O novo PNE e a importância do olhar para o desenvolvimento socioemocional
O novo Plano Nacional de Educação é uma oportunidade para integrar habilidades socioemocionais ao currículo, promovendo uma educação mais completa e conectada à realidade dos estudantes, com foco na formação humana integral e na valorização do papel dos professores.
O Brasil está prestes a iniciar um novo ciclo de planejamento educacional. Com o fim da vigência do atual Plano Nacional de Educação (PNE) — que ficou longe de cumprir suas 20 metas, como evidencia a realidade das escolas públicas —, temos diante de nós a responsabilidade de redesenhar o futuro da educação. É preciso agir com urgência para impulsionar o ensino brasileiro e enfrentar os inúmeros desafios que afetam o cotidiano escolar.
Mais do que uma oportunidade de corrigir rumos, este é o momento de reafirmar compromissos com uma escola mais dinâmica, conectada às vivências dos estudantes e ao mundo contemporâneo. Nesse contexto, torna-se essencial considerar um tema cada vez mais presente nas práticas pedagógicas: o desenvolvimento das habilidades socioemocionais.
Está claro que a educação do século 21 precisa dialogar com as dimensões emocionais, sociais e éticas da formação humana. Incluir, de maneira estruturada, competências como empatia, resiliência, escuta ativa e cooperação representa um avanço significativo. Inovação, nesse campo, não se restringe ao uso de tecnologias digitais — ela se manifesta, sobretudo, na forma como nos relacionamos com o conhecimento, com os alunos e com a realidade. E, sob essa ótica, o desenvolvimento socioemocional é decisivo.
O novo PNE representa uma oportunidade estratégica para consolidar essa visão. A integração das competências socioemocionais ao currículo não deve ser vista como um adendo ou uma concessão, mas como parte fundamental da aprendizagem integral. Isso não significa reduzir a centralidade dos conteúdos acadêmicos, nem interferir na autonomia dos docentes. A proposta é somar, não substituir; é ampliar o alcance do ensino, e não desviar seu foco. A matemática e a empatia, a história e o autoconhecimento podem — e devem — coexistir, enriquecendo mutuamente a experiência educacional.
Para que essa abordagem se materialize, é essencial que ela permeie toda a trajetória escolar — da Primeira Infância ao Ensino Médio —, integrando-se aos componentes curriculares, projetos de vida e itinerários formativos. Essa incorporação não anula o planejamento pedagógico tradicional, mas o fortalece, conferindo-lhe maior propósito e conexão com a realidade dos estudantes.
Nesse processo, os professores continuam sendo os protagonistas. São eles que, com sensibilidade e intencionalidade, identificam os contextos adequados, constroem estratégias e transformam conteúdos em experiências significativas. Reconhecer e valorizar esse papel é condição indispensável para qualquer política educacional que se pretenda eficaz.
Quando os estudantes aprendem a lidar com frustrações, a se comunicar com clareza, a trabalhar em equipe e a se colocar no lugar do outro, eles desenvolvem não somente competências pessoais, mas também uma postura mais aberta ao conhecimento. A sala de aula ganha em clima, engajamento e significado. O aprendizado se torna mais profundo, contextualizado e duradouro.
Vale destacar que muitas escolas e educadores já vêm, mesmo que intuitivamente, incorporando práticas voltadas ao desenvolvimento socioemocional. O desafio agora é construir políticas públicas que legitimem, orientem e sustentem essas ações. Isso exige investimento em formação continuada, produção de materiais de apoio, estímulo à escuta da comunidade escolar e criação de espaços institucionais que favoreçam essa integração.
Nesse contexto, considero fundamental que o relator, deputado Moses Rodrigues (UNIÃO/CE), assim como os demais integrantes da Comissão Especial do Novo Plano Nacional de Educação (PNE) na Câmara dos Deputados, avaliem a pertinência de incluir, de forma explícita no relatório final, o compromisso com o desenvolvimento socioemocional das crianças desde a Educação Infantil.
Como contribuição concreta, propõe-se a reformulação da Estratégia 2.4, inserida no eixo relativo à Qualidade da Educação Infantil, de modo a assegurar o acesso a recursos pedagógicos que favoreçam tanto o desenvolvimento cognitivo quanto o socioemocional. A proposta contempla o uso de metodologias inovadoras, com ênfase na resolução de problemas e na construção de vínculos significativos para o processo de aprendizagem. Uma redação alternativa sugerida seria:
“Garantir o acesso a uma diversidade de recursos que favoreçam a ampla participação das crianças, tais como brinquedos, livros, materiais pedagógicos, jogos de raciocínio, áreas de contato com a natureza e espaços internos e externos devidamente organizados, assegurando a adoção de metodologias que promovam o desenvolvimento cognitivo, socioemocional e a capacidade de resolução de problemas.”
A escola da nossa era precisa enxergar o ser humano em sua complexidade. Um estudante que compreende o contexto histórico de um conflito e, ao mesmo tempo, consegue ouvir e acolher o outro, terá uma visão de mundo mais crítica, sensível e propositiva.
Não podemos repetir os erros do último PNE, que chega ao fim sem ter alcançado grande parte de suas metas. Temos agora a chance de consolidar uma concepção mais integrada de educação — que dialogue com a Base Nacional Comum Curricular, respeite os contextos regionais e promova, concretamente, a formação de cidadãos plenos, conscientes e emocionalmente saudáveis.
A inovação que precisamos exige coragem para reconhecer a educação como um processo profundamente humano, no qual conhecimento e emoção se entrelaçam. Como educador, quero fazer parte desse movimento. Porque acredito que ensinar é, antes de tudo, ajudar o outro a se tornar mais completo. E isso, sem dúvida, começa pela escola.
(*) Israel Matos Batista é conselheiro de Educação, cientista político pela Universidade de Brasília e mestre em Políticas Públicas e Governo pela Fundação Getúlio Vargas.