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Rússia Etapas Históricas II: a segunda revolução

13 dez 2017 - 15h59
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O socialismo num só país e o planejamento econômico

A segunda revolução
A segunda revolução
Foto: Divulgação

A situação de isolamento da URSS, sendo que o único país com quem assinou um tratado foi a Alemanha de Weimar, o Tratado de Rapallo, em 1922 (o mentor deste acordo Walther Rathenau, ministro das relações exteriores, pagou com a vida por isto), acelerou a decisão de Stalin de lançar-se num vasto programa de crescimento (“sovietes + eletrificação = socialismo” era um bordão de Lenin) sem haver nenhum capital externo. Como o economista E. Preobrazhenski registrou no seu ensaio “A Nova Economia”, 1926, que a ’acumulação socialista primitiva’, na total ausência de capital externo, teria que ser feita com recursos nacionais sacrificando o próprio povo russo no empreendimento. A existência de um estado socialista devia se sobrepor ao mercado existente na época do Czarado e do novo mercado surgido, produto da economia camponesa semi-liberalizada. Era impossível haver conciliação entre ambos. Sem que ele desejasse, esta tese serviu como uma sentença de morte à propriedade dos mujiques e dos kulaks, especialmente destes últimos (considerados inimigos inconciliáveis do regime).

A URSS estava fadada a dar seguimento à revolução industrial incipiente na Rússia que começara nas derradeiras décadas do século XIX - registrada na famosa obra de Lenin sobre “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, escrito no degredo siberiano em 1899. Ocorre que não havia nada na história que fizesse menção a transição do capitalismo para o socialismo, especialmente numa sociedade pobre, ignorante, predominantemente agrária e com baixíssima presença da tecnologia moderna. Simbolicamente, era como se um carroção atrelado a animais fosse bruscamente adaptado a andar com motor.

Entre os teóricos europeus falava-se em “Planificação Econômica” como resultado lógico do avanço do socialismo. Não é de estranhar que os bolcheviques se inspirassem, num primeiro momento, no capitalismo autoritário vigente na Alemanha durante a I Guerra Mundial.

Particularmente, a partir de 1916, os comandantes supremos do exército do Reich, os generais Hindenburg e Ludendorff atuaram intervindo na economia, sendo que o último tornou-se ditador não-oficial modelando a produção geral no sentido de vencer a guerra, subordinando o restante dos agentes econômicos a uma rígida programação e controle. Alguns críticos observaram tratar-se de um “socialismo prussiano”, uma emergência de um país desesperado e em vésperas da derrota, nada aproximado do idealizado socialismo que ainda não tinha vingado em lugar algum.   

A Segunda Revolução

Para tanto, a fim de desencadear o que denominaram de Segunda Revolução, um órgão de planejamento – o GOSPLAN (Gossudarstvênnîi Komitet po Planirovâniu) – existente desde 1921, entrou em atividade efetiva a partir de 1923, assumindo sua plenitude em 1928, época do Pilatileka, o Primeiro Plano Qüinqüenal (1928-1932). 

Planejando a indústria
Planejando a indústria
Foto: Divulgação

Ambicioso, o Gosplan com um dos seus braços determinou a coletivização das áreas camponesas e com o outro investir na Indústria Pesada. Os mujiques e os kulaks que ocuparam as propriedades nos começos da revolução viram-se num repente forçados a abandonar tudo. Em represália à usurpação do Estado Soviético decidiram matar os animais domésticos e queimar as isbás onde moravam.

Deu-se um massacre bíblico, contabilizando mais de 70 milhões de cabeças de gado variado liquidado e instrumentos destruídos. O “enxugamento” fez com que apenas 2 milhões de propriedades, resultassem da anterior, calculada em 20 milhões de pequenas e médias propriedades. A propaganda do regime lançou enorme campanha para demonstrar a racionalidade e o aumento da produtividade que certamente surgiriam da nova forma de trabalho coletivo no campo: os colcozes (cooperativas nas mãos das famílias camponesas) e os solvcozes (fazendas estatais com trabalhadores assalariados). Provocaria a liberação da mão de obra para as fabricas nascentes enquanto os colcozes atrairiam tecnologia (tratores, ceifadeiras, colheitadeiras, etc.) A revolta dos rústicos foi terrível, porém inútil.

