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'Polícia prendeu um varejista do tráfico; as grandes lideranças não aparecem', diz socióloga sobre Rogério 157

Traficante era o mais procurado do Rio desde início do conflito na Rocinha, em setembro, mas especialistas em segurança pública afirmam que prisão não é vitória na dinâmica do crime organizado fluminense.

6 dez 2017 - 19h58
(atualizado em 7/12/2017 às 08h22)
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A prisão de Rogério 157, que chefiava o tráfico na Rocinha e passou a ser o homem mais procurado do Rio desde a guerra que irrompeu na favela em setembro, foi comemorada pela cúpula de segurança do Rio como uma grande vitória - mas está longe de ser "uma virada de página" na segurança pública, alerta a socióloga Julita Lemgruber.

"É importante dizer que a polícia prendeu um varejista. Esses jovens à frente do tráfico no Rio na verdade são varejistas", diz ela, uma das coordenadoras do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Cândido Mendes (Cesec).

"Os grandes traficantes, as conexões internacionais, quem na verdade fornece drogas e armas para esses varejistas nas favelas, esses a polícia não prende. A polícia rotineiramente prende o cara que está na ponta, mas as lideranças nós não vemos serem presas", alerta Lemgruber, que acompanha a evolução da criminalidade no Rio desde os anos 1970 e considera que, "infelizmente, nada melhorou".

"O que incomoda é ver uma grande comemoração com a prisão desse varejista como se significasse uma grande vitória em relação à dinâmica da criminalidade no Rio de Janeiro. Vamos admitir que não é isso. A fila anda", diz ela, considerando que um substituto para Rogério não tardará a assumir o posto.

Rogério Avelino da Silva, conhecido como Rogério 157, foi preso na manhã de quarta-feira na favela do Arará, na zona norte do Rio, durante uma operação que mobilizou quase 3 mil homens das Forças Armadas e das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro e que envolveu também as comunidades de Mandela e da Mangueira.

Quase vizinho de Cabral

Policiais relataram que ele foi encontrado debaixo de lençóis, de cuecas, fingindo que estava dormindo. A casa ficava a algumas centenas de metros do presídio de Benfica, onde o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, está preso, junto a outros réus da Operação Lava Jato.

Rogério 157 foi um dos pivôs da violenta disputa que começou na Rocinha em setembro, quando buscou se desvencilhar do ex-aliado Antônio Bonfim Lopes, o Nem, que mesmo preso em um presídio de segurança máxima em Rondônia continuava comandando o tráfico da Rocinha à distância. Após a ruptura entre os dois, Rogério 157 deixou a facção Amigos dos Amigos (ADA) de Nem e se aliou à rival Comando Vermelho.

O secretário de Segurança Pública do Rio Roberto Sá considerou a prisão "emblemática", lembrando que, já em 2010, ele disparou tiros de fuzil em plena Avenida Niemeyer (que liga os bairros de São Conrado, o morro do Vidigal e o Leblon) e fez dezenas de reféns no Hotel Intercontinental, aos pés da Rocinha. Na ocasião, um grupo de traficantes invadiu o hotel depois de ser surpreendido pela polícia em São Conrado, na volta de um baile funk.

Policiais comemorando prisão em fotos nas redes sociais; para socióloga, captura não muda a dinâmica da criminalidade no Rio
Policiais comemorando prisão em fotos nas redes sociais; para socióloga, captura não muda a dinâmica da criminalidade no Rio
Foto: BBC News Brasil

"Em razão de sua liderança inegável sobre outros criminosos e de ele ter passado a fazer parte dessa facção (o CV), eu vou pedir sua transferência. Queremos essas pessoas presas por muito tempo", afirmou Sá, que quer transferir Rogério para um presídio federal de segurança máxima - como a unidade em que seu desafeto Nem está preso.

De braço-direito a desafeto

A prisão após a invasão do Hotel Intercontinental, em 2011, representeou a primeira passagem policial de Rogério Avelino. Na época, ele atuava como segurança de Nem. Mas com a prisão do "dono do morro" em 2011, Rogério ganhou importância e passou a representar o antigo patrão - até que resolveu alçar voos mais altos.

"Ele continuou sendo uma espécie de preposto do Nem. A partir do momento em que ele tentou crescer e afirmar sua autonomia em relação à liderança do Nem, começou a crise na Rocinha", diz o sociólogo João Trajano Sento-Sé, referindo-se aos dias de intensos tiroteios que levaram a Rocinha a ser cercada pelo Exército durante quase uma semana no fim de setembro.

Desde então, os confrontos na comunidade têm sido frequentes, fazendo vítimas como a turista espanhola María Esperanza Jiménez Ruiz, de 67 anos, que foi morta por tiros disparados por policiais militares em outubro, e uma menina de 12 anos ferida por uma bala perdida quando deixava uma igreja evangélica.

"Mas mesmo entre as lideranças do varejo do tráfico, o Rogério não conseguiu ser um protagonista. Não chegou a esse patamar. Justamente quando tentou afirmar sua autonomia, começou a assinar sua sentença de prisão", diz Sento-Sé, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Apreensão na Rocinha

Em outubro, foi presa Danúbia Rangel, mulher de Nem e, de acordo com as investigações, uma das principais rivais de Rogério na disputa pelo controle do tráfico na Rocinha. Agora, com a prisão de Rogério e sua saída de cena em definitivo, o comando está vago, o que causa apreensão entre moradores da favela. Nesta quarta-feira, boatos sobre possíveis cenários de sucessão no tráfico e de confrontos iminentes circulavam pela favela.

Moradores consultados pela BBC Brasil dizem estar trancados em casa e relatam toque de recolher na comunidade, com mototaxistas deixando de circular e lojas fechando mais cedo.

Para Sento-Sé, a notícia da prisão de Rogério trará um breve alento à imagem combalida das forças de segurança no Rio. "Todos os episódios de confronto armado na Rocinha causam transtornos óbvios na cidade toda por causa de sua localização geográfica, então essa prisão tem apelo à opinião pública. Mas esse efeito terá curta duração, porque a prisão não impacta o cenário que estamos vivendo", considera ele.

O Rio está passando por um rearranjo e um acirramento de disputa pelo controle de pontos de venda de drogas, afirma, um problema "muito maior" que não se resolve com a captura de uma figura "quase secundária".

Infelizmente, acho que não temos muito o que comemorar", considera.

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