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'Descobri que a minha gravidez era um câncer'

Hiromi Miyata fez exames que apontaram que ela estaria grávida. Mas logo após suposto aborto, ela descobriu que nunca houve gravidez, pois era um câncer na placenta.

13 fev 2020 - 15h59
(atualizado em 14/2/2020 às 12h02)
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Hiromi Miyata, de 20 anos, pensou que realizaria sonho de ser mãe, mas logo descobriu que o que crescia em seu útero era um câncer
Hiromi Miyata, de 20 anos, pensou que realizaria sonho de ser mãe, mas logo descobriu que o que crescia em seu útero era um câncer
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

A jovem Hiromi Miyata se casou aos 19 anos, em maio de 2018. Meses depois, recebeu uma notícia que aguardava desde que oficializou a união: estava grávida.

A gestação era motivo de alegria para ela, para o então marido e para os parentes. "Foi um momento de emoção, porque desde antes de me casar já planejava como seria o meu bebê", diz Hiromi, que mora em Mundo Novo (MS).

Com pouco mais de um mês de gestação, ela teve enjoos frequentes e sangramentos constantes. Quando completou dois meses de gravidez, o médico informou que ela teria sofrido um aborto.

Semanas depois, a jovem descobriu que nunca esteve grávida. Isso porque, pouco após o óvulo dela ser fecundado, em vez do surgimento de um embrião, um tumor começou a crescer em sua placenta (que se desenvolve no útero a partir da fertilização) e se tornou uma neoplasia trofoblástica gestacional — um câncer de placenta.

A massa que se desenvolveu no útero da jovem é conhecida como mola hidatiforme invasiva, uma espécie de tumor que cresce na placenta e costuma ser confundido, a princípio, com uma gestação — pois também eleva os níveis de beta HCG, o hormônio da gravidez.

"O meu útero nutriu a massa desse câncer como se fosse um bebê. Por isso produzi muito beta HCG e meus exames deram positivo para a gestação. O meu corpo entendeu que eu estava grávida e agiu assim", diz Hiromi à BBC News Brasil.

Estudos apontam que essa mola pode surgir a partir do crescimento de um óvulo fertilizado de modo anormal ou em casos de crescimento excessivo da placenta, durante o desenvolvimento dela.

Pesquisas apontam que a doença é considerada pouco frequente, porém, não existem estatísticas oficiais. Há estudos que dizem que as doenças trofoblásticas representam menos de 1% dos cânceres do sistema reprodutor feminino.

Hiromi ao lado do ex-marido, Ricardo Gatti, logo após exames apontarem a gravidez
Hiromi ao lado do ex-marido, Ricardo Gatti, logo após exames apontarem a gravidez
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Quando Hiromi recebeu o diagnóstico da doença, o câncer estava em estágio avançado. Os planos de ter um filho deram lugar à luta pela vida.

"Do momento em que descobri que nunca estive grávida até o fim do tratamento contra o câncer, vivi um grande misto de emoções. Precisei ser muito forte para lidar com tudo isso", declara.

Os sintomas

Depois do casamento, Hiromi começou a sentir sintomas de uma gestação. "Tive muitos enjoos, a minha barriga e os meus seios começaram a crescer e logo pensei que pudesse estar grávida", diz.

Ela fez exame de gravidez e deu positivo. "Fiquei muito feliz com o resultado. Era o que planejávamos para aquele momento", diz. Ela, que hoje tem 20 anos, afirma que sempre quis ser mãe cedo.

Hiromi foi ao hospital e fez um ultrassom que atestou que ela estava grávida de, aproximadamente, um mês. "O médico me disse que era uma gestação inicial, então eu não conseguiria ver muita coisa. No exame, consegui ver um pontinho no meu útero, que pensei que fosse o meu filho."

Ela ganhou diversos presentes de familiares para comemorar a chegada do bebê. "Foi um momento muito especial", diz.

