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"Brasil volta à berlinda na questão ambiental", diz embaixador

De acordo com embaixador, Brasil era mais visto nos últimos anos como uma liderança da causa ambiental do que uma ameaça

26 ago 2019 - 05h11
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O embaixador Sérgio Amaral, que até há pouco tempo ocupava o mais alto posto do Itamaraty nos Estados Unidos, vê o Brasil de volta à berlinda na questão ambiental depois de um longo processo de recuperação de sua imagem a partir da Conferência Rio-1992. "Nos últimos anos, o Brasil era mais visto como uma liderança da causa ambiental do que uma ameaça porque houve efetivamente um grande progresso", disse o embaixador. Segundo ele, o Brasil tem de dar resposta rápida a questões ambientais. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O Brasil está no meio de uma crise ambiental provocada pelos incêndios na floresta amazônica. O Brasil voltou à berlinda de novo?

Acho que o Brasil voltou para a Berlinda sim na questão ambiental depois de ter feito um longo progresso a partir da Rio92. O Brasil foi tomando progressivamente consciência da importância da questão ambiental: a sociedade brasileira se mobilizou para isso, sobretudo os mais jovens, que têm uma preocupação com esta questão e da Amazônia. O risco desse episódio é a gente perder um longo esforço feito para a consolidação dessa nova visão ambiental, um ativo que o Brasil conquistou.

Qual foi esse ativo?

Nos últimos anos, o Brasil era mais visto como uma liderança da causa ambiental do que uma ameaça porque houve efetivamente um grande progresso. Pouco antes de eu voltar para o Brasil (Amaral era embaixador do Brasil nos EUA até junho), eu participei de uma reunião em Washington em que um dos oradores era o Tom Lovejoy, que é um ícone da causa ambientalista e também um grande biólogo. Ele dedicou toda uma conferência para mostrar como o Brasil tinha evoluído no seu compromisso com a proteção do meio ambiente e da Amazônia mais que as pessoas suspeitavam. E mostrou alguns resultados completos de que como o desmatamento havia sido reduzido, como o Brasil estava adotando políticas para uma série de proteção (ambiental), como tinha mudado a sua posição nos organismos ambientais. O risco que eu vejo nesse episódio é pelo fato de a gente não ter tomado a tempo as providências e reiterado nosso compromisso com a causa ambiental.

Qual o risco que o País corre?

O que temo é que esse longo esforço venha a ficar comprometido e exija que nós comecemos tudo de novo para recuperar o crédito e a confiança. Agora é importante entender a visão dos europeus à questão ambiental. No Brasil, já existe um compromisso muito grande, sobretudo dos mais jovens. Na Europa, esse compromisso é muito maior. Estamos vendo, sobretudo na Europa, uma nova utopia. O compromisso da minha geração com a causa social e igualdade foi substituído pela causa ambiental pelas novas. Os mais jovens são militantes da causa ambiental. Há manifestações ambientais em toda a Europa. Na Alemanha, o Partido Verde ganhou 20% dos votos para o novo parlamento europeu. Um em cada cinco alemães tem compromisso firme com a questão ambiental. Sem querer entrar no debate entre Angela Merkel e (Jair) Bolsonaro, ela está fazendo isso em defesa por uma causa importante para os alemães.

O que significa na prática?

Se não agirmos rapidamente para explicar o que está acontecendo e manifestar um compromisso com esta causa, o risco é que este voto no parlamento pode se transformar num voto do consumidor. Mais do que tarifas, licenças ou eventualmente represálias, o consumidor alemão vai preferir outros países que não o Brasil. Eles vão associar a imagens dos nossos produtos a uma devastação da Amazônia. Na França, também é muito importante.

Lideranças do agronegócio estão preocupadas com as repercussões. A resposta do governo sobre criar estruturas de combate aos incêndios veio tarde?

Acho que é melhor tomar essa medida do que não tomar. Temos de ter políticas preventivas e reparadoras. E temos de ter o cumprimento dessas decisões. As regras (brasileiras) de proteção ambiental são boas. Na verdade, o Brasil fez muita coisa e isso tem de ser reconhecido. Em um momento como esse, de grande emoção e de quase crise mesmo, o Brasil tem de dizer o que vai fazer para cumprir as questões ambientais. Esses compromissos não são com os países estrangeiros: eles têm de ser entendidos como uma decisão da sociedade brasileira de proteger um dos nossos maiores patrimônios, que é a Amazônia e da biodiversidade, que poderá nos dar retorno econômico.

Estadão
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