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Falta de oportunidades no balé clássico leva talentos brasileiros a buscarem futuro fora do País

Atentos às audições e condições adequadas de trabalho, jovens bailarinos não desistem do sonho

7 dez 2023 - 05h00
(atualizado às 19h18)
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Falta de oportunidades no balé clássico leva talentos brasileiros a buscarem futuro fora do país
Falta de oportunidades no balé clássico leva talentos brasileiros a buscarem futuro fora do país
Foto: Reprodução/Getty Images

Sonhar com uma carreira profissional na dança, morando no Brasil, não é nada fácil. Além dos obstáculos da própria modalidade, como limites físicos e psicológicos, há preocupações que dificultam a estadia dos talentos brasileiros em seu próprio País, sendo a principal delas o mercado de trabalho. Ou melhor, a falta dele.

Conversando com professores, alunos e bailarinos já inseridos no mercado, descobrimos que há poucas oportunidades no Brasil para atuar profissionalmente em comparação com a demanda de talentos. Porém, é difícil medir esta demanda quando não há dados oficiais sobre o assunto.

No Brasil, o salário pode variar. Nas grandes companhias, o valor fica em torno de R$ 3,5 mil em regime de CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), podendo aumentar ou diminuir. Por este motivo, quando surge uma oportunidade de ingressar em alguma remontagem ou de fazer parte do corpo de baile, mesmo que temporariamente, é bastante disputado

Olhamos para as companhias e projetos independentes, porém, o valor fica em aberto, já que depende do incentivo dado pelos patrocinadores.

Em ambos esses casos, os desafios são muitos pelo caminho.

Correndo contra o relógio

Mesmo sabendo das condições, muitos bailarinos não desistem do sonho e seguem tentando carreira no Brasil. Para ajudar neste processo, jovens bailarinos, a maioria ainda criança, começam a pavimentar o caminho que poderá levá-los para a carreira que tanto almejam. Este é o caso de Alice Campelo Pereira, de 21 anos. 

Bailarina há mais de 10 anos, a jovem de Goiânia (GO) já é sênior no balé clássico - uma categoria que começa a partir dos 19 anos e indica quando um bailarino já está maduro e pronto para ingressar no mercado de trabalho. Por este motivo, ela tenta vagas diretamente para um cargo em uma companhia, e não para uma escola. 

Para alcançar este objetivo, Alice tem se dedicado. Primeiro, se formou em uma escola profissionalizante voltada para a dança, na Escola do Futuro de Goiás em Artes Basileu França. E agora, após formada, dedica cerca de 11 horas por dia ao balé, divididos entre ensaios, aulas e treinos, além de ter aberto uma vaquinha online para ajudar nos custos das audições para as companhias, a maioria delas no exterior. 

“Quando decidi que queria isso pra mim [com 12 anos de idade], já comecei a me situar sobre as coisas no Brasil e vi que a arte aqui não é tão valorizada”, comentou Alice ao Terra. “O mercado de trabalho é muito pequeno, tem poucas companhias de clássico, fora a valorização financeira. Então, soube que teria que trabalhar em dobro para chegar onde quero chegar”.

Aos 21 anos, Alice sonha em dançar em uma companhia na Europa.
Aos 21 anos, Alice sonha em dançar em uma companhia na Europa.
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Diferente de outras meninas, Alice começou um pouco mais tarde na dança. Porém, a paixão foi imediata e avassaladora. “Faço faculdade, mas o meu primeiro plano é totalmente a dança. Eu quero viver da arte, que envolve e aquece o meu coração. Penso: ‘não vou desistir, olha o tanto que já lutei'”, reflete sem esconder a emoção. 

“É um sonho que quero muito e o tempo é curto. Nos aposentamos por volta dos 50 anos, em alguns casos. É uma carreira curta e não quero perder tempo”, diz. “Para tentar, escrevo os e-mails e envio meu currículo, com meus vídeos dançando. Acompanho as audições por um perfil no Instagram e vou me inscrevendo e torcendo”. 

Antes, o gasto ficava inteiramente com a jovem, porém, após a repercussão da vaquinha, ganhou uma bolsa de agenciamento em uma empresa para bailarinos chamada Dance Connections. Mas esta não é a única forma de conseguir avançar na carreira, alguns podem ter a sorte de ser convidado para entrar em uma companhia diretamente. Foi o que aconteceu com Armando de Souza Barros Júnior, de 26 anos. 

Vivendo o sonho

Natural de Goiânia, Armando brilha nos palcos internacionais.
Natural de Goiânia, Armando brilha nos palcos internacionais.
Foto: Reprodução/Lauge Sorensen

Atualmente trabalhando como Coryphée no Wroclaw Opera Ballet da Polônia, o jovem goiano iniciou a carreira profissional na África do Sul, em 2017, após o diretor artístico do Joburg Ballet vê-lo em um festival em São Paulo.

“Na época, o diretor dessa companhia estava procurando homens altos para fazer par com as meninas altas. Ele me viu e ficou interessado, pois eu era um menino alto. Eu já tinha ouvido falar da companhia, fiz uma pesquisa e vi que o nível técnico era muito bom e aceitei”, conta Armando. 

