Revista FT. O estudo associa eventos adversos a técnicas inadequadas e falhas no reconhecimento precoce dos problemas. A ausência de protocolos aparece como fator recorrente.
Os autores afirmam que grande parte dessas ocorrências poderia ser evitada. Formação adequada e atualização constante surgem como fatores centrais. A evidência científica converge nesse ponto.
Estudos sobre biossegurança reforçam essa relação. Pesquisa da Revista de Epidemiologia e Controle de Infecção analisou clínicas estéticas. O estudo associa maior risco de infecção à falta de treinamento e de protocolos padronizados.
Os dados indicam que a qualificação profissional reduz riscos evitáveis. O treinamento contínuo das equipes aparece como estratégia essencial. A segurança do paciente depende desse cuidado.
Avanço da IA amplia exigências técnicas e éticas
O desafio da área cresce com a incorporação de novas tecnologias na estética. Sistemas digitais e ferramentas computacionais avançam rapidamente. A formação profissional precisa acompanhar esse ritmo.
A pesquisa Inteligência Artificial na Medicina Estética: Aplicações, Desafios e Perspectivas Futuras destaca o uso de sistemas de análise facial. Essas ferramentas ampliam as exigências técnicas e éticas da atuação profissional.
Nesse cenário, o estudo Artificial Intelligence in Cosmetic Dermatology: A Systematic Literature Review faz um alerta. O uso seguro dessas tecnologias exige preparo técnico, pensamento crítico e atenção ética.
Sem esses cuidados, os riscos aumentam. A tecnologia pode causar danos aos pacientes. Os benefícios prometidos deixam de se concretizar.
Estudos revelam o perfil e os desafios dos profissionais da estética
Entre enfermeiras estetas (especializadas em procedimentos estéticos), a formação avançada se destaca. O estudo Enfermagem Estética: mercado de trabalho na perspectiva do empreendedorismo mostra que a especialização é predominante. Segundo a pesquisa, 85% das profissionais possuem pós-graduação na área.
O levantamento também expõe desafios regulatórios. Embora 68,4% estejam habilitadas para atuar, 31,6% não estão regularizadas junto ao conselho profissional. O dado revela dificuldades entre formação, regulação e prática.
Na Biomedicina, o cenário é semelhante. O estudo Biomedicina e formação profissional: perspectiva de profissionais biomédicos antes e após a graduação indica que 85,1% realizaram cursos de pós-graduação. A especialização amplia oportunidades de trabalho.
A formação adicional também impacta a renda. Profissionais associam a pós-graduação ao aumento salarial. A especialização em Biomedicina Estética aparece em 25,5% dos casos analisados.
Entre farmacêuticos, o percurso se repete. A pesquisa Atuação do farmacêutico na área da estética: satisfação e expectativas futuras mostra que muitos ingressam no setor após a graduação. A especialização surge como principal caminho.
Na odontologia, estudos reforçam a necessidade de preparo específico. A pesquisa Harmonização orofacial: análise do conhecimento dos cirurgiões-dentistas aponta lacunas de conhecimento. O estudo destaca a importância da capacitação formal para práticas seguras.
Os achados dialogam com pesquisas internacionais. O estudo Survey on Continuing Medical Education Needs of Chinese Medical Aesthetic Doctors mostra que profissionais reconhecem a educação continuada como essencial. A complexidade da área exige atualização permanente.
Nesse contexto, cresce a defesa da formação de pesquisadores na interface entre estética, tecnologia e bioética. Esses profissionais avaliam a segurança das inovações. Também produzem evidências científicas confiáveis.
Com o avanço do conhecimento científico, protocolos baseados em evidências são orientadores da prática profissional. Os riscos diminuem e os padrões de segurança aumentam.
Toda produção científica disponível deve subsidiar políticas públicas e orientar a regulação do setor. Ao crescer com base na ciência, o país fortalece a saúde pública. Também constrói bases mais seguras para o futuro da estética no Brasil.
Claudia Pereira Galhardi. Pesquisadora do Núcleo de Estudos em Comunicação, História e Saúde (NECHS) Fiocruz. Integra a Rede Nacional de combate à desinformação