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Estadão na Antártida, dia 1: A chegada

Neste primeiro dia da jornada, a jornalista Luciana Garbin conta sobre a viagem até o continente gelado

20 fev 2019 - 20h37
(atualizado em 22/2/2019 às 16h47)
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1º DIA

Base chilena Presidente Eduardo Frei Montalva, 18/02/2019, 11h40

Estamos na Antártida, mais especificamente no Aeródromo Tenente Rodolfo Marshall, que fica ao lado da base chilena Presidente Eduardo Frei Montalva, na Ilha Rei George, a maior do arquipélago das Shetlands do Sul. Chegamos num avião Hércules-130 da Força Aérea Brasileira (FAB) - o único que voa para a Antártida - e estamos esperando para embarcar, por meio de bote ou helicóptero, no navio oceanográfico Ary Rongel. É ele que nos levará para o destino principal da nossa viagem: a estação brasileira Comandante Ferraz.

Você já deve ter ouvido falar dela. Em 25 de fevereiro de 2012, a base teve 70% das instalações destruídas por um incêndio de grandes proporções. O fogo começou nos tanques de combustível que alimentavam os geradores da base, se alastrou rapidamente e matou dois militares que tentaram combatê-lo ­ os tenentes Carlos Alberto Vieira Figueiredo e Roberto Lopes dos Santos. Às perdas humanas e materiais, somaram-se prejuízos para as pesquisas científicas, uma das duas razões que justificam a presença do Brasil na Antártida - a outra são interesses geopolíticos.

E o que viemos fazer por aqui? Mostrar em primeira mão como será a novíssima estação brasileira. Sete anos depois do incêndio, a estrutura de US$ 99,6 milhões projetada pelo escritório paranaense Estúdio 41 e executada pela empresa chinesa Ceiec está pronta, e deverá ser inaugurada a partir de 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro. No dia 12 de março acontecerá a entrega da estrutura da base. Nosso plano é contar em detalhes para você como ela é. Nesse videográfico já tem algumas informações interessantes.

Mas, enquanto a gente não desembarca por lá, vale dizer que ter chegado aqui já foi uma bela epopeia. Nossas negociações com a Marinha do Brasil começaram em 2017 e desde então houve três tentativas frustradas de antecipar a viagem. Com direito passagens compradas e depois canceladas. Até decolarmos de São Paulo num voo comercial neste domingo, 17, eu ainda tinha dúvida se de repente não mudaria tudo de novo e surgiria um novo pedido para aguardarmos mais alguns meses. Mas desta vez chegamos a Santiago e aí tomamos outro avião para Punta Arenas, no extremo sul do Chile. Para dar mais tensão ao enredo, minha mala extraviou no voo da Latam com todas as roupas antárticas. E só depois das 22 horas - e com muito custo - consegui reavê-la no aeroporto.

É de Punta Arenas que saem os voos dos cargueiros da FAB. Estipular com certeza a data de decolagem, porém, é impossível. Só se consegue voar para a Antártida quando a janela meteorológica está aberta, ou seja, o piloto tem certeza de que o tempo no meio do caminho vai colaborar. E isso só costuma ocorrer por volta das 22 horas do dia anterior.

Já teve gente que passou uma semana esperando em Punta Arenas e não conseguiu embarcar. Outras tiveram de voltar do meio do caminho. Mas demos sorte e já na primeira tentativa vencemos os 1,2 mil km de distância que separam a ponta da América do Sul da Ilha Rei George, onde ficam bases antárticas de vários países, inclusive as do Brasil e do Chile.

Os aviões da FAB pousam na base chilena porque a estação brasileira não tem aeródromo. E aí desembarcam não só os passageiros de cada voo como várias toneladas de suprimentos.

Quando aterrissamos com outras 53 pessoas, a maioria militares e cientistas, o Ary Rongel já estava à nossa espera. Da base Eduardo Frei até a Comandante Ferraz serão mais três horas e meia de viagem. E teremos nosso primeiro contato por mar com o continente que guarda em forma de gelo nada menos que 70% da água doce do planeta.

Nosso roteiro de viagem inclui passar pelo menos cinco dias na estação brasileira, acompanhar a equipe da Marinha no recolhimento de acampamentos científicos, conversar com pesquisadores vindos de várias partes do Brasil e depois voltar de navio para Punta Arenas cruzando o Drake, mar conhecido como o mais perigoso do mundo por seu mau humor e suas grandes ondas. Mas esses já são temas para os próximos posts...

Antes de terminar, preciso porém voltar à pergunta inicial deste texto: E aí? Topa conhecer o continente mais inóspito do planeta sem precisar nem colocar um casaco?

Vem com a gente então!

Torre de controle do Aeródromo Tenente Rodolfo Marshall, 18/02/2019, 12h30

Uma das coisas que mais se diz quando o assunto é Antártida é que o clima por aqui muda muito rapidamente. E bastou chegarmos para podermos comprovar isso.