Com a companhia, ele trabalhou seis anos, iniciando como corpo de baile até ser promovido a Primeiro Solista. Apesar de se considerar bem sucedido na carreira, Armando relembra que foi um processo árduo - e ainda é para os bailarinos brasileiros, começando na infância.

“Mesmo tendo 15 anos de diferença, olhando para quando eu comecei e os dias de hoje, ainda não se há a mente aberta em perguntar para a criança o que ela gostaria de fazer. Apenas presumir que, se for menino, vamos colocar no futebol e, se for menina, vamos colocar no balé. Esta é a realidade do nosso País”, diz. 

Inseridos nessa realidade, as competições e uma formação profissional de qualidade podem fazer a diferença para um bailarino. “Já adianto que sempre achei extremamente tóxico e me causava muita ansiedade, e existe uma certa pressão para além da que já existe na sala de aula. Mas por que é necessário? Porque você começa a ter entendimento se você realmente quer”, explica.

“Por volta dos 13, 14 anos, a criança já começa a perceber que é sério e entender do quanto você precisa se dedicar para a profissão”, pontua.

As grandes vitrines

“A quantidade de bailarinos que saíram pelo YAGP é gigantesca. Não conseguiria nem dar um número se precisasse”, pontua a diretora do Youth America Grand Prix (YAGP) no Brasil, Katerina Houlis.

O YAGP é uma competição internacional que atrai anualmente milhares de jovens bailarinos. Considerada a maior “audição” para bolsas de estudos de balé do mundo, as seletivas acontecem em vários países no intuito de selecionar os melhores para a final em Nova York, nos Estados Unidos. 

Às vésperas de completar 25 anos de atuação, o evento é um dos principais na dança mundial por não apenas premiar, mas também por oferecer a oportunidade de estudantes vindos de lugares pequenos conquistarem uma vaga em uma renomada escola ou companhia de balé. 

Por lá, passaram talentos brasileiros como a Primeira Bailarina do Royal Opera House de Londres Mayara Magri, o Primeiro Bailarino do Stuttgart Ballet da Alemanha Adhonay Soares, o Primeiro Bailarino do Het Nationale Ballet dos Países Baixos Victor Caixeta e muitos outros. Inclusive, Armando e Alice. 

O Youth America Grand Prix foi criado nos EUA e há 24 anos é porta de entrada de bailarinos do mundo todo para a carreira profissional.
O Youth America Grand Prix foi criado nos EUA e há 24 anos é porta de entrada de bailarinos do mundo todo para a carreira profissional.
Foto: Reprodução/YAGP Brasil

“Esse tipo de competição para nós, no Brasil, é muito importante. Pois temos muitos talentos, boas escolas, mas pouquíssimas companhias e, na maioria das vezes, sem recurso para contratar mais gente”, comenta Katerina. “Não conseguimos empregar todos os talentos, então, infelizmente, precisamos exportar para, pelo menos, a gente dar uma chance para esses jovens seguirem uma carreira e fazerem o que gostam, né?”. 

Katerina pontua que, no Brasil, a maioria desses bailarinos sai de projetos sociais ou de escolas pequenas, e lidar com a desigualdade profissional no País não é fácil. “Os governos investem pouco em cultura, os patrocinadores não tem interesse em investir no bailarino porque o jogador de futebol vai dar muito mais visibilidade. A verdadeira realidade do balé é pouco conhecida. As pessoas acham que o balé é rico por ser bonito e, de certa forma, rico no palco. Ouço falar que bailarinos são ricos, mas não é isto”, comenta. 

“É absurdo a quantidade de talentos que temos. Tanto de alunos quanto de professores. Se houvesse investimento, poderia ter uma companhia por cidade no Brasil, mas não temos apoio suficiente para isso, o que faz com que muitos talentos desistam da profissão”, desabafa Houlis.

Investimento na Cultura

O Ministério da Cultura sofreu bastante com a falta de investimentos no setor durante a pandemia e a última gestão do governo federal. De acordo com um levantamento feito pelo quadro Igualdades da Revista Piauí, apenas em 2022, houve uma queda de 63% em relação a 2018.

De 2019 a 2022, apenas 12,8 mil projetos de cultura foram aprovados para receber recursos por meio da Lei Rouanet, a Lei de Incentivo à Cultura — uma das principais captadoras de recursos para atividades culturais como exposições, festivais e entre outros. De 2015 a 2018, foram 20,8 mil projetos. 

Entretanto, no início da gestão do Governo Lula, foi prometido “reerguer” o Ministério e dar uma maior atenção à cultura. Ainda em janeiro, foi anunciado um investimento de mais de R$ 2 bilhões.

De acordo com a atual gestão, nos primeiros três meses de governo, foi viabilizada a execução de 1.946 projetos no País por meio da Lei Rouanet, com a liberação de quase R$ 1 bilhão de recursos que já estavam captados, mas que estavam “travados pela gestão passada”.

Fonte: Redação Terra
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