Do volume à qualidade: a revolução silenciosa do café do Brasil
Iniciativa da illycaffè ajudou a transformar panorama da produção no país
Por Lucas Rizzi - Maior produtor mundial de café, o Brasil sempre se notabilizou pela quantidade de grãos que saem de sua terra, mas recentemente também começou a ser reconhecido internacionalmente pela qualidade, e um dos gatilhos desta revolução foi o trabalho iniciado há mais de 30 anos por uma das empresas mais emblemáticas do setor, a illycaffè.
O principal símbolo dessa mudança foi o inédito bicampeonato do país no Prêmio Internacional de Café Ernesto Illy, que homenageia o fundador da marca de Trieste e elege o melhor grão do mundo entre cafeicultores de diversas nações produtoras.
O Brasil nunca havia conquistado esse título até 2023, quando subiu no degrau mais alto do pódio com a São Mateus Agropecuária, do Cerrado Mineiro, repetindo a dose em 2024, com a Fazenda Serra do Boné, das Matas de Minas. E o país é candidatíssimo ao tri na 10ª edição do prêmio, que será realizada em 6 de novembro, em Roma.
"Essa é a demonstração mais clara de que o produtor brasileiro realmente está se dedicando à qualidade, algo que anos atrás não acontecia porque não fazia sentido do ponto de vista econômico", diz o diretor da illycaffè no Brasil, Frederico Canepa, em entrevista à ANSA.
A mudança de paradigma começou a ser semeada no início dos anos 1990, em um cenário de preços em baixa e poucos incentivos para os cafeicultores investirem em qualidade, já que cafés de nível superior ou inferior eram remunerados quase da mesma forma.
Fazenda São Mateus Agropecuária, vencedora do Prêmio Internacional de Café Ernesto Illy em 2023Nessa época, a illy enfrentava dificuldades para encontrar lotes de qualidade elevada e homogênea no Brasil, que hoje compõe mais de 50% do blend da marca. A empresa então decidiu criar uma competição para identificar lotes sustentáveis de melhor qualidade: nascia o Prêmio Ernesto Illy de Qualidade Sustentável do Café para Espresso, que continua a ser promovido até hoje e foi o embrião do Prêmio Internacional Ernesto Illy.
"O Brasil sempre foi o maior produtor mundial de café, mas a qualidade de sua produção não era reconhecida", explica Canepa.
Além de oferecer vultosos prêmios em dinheiro aos vencedores, a empresa italiana adquiria os lotes de café diretamente dos candidatos por cifras bem mais altas do que aquelas praticadas no mercado, desde que a qualidade atingisse os exigentes padrões da marca. A mensagem era clara: se os cafeicultores investissem na qualidade do café, haveria alguém disposto a recompensá-los, ano após ano.
A partir da pequena quantidade adquirida na primeira edição do prêmio, o sistema de compras e pagamentos diretos, com preços superiores em reconhecimento à qualidade, se consolidou e se multiplicou nos anos seguintes, apesar de uma certa resistência inicial de fazendeiros acostumados a antigos processos enraizados desde os tempos de seus avós ou bisavós. "Os cafeicultores começaram a entender que aquilo era benéfico para eles, e daí teve início essa linda relação, que eu chamaria de revolução", afirma o executivo.
Com o tempo, a illycaffè passou a comprar café diretamente dos produtores no Brasil fora do âmbito da premiação, estratégia também exportada para outros países, realizando visitas a fazendas para propagar conhecimento e mostrar como elas poderiam atingir os padrões mais altos de qualidade em todas as etapas da produção.
Atualmente, mais de mil cafeicultores brasileiros fornecem de maneira recorrente para a empresa, que alavancou seu crescimento ao apostar no relacionamento direto com os produtores.
"Hoje, além de ser o maior produtor mundial de café, o Brasil também é reconhecido por sua excelente qualidade, no mesmo nível que qualquer outra entre as origens mais famosas, como Colômbia, Etiópia ou Guatemala, guardando, evidentemente, as devidas características específicas de cada região", ressalta Canepa, destacando que esse cenário também beneficia outras empresas torradoras. "Houve uma melhora geral na qualidade do café brasileiro, e a illy teve uma participação importante nesta melhora", diz.
Ao longo dos últimos anos, a marca italiana também tem investido em pesquisas que geraram conhecimento propagado em simpósios e visitas para disseminar a cultura da agricultura regenerativa, bandeira do presidente da empresa, Andrea Illy, e que prega um modelo de plantio que une a produtividade à preservação do meio ambiente, garantindo a fertilidade do solo e a proteção da biodiversidade em longo prazo.
"Esse é o caminho do futuro e a solução do dilema entre produzir muito exaurindo a terra ou produzir pouco para preservá-la. Com a agricultura regenerativa, é possível obter o melhor dos dois mundos, com alta produtividade enquanto não só se preserva, mas também se regenera o solo", garante Canepa.