A expectativa dos militares durante nosso voo no Hércules era pegar um bote ou um helicóptero para ir da base chilena até o navio Ary Rongel, que vai nos levar até a estação brasileira. Mas, assim que pousamos, fomos informados de que o vento havia ganhado força e passava de 50 km/h, e não daria mais para ir até o navio nem de bote nem de helicóptero. A solução, então, é esperar pelo menos até as 15 horas.

Enquanto a maioria dos integrantes do grupo brasileiro foi até a Base Presidente Eduardo Frei Montalva, distante 1,5 km, ver como os chilenos vivem aqui, eu e o repórter fotográfico Clayton de Souza saímos à procura de internet. E encontramos Wi-Fi, uma das coisas mais almejadas na Antártida, na torre de controle do aeródromo. É daqui que escrevo neste momento.

Lá fora, faz um frio que quase congelou minha mão direita quando me arrisquei a tirar a luva para tentar fotografar a paisagem que nos recepcionou - principalmente pedras e montinhos de gelo. Segundo observadores meteorológicos chilenos, a temperatura agora é de -2°C, mas a sensação térmica é de -20°C por causa do vento.

Mas tem também um sol muito bonito e a claridade é tão intensa que quase ninguém se arrisca a sair de lugares protegidos sem óculos escuros e protetor solar - o meu é de FPS 90.

Segundo a tripulação do Hércules, tivemos sorte com a meteorologia no caminho entre Punta Arenas e a Ilha Rei George. Isso permitiu que o cargueiro da FAB voasse numa média de 550 km/h, numa altitude de 6 mil metros.

Por todo o voo, a cabine de comando permaneceu em contato com bases em Punta Arenas e na própria Antártida, que foram avisando sobre as condições meteorológicas. A preocupação com as condições de visibilidade e a segurança de voo é tão grande por aqui que já houve casos em que, perto do destino, os pilotos acharam melhor retornar a Punta Arenas. E esperar por uma outra oportunidade.

Navio Ary Rongel?, 18/02/2019, 23h37

Depois de algumas horas de espera no aeródromo da base chilena Presidente Eduardo Frei Montalva, o vento diminuiu e os dois helicópteros que ficam permanentemente pousados no Navio Oceanográfico Ary Rongel passaram boa parte da tarde indo e voltando para trazer militares e pesquisadores. Os passageiros foram sendo organizados em grupos de três e orientados a esperar seu voo na gelada pista de pouso da base. Eu fui umas das ocupantes do segundo voo, que durou cerca de 3 minutos e mostrou algumas paisagens desse pedaço da Antártida.

A Ilha Rei George, onde estamos, é um dos pontos mais ocupados do continente austral. Ao lado da base chilena, funciona a base russa Bellingshausen e um pouco mais adiante a estação chinesa da Grande Muralha. Mas há outras seis bases permanentes - de Brasil, Argentina, Peru, Uruguai, Polônia e Coreia do Sul -, além de dois refúgios - de Equador e Estados Unidos.

Chegamos no Ary Rongel por volta das 15h, ainda sem as malas, que vieram depois de bote, e fomos convidados a almoçar na chamada Praça d'Armas do navio, uma espécie de sala de convivência, onde há duas mesas grandes com oito cadeiras cada, televisão e um tipo de bar com cafeteira, água quente para o chá e recipientes de aço inox para servir a comida - no almoço, arroz branco e integral, feijão preto e frango, e no jantar, canja, arroz e hambúrguer à pizzaiolo. Há também uma televisão, que passa o tempo ligada com filmes, dos argentinos estrelados por Ricardo Darín a Bohemian Rhapsody.

Em seguida, fomos dar uma volta para nos ambientarmos no espaço e aprendermos a nos localizar no sobe e desce de íngremes escadas do navio construído na Noruega em 1981 e comprado pela Marinha brasileira por US$ 17,5 milhões em 1993. Substituto do Barão de Teffé, ele deve ser usado pelo menos até 2024 nas operações antárticas.

Às 18h, o Ary Rongel começou a navegar em direção à Baía do Almirantado, onde fica a estação brasileira Comandante Ferraz. Às 23h20, fundeou diante dela. Mas ainda não será desta vez que vamos pisar ali. Como a Comandante Ferraz está lotada de militares e pesquisadores, teremos de permanecer no navio. Que na madrugada terá de voltar novamente para a base chilena.

Amanhã, 19, chega um novo voo da FAB, com mais suprimentos, e o Ary Rongel tem de estar a postos para retirá-los. Também vão desembarcar alguns pesquisadores que ontem não conseguiram descer em Frei, como os militares chamam a base chilena, por causa do mau tempo.

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Curiosidades do 1º dia

Meia hora antes da chegada na Ilha Rei George, foi servido um lanche com sanduíche de presunto e queijo, suco ou refrigerante e uma porção de frutas secas. Antes, os passageiros tinham recebido café, bala e chocolate.

Na Antártida, você pode carimbar seu passaporte a cada base que visita. Este carimbo foi feito na estação chilena.

Estadão
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