Prioridades mudaram: por que a geração Z tem fugido de cargos de chefia
Profissionais com idades entre 18 e 35 anos estão recalculando a rota e preferem qualidade de vida em vez de ascensão profissional
Com prioridades bem definidas, algumas desde que ingressam no mercado de trabalho, as novas gerações estão redefinindo o conceito de "sucesso profissional". Características que antes eram consideradas "diferenciais", como ambiente de trabalho agradável, comunicação e horários bem definidos, agora são tão essenciais quanto uma boa remuneração. Para alguns, até mais.
Motivados por essas prioridades, a maioria dos profissionais dos 18 aos 35 anos tem recuado diante da possibilidade de crescimento vertical, na qual passa de colaborador para coordenador, gerente e etc. A predileção passou a ser o crescimento horizontal: desta forma, você pode se tornar um especialista na área, ser bem remunerado e possuir outros benefícios, sem necessariamente precisar coordenar alguma equipe.
É desta forma que pensa o analista de dados Marcos Ribeiro*, de 30 anos. Para ele, que trabalha em uma multinacional americana, a ideia foi estabelecida após perceber, logo no primeiro emprego, há quatro anos, o quando seus superiores se dedicavam ao trabalho de forma contínua, sempre sob pressão e, pior, sem uma remuneração adequada.
"Era uma falta de vontade que eu sempre tive. Eu olhava para os cargos de cima e via que o sênior já trabalhava igual um condenado. Sábado e domingo, eu entrava na plataforma da empresa e estava todo mundo on-line. O gerente nem se fala. Se eu entrasse lá meia-noite, todos os gerentes estavam on-line. Eu olhava e pensava: 'Gente, eu não quero. Não acredito que essa pessoa ganhe menos de R$ 50 mil por mês para valer a pena esse tipo de coisa'", explica ele, em entrevista ao Terra.
Ele conta que, após sair da empresa para atuar em outra oportunidade, reencontrou com o antigo chefe e descobriu que o salário dele não era tão alto quanto ele esperava para a dedicação que a função e a empresa exigiam.
"E aí, eu disse: 'Mentira! Você se matava e ganhava quase a mesma coisa que eu ganho no momento, trabalhando para fora, como júnior?'", comentou.
Marcos destaca que, no momento, tem investido em se tornar um especialista em sua área, priorizando a qualidade de vida ao sucesso profissional da forma tradicional. "Eu prefiro arrumar, valorizar melhor a posição em que eu estou, do que só mudar de posição por mudar de posição", acrescenta.
O nome disso é 'quiet ambition'
Especialistas em carreira chamam esse movimento, que ganha força entre os profissionais da nova geração, de 'quiet ambition' - em português "ambição silenciosa". O termo surgiu nos Estados Unidos e se popularizou em abril de 2023, quando um entrevistado pela Fortune a usou para descrever como ele se sentia e agia em relação aos seus anseios profissionais.
Segundo a revista, esse movimento é, na verdade, uma resposta dos jovens, em especial os profissionais da geração Z, ao que é valorizado no mundo corporativo. Os nascidos entre 1990 e 2010 reavaliaram o que é realmente importante, após vivenciarem os extremos de uma pandemia e de um mercado de trabalho despreparado.
Lidos como difíceis, gestores e recrutadores têm demonstrado desaprovação para o novo posicionamento. No entanto, cada vez mais pesquisas mostram que a mudança chegou para ficar e está contagiando outras gerações.
De acordo com um levantamento feito em agosto de 2023 pela empresa Visier, especializada em dados corporativos, a maioria dos profissionais tem cada vez menos grandes ambições profissionais. Dos mil entrevistados:
- 67% desejam passar tempo com a família e amigos;
- 64% querem ser física ou mentalmente saudáveis;
- 9% dos respondentes querem se tornar um gestor de pessoas;
- 4% pensam em se tornar um executivo nível C (como CEO e outros cargos do escalão executivo).
A empresa pontuou ainda que, quando os entrevistados foram questionados sobre o quanto desejam ter sucesso em sua empresa atual, 63% deles disseram: "Eu me preocupo em ter um bom desempenho, mas não vou comprometer o equilíbrio entre vida profissional e pessoal".
Ambientes de trabalho ruins e maus gestores são catalisadores
Após uma série de experiências ruins no mercado de trabalho e um quadro de burnout, a especialista em Direitos Humanos e Sustentabilidade Julia Silva*, de 31 anos, diz que sua prioridade tem sido espaços que priorizem a saúde mental atrelados à produtividade. Ela conta que, durante os quatro anos de curso, se preparou profissionalmente e não poupou esforços para ter um currículo forte e a garantia de um bom emprego. No entanto, com a pandemia e mudanças no governo, sua perspectiva de futuro mudou.
