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Política

Sarney refuta impeachment e chama Dilma de ”sacerdotisa”

Ex-presidente falou sobre a pressão política que Dilma vem sofrendo e comparou com a sua época no governo

11 mar 2015 - 06h59
(atualizado às 07h38)
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José Sarney ocupou a presidência entre 1985 e 1990
Foto: Agência Brasil

Em meio à crescente pressão sobre o governo Dilma Rousseff, o ex-presidente José Sarney saiu em defesa da presidente e disse que o impeachment reivindicado por parte da sociedade "não tem nenhum sentido".

"Isso não tem nenhum sentido. É apenas uma reminiscência do impeachment do Collor. Mas isso (o impeachment) não ocorre de nenhuma maneira com a presidente Dilma", afirmou Sarney, em entrevista exclusiva à BBC Brasil.

"Pelo contrário, (Dilma) é uma pessoa que tem feito um esforço extraordinário na Presidência e ao mesmo tempo é uma sacerdotisa do serviço público, porque ela é uma mulher que tem tido um trabalho imenso e tem se dedicado de corpo e alma a sua tarefa", completou.

Collor, o primeiro presidente eleito por votação direta após a ditadura militar, em 1989, renunciou três anos depois, pressionado diante de denúncias de corrupção que o implicavam diretamente.

No caso de Dilma, não há provas ou indícios concretos de que ela tenha se envolvido diretamente em algum crime. No entanto, o escândalo de corrupção da Petrobras e o fraco desempenho da economia têm levado ao descontentamento da população com a presidente, cuja popularidade atingiu seu nível mais baixo em fevereiro – apenas 23% de aprovação, segundo o Datafolha.

Nesse contexto, segmentos da sociedade vêm defendendo seu impeachment. O ex-presidente se comparou a Dilma ao afirmar que ambos governaram em momentos complicados, diferentemente de Lula (2003-2010) e Juscelino Kubitschek (1956-1961), que presidiram o país em tempos de expansão da economia mundial.

Presidente Dilma Rousseff  em evento em São Paulo. 10/32015
Presidente Dilma Rousseff em evento em São Paulo. 10/32015
Foto: Paulo Whitaker / Reuters
Entre 2003 e 2007, o crescimento global esteve acima da média histórica e, embora Lula tenha pegado o estouro da crise mundial em 2008, seus efeitos foram sentidos mais longamente no governo de sua sucessora.

"Eu ouvi uma vez do Helmut Schmidt, que foi chanceler da Alemanha (1974-1982) e um homem extraordinário, me dizer que ninguém escolhe o tempo que governa. Ela está governando em tempos difíceis, como também aconteceram no tempo que eu governei."

O governo Sarney foi marcado pela instabilidade política, devido a um temor sobre a possibilidade de retorno dos militares ao poder, e pela crise econômica, com hiperinflação e aumento do endividamento do país.

O maranhense deixou o governo com baixa popularidade também devido a escândalos de corrupção, como as acusações de distribuição irregular de recursos federais para municípios (o que teria favorecido especialmente aliados e a cidade natal de Sarney, Pinheiro, no Maranhão).

As acusações levaram à instalação da CPI da Corrupção, que foi concluída com a aprovação de uma relatório pedindo o impeachment de Sarney. O pedido, porém, foi arquivado pelo então presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira.

Corrupção

Questionado se essa era outra similaridade com a administração de Dilma Rousseff, Sarney disse que nunca enfrentou denúncias da magnitude do escândalo da Petrobras e afirmou que "atacar o adversário de corrupção faz parte das ideias políticas do mundo ocidental".

"Faz parte desqualificar o seu adversário, isso sempre ocorreu. Mas hoje os fatos de corrupção que estão ocorrendo são muito graves, realmente eles ultrapassam todo o entendimento que a gente podia ter a respeito da conduta na vida pública", observou.

A entrevista de Sarney foi concedida antes da divulgação da lista de políticos que seriam investigados por suspeita de envolvimento no caso. A ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney, filha de Sarney, foi uma das citadas - ela nega as acusações.

