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Política

Irmãos Brazão encomendaram morte de Marielle porque ela se tornou 'ameaça' a negócios, diz PGR

O atentado que matou a vereadora, em março de 2018, foi inserido no contexto da exploração ilegal de loteamentos na zona oeste do Rio

9 mai 2024 - 22h18
(atualizado às 22h42)
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A vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram assassinados há seis anos.
A vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram assassinados há seis anos.
Foto: Divulgação/CMRJ / Estadão

A denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra os supostos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes conta parte da história obscura do avanço da milícia no Rio de Janeiro e da infiltração desses grupos paramilitares nos espaços de poder.

Com sua atuação na Câmara do Rio, Marielle passou a ser vista como uma "ameaça" à expansão e negócios dos milicianos. Por isso foi eliminada. "Foram nas divergências sobre as políticas urbanísticas e habitacionais que os irmãos Brazão perceberam a necessidade de executar a vereadora", afirma a PGR.

O atentado que matou a vereadora, em março de 2018, foi inserido no contexto da exploração ilegal de loteamentos na zona oeste do Rio de Janeiro, área dominada por milicianos.

O deputado Chiquinho Brazão, e o irmão dele, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), Domingos Brazão, denunciados como mandantes do crime, são acusados de manter alianças com diferentes grupos de milícias desde, pelo menos, o início dos anos 2000.

O relacionamento mais estreito seria, segundo a PGR, com criminosos de Oswaldo Cruz, Rio das Pedras e Jacarepaguá, onde os irmãos Brazão exerceriam "autoridade política".

Quando saiu candidato a vereador, nas eleições municipais de 2012 e 2016, Chiquinho Brazão foi o político mais votado em Rio das Pedras. O irmão, Domingos Brazão, que antes de ser nomeado conselheiro do TCE cumpriu quatro mandatos na Assembleia Legislativa do Rio, teve um desempenho parecido. Ele foi o candidato a deputado estadual mais votado na comunidade nas eleições de 2010 e 2014.

"É de conhecimento comum que, nos espaços territoriais controlados por milícias, apenas candidatos por elas apoiados são autorizados a realizar campanha eleitoral. Em contrapartida, os eleitos se comprometem a patrocinar os negócios dos grupos paramilitares junto às instituições de Estado", diz a denúncia.

Uma imagem chama atenção no documento. É uma fotografia antiga de Domingos Brazão em Rio das Pedras, sob a "escolta" de Marcus Vinicius Reis dos Santos, conhecido como "Fininho", um dos líderes da milícia na comunidade.

Em um dos trechos da denúncia, a PGR destaca que os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão investiram em práticas de grilagem nas mesmas áreas de milícia em que constituíram seus redutos eleitorais.

"A convergência de interesses entre os irmãos Brazão e os milicianos de quem se aproximaram tem a ver, essencialmente, com atividades de ocupação, uso e parcelamento irregulares do solo."

Os irmãos controlariam loteamentos irregulares na região de Jacarepaguá, que teriam sido oferecidos ao atirador Ronnie Lessa como pagamento pela execução de Marielle.

Com a ascensão política da família, cargos comissionados na Câmara Municipal do Rio, na Assembleia Legislativa e no Tribunal de Contas do Estado teriam virado moeda de troca com milicianos. Um deles seria Robson Calixto da Fonseca, conhecido como "Peixe", que também foi denunciado. Ele foi assessor de Domingos Brazão na Alerj e no TCE.

"Essa estratégia de associar-se a milicianos, nomeando-os, inclusive, para cargos em órgãos públicos, serviu a dois propósitos, a saber, o de constituir redutos eleitorais nas áreas por eles controladas e o de explorar atividades imobiliárias, por meio de práticas de 'grilagem'", explica a PGR.

Foi assim que, segundo a denúncia, Chiquinho e Domingos Brazão construíram seu patrimônio.

"A 'grilagem' se dava, usualmente, com a utilização de pessoas de baixa renda. Os imóveis eram ocupados e a posse ou propriedade, em seguida, reivindicada. Após a regularização é que o grupo criminoso adquiria os direitos de posse e de propriedade dos bens, diretamente ou por meio de 'laranjas' e pessoas jurídicas interpostas, comercializando-os com lucros exorbitantes."

Os irmãos tinham interesse na aprovação de normas legais que facilitassem a regularização do uso de ocupação de terrenos, sobretudo na zona oeste, e segundo os investigadores passaram a ver o grupo político da vereadora Marielle Franco como um problema.

"Marielle se tomou, portanto, a principal opositora e o mais ativo si´mbolo da resiste^ncia aos interesses econo^micos dos irma~os. Mata´-la significava eliminar de vez o obsta´culo e, ao mesmo tempo, dissuadir outros poli´ticos do grupo de oposic¸a~o a imitar-lhe a postura."

O ex-chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa, também foi denunciado. A Procuradoria-Geral da República afirma que ele usou o cargo para "oferecer a garantia necessária aos autores intelectuais do crime de que todos permaneceriam impunes".

"Rivaldo, beneficiário de quantias mensais fixas pagas por milicianos e contraventores no Município do Rio de Janeiro, encorajou a decisão, prestando, inclusive, auxílio intelectual aos criminosos, ao orientá-los a não executar Marielle Franco durante nenhum trajeto que tivesse a Câmara Municipal como ponto de origem ou de destino", crava a PGR.

Veja quem foi denunciado:

- Chiquinho e Domingos Brazão: apontados como mandantes do crime e denunciados por organização criminosa, pelo homicídio de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes e pela tentativa de homicídio da assessora Fernanda Chaves;

- Rivaldo Barbosa: acusado de usar o cargo para obstruir as investigações, o delegado de Polícia Civil foi denunciado por homicídio e tentativa de homicídio;

- Ronald Paulo de Alves Pereira: o policial militar ajudou a monitorar a vereadora antes da execução e também foi denunciado por homicídio e tentativa de homicídio;

- Robson Calixto da Fonseca: organização criminosa.

Cabe agora ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), analisar a denúncia e decidir se abre uma ação penal. Ele abriu prazo de 15 dias para as defesas rebaterem as acusações. Também flexibilizou o sigilo do processo, que agora é parcial.

Com a palavra, as defesas

A reportagem busca contato com as defesas dos denunciados. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com e fausto.macedo@estadao.com).

Estadão
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