Destacamentos da GPU/NKVD, a polícia política, e pelotões do exército, varriam os campos impondo temor recorrendo à violência como modo usual de operação.

O Cáucaso do Norte, o Cazaquistão e a Ucrânia, esta na Rússia Ocidental, com suas férteis terras negras, celeiro dos cereais e do gado, foi a mais atingida. Os ucranianos denominaram a destruição dos seus homens do campo e a miséria que se seguiu como “A Grande Fome” (Holodomor). Os kulaks, os fazendeiros remediados, tidos como “inimigos de classe”, ou vragi narod (inimigos do povo) foram desterrados. Dois milhões deles foram transportados por comboios de trens para outras regiões do país entre 1933-1934. O Estado Soviético exterminou com a economia camponesa russa antiga em mais de mil anos, enquanto a sociedade perdeu justamente aqueles que tinham iniciativa e eram os empreendedores melhor sucedidos.

Evidentemente que o pacto entre camponeses e trabalhadores – a smytcha - foi definitivamente rompido em favor da política de industrialização e eletrificação. Bukharin, o mais ardoroso defensor dos mujiques, celebre pelo dito blasfêmico “Camponeses, enriquecei!” viu sua imagem obscurecer-se frente a Stalin. Sobreviveu marginalizado do poder central, entre idas e vindas, até ser executado durante o Grande Terror, em 1936.

Stalin, o timoneiro do comunismo.
Stalin, o timoneiro do comunismo.
Foto: Divulgação

O impressionante dos planos quinquenais que se sucederam até 1939 é que eles mudaram radicalmente o perfil econômico e social da velha Rússia para sempre. O partido comunista agiu como um furioso messias conduzindo a chicotadas o povo russo, pobre, analfabeto e ligado a terra, para um outro país, o dos técnicos, dos engenheiros, dos administradores e dos cientistas, um tanto como imaginou o filósofo positivista Auguste Comte, saltando de um primitivo Estado Metafísico para o moderno Estado Positivo. Stalin, o mais inexpressivo líder de 1917, revelou-se hábil em mesclar o medo com a esperança no progresso material do país.

Incrementando a produção, Yuri Pimenov.
Incrementando a produção, Yuri Pimenov.
Foto: Divulgação

O preço humano disto foi terrível em razão do processo ter usado meios contrários ao que podemos identificar como propósito ou ‘ética socialista’. Métodos desumanos empanaram a imagem da URSS stalinista no Ocidente. A hiper-centralização colocou nas mãos de Stalin um poder nunca visto nem na longa história despótica e autocrática da Rússia. Nem Ivan, o Terrível (1530-1584), refundador do Czarado russo, nem Pedro, o Grande (1672-1725), que revirou o reino de ponta a cabeça, amealharam tal poder sobre a sociedade quanto ao do secretário-geral do PC soviético (que se inspirou nos dois). O que levou a historiadores ocidentais concluírem que somente a bárbara Russia poderia sofrer aquele flagelo. Para outros ele assemelhou-se a um moderno Gengis-Kã com linguagem marxista, misturando o despotismo asiático com o ideário do ‘socialismo científico’. (*)

(*) A expressão utilizada para definir a macro-transformação da Rússia numa potência industrial capaz de emparelhar com as ocidentais (Alemanha, França, Grã-Bretanha, EUA) foi a de Segunda Revolução para distingui-la da Primeira, a de 1917. A diferença se dá que na 1917  um enorme levante ’de baixo para cima’, da plebe russa contra a sociedade aristocrática que ainda perdurava nos começos do século XX ( similar com a francesa de 1789, na guerra ‘da choupana contra o castelo’). A Segunda, ao invés, foi feita de cima para baixo, pelo aparato do Estado Soviético contra ‘os de baixo’, isto é o mundo camponês e tudo o que lhe dizia respeito. 

Fonte: Soljenitsin, A. – O Arquipélago Gulag. 

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Fonte: Especial para Terra
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