Para Sarney, a corrupção na Petrobras poderia ter sido evitada se houvesse controle mais rígido sobre as contas da estatal. O ex-presidente apresentou um projeto de lei nesse sentido quando era senador, em 2009. O projeto previa, por exemplo, que todas as estatais fossem fiscalizadas pelos Tribunais de Contas.

O próprio Sarney, porém, já teve seu nome envolvido em uso irregular de recursos da Petrobras. Segundo reportagem de 2009 do jornal O Estado de S. Paulo, a Fundação José Sarney recebeu, a partir de 2005, R$ 1,3 milhão da estatal via Lei Rouanet - sem participar da disputa por edital - para digitalizar documentos históricos, mas até 2009 o serviço não havia sido feito. À época, a fundação negou irregularidades.

"Eu apresentei um projeto de lei que, infelizmente, até hoje a Câmara não votou, mas passou no Senado, criando um regime muito mais rígido de controle das estatais que são, ao mesmo tempo, companhias privadas e públicas, o que afrouxa muito os controles que se deve ter com o dinheiro público."

"Isso que está ocorrendo agora mostra a que ponto é vulnerável esse sistema. Chegou a um ponto que hoje a nação brasileira toda condena e obriga o governo (a mudar o sistema de controle)… A própria presidente, a cada dia, procura tomar providências que possam realmente assegurar para o futuro que coisas dessa natureza jamais possam acontecer", afirmou.

Lula

Antigo adversário do PT, Sarney passou a apoiar os governos petistas já no primeiro mandato de Lula (2003-2006) e também deu apoio político ao ex-presidente quando setores da sociedade pediam sua saída após o estouro do escândalo do Mensalão, em 2005. Ele foi um dos principais incentivadores da aliança entre PT e PMDB, seu partido, formalizada em 2006.

Foto: Ricardo Stuckert/ Instituto Lula / Divulgação

O apoio a Lula foi recompensado quando, em 2009, Sarney enfrentou pesadas acusações de irregularidades em relação a sua conduta como presidente do Senado. O presidente petista foi o principal defensor de Sarney na época.

Ao longo da entrevista, Sarney teceu elogios a Lula e mais de uma vez exaltou a fato de a população ter eleito um ex-operário para dirigir o país, cerca de 18 anos depois do término da ditadura militar.

Questionado sobre a possível candidatura do petista à Presidência em 2018, Sarney afirmou que essa é "uma questão pessoal", que "somente ele pode dizer".

Apesar da defesa pública que faz de Lula e da presidente, houve sinais de desgaste na relação com eles. Sarney ficou incomodado com a falta de apoio mais explícito a seu candidato ao governo do Maranhão, Edison Lobão Filho (PMDB), nas últimas eleições. O pleito foi vencido no primeiro turno por um adversário histórico da família Sarney, Flávio Dino (PCdoB).

Por outro lado, imagens gravadas no momento em que Sarney votava no segundo turno das eleições presidenciais de 2014 indicam que ele teria optado por Aécio Neves (PSDB).

Reeleição

Em seu discurso de despedida do Senado, em dezembro, Sarney disse que se arrependeu de ter ocupado cargos públicos após deixar a Presidência, em 1990.

Ele, que no ano passado encerrou seu terceiro mandato seguido como senador pelo Amapá – somando 24 anos no cargo-, passou a defender nos últimos anos que o Brasil adote um modelo similar ao dos Estados Unidos, em que o presidente, após dois mandatos, não pode mais se candidatar a nada.

"Minha posição é uma posição doutrinária, a que eu cheguei depois que eu vi o exemplo dos Estados Unidos. Depois que cumpre seu segundo mandato, ele pode se dedicar totalmente a serviço do seu país, sem participar da política partidária, se expondo, como eu me expus aqui. E nessa exposição a figura do presidente nunca deixa de sair arranhada", refletiu.

Sarney também defendeu o fim da reeleição, embora tenha votado a favor da emenda constitucional que permitiu essa possibilidade no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).

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