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Coronavírus

Carnaval, shows, torcida e praia só devem voltar com vacina

Dificuldade em controlar a propagação diante de aglomerações é o principal fator para que esses eventos sejam suspensos

15 jul 2020 - 10h12
(atualizado às 10h35)
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Ainda sem uma vacina contra o coronavírus, infectologistas e especialistas em eventos esportivos concordam que não é possível liberar atividades que envolvam grande número de pessoas e aglomerações, como carnaval, shows, jogos de futebol com torcida, corridas de rua ou liberação total de praias, por exemplo. E, de certa forma, parte da população concorda com os especialistas.

Pessoas aproveitam praia no Rio de Janeiro, apesar de proibição durante a pandemia de Covid-19
21/06/2020
REUTERS/Ricardo Moraes
Pessoas aproveitam praia no Rio de Janeiro, apesar de proibição durante a pandemia de Covid-19 21/06/2020 REUTERS/Ricardo Moraes
Foto: Reuters

Enquete recente feita pelo grupo de pesquisa em gestão de políticas do esporte da Unicamp mostra que 72% dos entrevistados dizem se sentir inseguros para ir a estádios em eventos esportivos antes que uma vacina ou tratamento para a doença estejam disponíveis. A insegurança e a desconfiança da população são observadas em outros segmentos que retomaram as atividades. Os shoppings, por exemplo, foram reabertos, mas estão vazios.

Também não existe, na opinião de especialistas, um meio termo para autorizar aglomerações. Na multidão, é praticamente inviável manter o distanciamento de um metro e meio entre as pessoas ou controlar o uso de máscaras.

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), já disse que o acesso normal às praias cariocas só será liberado após a descoberta da vacina contra a covid-19. Diante da pandemia, a realização dos desfiles das escolas de samba do Carnaval carioca do próximo ano segue indefinida. A Liga das Escolas de Samba (Liesa) confirmou a intenção de só realizar os desfiles caso a vacina seja apresentada nos próximos meses e nem mesmo um eventual adiamento está previsto. De acordo a Liesa, uma definição precisará ser tomada até setembro. Caso uma vacina não seja apresentada até lá, a tendência é de que o desfile não aconteça no próximo ano.

Na mesma linha, o prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto (DEM), afirmou que o carnaval de 2021 na cidade poderá ser adiado, se não for descoberta uma vacina até novembro.

Em São Paulo, o Centro de Contigência Contra a Covid-19, do governo do Estado, também avalia que, neste momento, não é possível autorizar Réveillon ou Carnaval. De acordo com João Gabbardo dos Reis, a autorização para esses eventos só será possível após a existência de uma vacina. "Esse tema tem dependência da vacina. Vai depender de quando ela poderá estar disponível para a população de maior risco", disse.

"Megaeventos onde não há controle de quantas pessoas participam não estão na visão próxima do centro de contingência. Eu diria que é compreensível a necessidade de planejamento, mas não é algo que o centro de contingência considera possível nesse momento", disse Paulo Menezes, chefe do Centro de Contigência. Na capital paulista, o prefeito Bruno Covas (PSDB) já afirmou que se discute adiamento ou mudanças na realização dos grandes eventos.

Essas medidas, que à primeira vista podem parecer exageradas, são endossadas por especialistas da área de saúde. "Carnaval de máscara? Carnaval significa aglomeração e não tem como conter a multidão. Mesmo num desfile de escola de samba é impossível", diz o médico Alexandre Barbosa, membro titular da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu (SP). O mais seguro neste momento, segundo ele, é deixar suspensas atividades que geram aglomerações.

Essa também é a avaliação do infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Julio Croda. "Enquanto não tiver vacina, não há outra opção. É muito difícil que essas atividades, como shows, partidas de futebol com público, carnaval, por exemplo, sejam retomadas."

"Grandes reuniões onde muitas pessoas estão em contato próximo por longos períodos são muito arriscadas em termos de transmissão, o que pode sobrecarregar o sistema de saúde", alerta Josh Petrie, pesquisador e professor assistente do departamento de epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Por isso, ele acha difícil retomar essas atividades com segurança antes que uma vacina esteja disponível ou que grande parte da população tenha sido infectada.

Além da inexistência de vacina até o momento, um dos fundamentos que sustentam a cautela por parte dos médicos também é o desconhecimento sobre a doença. "Só quem tiver uma bola de cristal vai poder dizer qual será a intensidade da pandemia em fevereiro de 2021, em termos de transmissibilidade de novos casos", diz Barbosa, fazendo referência ao mês do carnaval.

"Não sabemos nada sobre o futuro", concorda Croda, da Fiocruz. Entre as incertezas a respeito da doença, ele aponta, por exemplo, o tempo de imunidade de quem já teve o coronavírus. "Quem pegou covid-19 está imune pelo resto da vida ou só por um curto período de tempo?", questiona.

Especialistas também são céticos em relação a medidas de controle que permitiriam liberar aglomerações, mesmo sem vacina. "Infelizmente, ainda não temos maneiras de realizar esses eventos com segurança", afirma Petrie, da Universidade de Michigan. Ele lembra que algumas ligas esportivas dos Estados Unidos começaram a implementar planos de reabertura, mas tiveram problemas com a infecção dos jogadores, apesar das precauções.

Leandro Carlos Mazzei, cientista do esporte e professor da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, ressalta que, apesar de existir um protocolo, as chances de as pessoas burlarem as regras são muito altas. Como exemplo, ele cita o campeonato de futebol de Santa Catarina, onde houve falhas no protocolo entre os jogadores, e o torneio voltou a ser suspenso. "E não teve aglomeração, só questão do protocolo entre os atletas, imagina se o evento tivesse sido aberto ao público, é bastante complicado."

O especialista considera "quase incontrolável", o comportamento do público. Para implantar e cumprir medidas paliativas como uso de máscaras e distanciamento, seriam necessários controles muito rígidos e um comportamento muito correto das pessoas, o que, na opinião dele, está longe de ser atingido. Ele lembra também da questão jurídica envolvida. Quando são realizados eventos e as pessoas podem ser contaminadas, uma questão que poderá vir à tona é a responsabilidade pela contaminação que pode recair sobre os organizadores.

Estadão
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