"Quando eu comecei a faculdade, eu tinha uma realidade diferente: uma realidade de promessa de trabalho, uma realidade muito positiva em relação ao Brasil e a visão dele externamente. E quando eu concluí, à medida assim, já para o meio, para o final do curso, eu já fui entendendo que talvez o mercado não seria da maneira como eu imaginava", lamenta.
Quando chegou no mercado de trabalho, Julia se deparou com péssimos líderes. Ela esbarrou em uma realidade comum a diferentes áreas: pessoas preparadas tecnicamente, mas que não entende o que é gerir pessoas.
"Isso é um dos pontos também que me traumatizou, pois você dá de cara com lideranças que não estão preparadas para poderem realmente te liderar, para estar com você, para te apoiar no que for necessário e não te verem como competição. É como se eu estivesse competindo com você", desabafa.
Como mulher negra, Julia avalia que o mercado passou por muitos avanços, mas seu temor é que tenha chegado ao ponto de estagnação.
"É uma visão um pouco quadrada de como as coisas devem ser. E a gente tem que entender, fazendo recortes de diversidade, recortes de realidades diferentes, de situações diferentes. Eu falo de diversidade para além de questões étnicas. A gente percebe muito que as empresas ainda não estavam tão preparadas para o novo", acrescenta.
Hoje, ela atua em uma empresa onde se sente confortável e é produtiva, mas garante que suas prioridades mudaram após as experiências negativas. Enquanto a Julia de cinco anos atrás priorizava o sucesso e se tornar referência na carreira, hoje ela prioriza saúde mental. "Viver, ao invés de sobreviver", resume.
O que dizem os especialistas?
Para Andrea Deis, gestora de carreira e especialista em neurociência pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a questão não é geracional. Diferentemente do que tem sido apontado de forma geral, o quiet ambition é um reflexo de outros movimentos encabeçados por profissionais que já indicavam o desconforto no mercado de trabalho. Ela cita o "quiet building" e o "quiet killing".
"Não é uma desistência, não significa que eles saem. [...] Na minha opinião, foi uma resposta: 'A gente não quer isso'. Ou seja, não queremos assumir esses altos cargos estratégicos porque o nível de vida, de financeiro e do que você oferece para nós não nos satisfaz, hoje, no que entendemos como qualidade de vida", destaca Andrea, que é doutoranda e pesquisadora da área.
Ela alerta ainda que, se as empresas não se atentarem às mudanças, logo poderão enfrentar desfalques nos resultados. A saída, acrescenta, é se adaptar a esse novo mundo.
"A tecnologia chegou e eles [contratantes] têm se adaptado à tecnologia, mas não têm se adaptado às pessoas. Esses jovens evoluíram. Não existe um mundo novo com ideias velhas", reforça.
Madalena Feliciano, especialista em carreira e desenvolvimento humano há mais de 20 anos, concorda que a mudança de mentalidade pode refletir na entrega do profissional à empresa. No entanto, algumas estratégias ajudam a contornar esse momento, como:
- Compreender e valorizar os objetivos pessoais de cada um dos colaboradores, criando um ambiente de trabalho que incentive o crescimento profissional e pessoal de forma equilibrada;
- Oferecer a possibilidade de flexibilização de horários, permitindo que os colaboradores possam conciliar suas responsabilidades profissionais com as demandas pessoais;
- Incluir horários alternativos, como meio período ou horários flexíveis, adaptando-se às necessidades individuais;
- Incentivar o uso de tecnologia para facilitar o trabalho remoto pode ser uma opção viável;
- Possibilidade de trabalhar home office ou ainda híbrido, para proporcionar mais autonomia aos colaboradores e contribuir para o equilíbrio entre vida profissional e pessoal;
- Implementar programas de qualidade de vida, bem-estar e incentivos com academias, rodas de conversas, premiações por resultados -- como viagens com a família, ingressos para shows, day-off, day spa, dentre tantos outros;
- Criar um ambiente de trabalho colaborativo, onde as ideias possam ser compartilhadas livremente.
"Certamente adotando algumas medidas em conjunto com o RH, liderança e os colaboradores é possível encontrar excelentes alternativas de acordo com a necessidade individual de cada empresa e ter um clima e ambiente muito mais leve e produtivo", pontua Madalena.
*Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos entrevistados.