Antes do câncer, jovem era apegada ao cabelo e tinha os fios até a cintura
Antes do câncer, jovem era apegada ao cabelo e tinha os fios até a cintura
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

A preocupação de Hiromi com a gestação surgiu quando começaram os sangramentos frequentes. "Tomei remédios para tentar segurar o bebê, mas nada parecia adiantar", diz. O médico afirmou que eles deveriam esperar algumas semanas para que pudessem avaliar a situação do feto.

"Quando completei oito semanas de gravidez, fiz um ultrassom que mostrou que não havia batimentos cardíacos no feto. O médico me disse que eu tinha perdido o bebê", relata a jovem. A notícia da perda abalou a família.

"Foi muito decepcionante descobrir que não seríamos pais, porque a gente esperava muito ter um filho", diz o agricultor Ricardo Gatti, de 19 anos, que na época era o marido da jovem.

A oncologista Junia Thirzah Gehrke, responsável por acompanhar o caso de Hiromi, afirma que uma doença na placenta pode ser interpretada como gestação até a quinta ou sexta semana da suposta gravidez. "O ideal é que a mulher faça o pré-natal completo, para que os médicos possam dar um diagnóstico corretamente o quanto antes", explica.

"Mas é importante dizer que essas doenças são raras. O mais comum é que a mulher engravide e tenha uma gestação normal, sem esse tipo de problema grave", acrescenta a especialista.

Após ser informada de que teria perdido o filho, Hiromi fez uma curetagem — procedimento de limpeza do útero. Os sintomas da gestação, porém, permaneceram.

"Era como se o bebê ainda estivesse no meu útero, mesmo após ter sido retirado", diz Hiromi. Ela continuou com enjoos e sangramentos frequentes — e a barriga continuou crescendo como a de uma gestante.

Ela fez exames, que apontaram a presença do câncer. O que havia sido eliminado na primeira curetagem, na verdade, eram as primeiras partes da mola, que continuou crescendo mesmo após o procedimento.

"Precisei fazer outras duas curetagens, mas, ainda assim, a massa continuava crescendo e meus níveis de beta HCG permaneciam altos, como se eu estivesse gestante", diz.

"Passei por mais exames e descobri que essa mola se transformou em um câncer", relembra Hiromi.

A doença

A descoberta do câncer abalou profundamente Hiromi. "Quando recebi o diagnóstico, gritei, chorei e esperneei. Achei que fosse castigo, mas logo fui buscando forças para enfrentar essa situação", revela.

Ela conta que recebeu apoio do então marido e da família, principalmente da mãe.

Durante tratamento contra o câncer, jovem teve de raspar o cabelo
Durante tratamento contra o câncer, jovem teve de raspar o cabelo
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Em dezembro de 2018, a jovem deu início ao tratamento contra a doença. No início de 2019, os exames apontaram uma metástase no pulmão e que a mola não parava de crescer. O tratamento, que a princípio envolveria um protocolo menos invasivo de quimioterapia, foi intensificado.

Por oito meses, ela passou por diversas sessões de quimioterapia em um hospital público de Dourados (MS), a cerca de 240 quilômetros da cidade em que mora. No período, ficou extremamente fraca e perdeu todos os pelos do corpo.

"Eu tinha um cabelo muito longo e decidi deixá-lo curtinho assim que eu descobri a doença, porque sabia que ficaria careca. Acho que esse momento foi mais difícil do que quando raspei o cabelo, durante a quimioterapia, porque quando comecei o tratamento já estava preparada para ficar careca", conta.

Em setembro passado, ela encerrou os tratamentos. A jovem passou por novos exames que apontaram que o câncer sumiu. "Também não tenho mais a mola em meu útero", comemora.

"O tratamento da Hiromi foi um sucesso. Ela teve uma remissão completa da doença. Ela não tem mais o câncer ativo", explica a oncologista que acompanhou a jovem.

Mas Gehrke pondera que será necessário fazer acompanhamento frequente por, aproximadamente, cinco anos. "É um período necessário para avaliar se a doença não irá voltar. A gente ainda não pode falar em cura. Mas estamos otimistas. O acompanhamento agora é importante para que possamos identificar qualquer problema logo no início", explica a médica.

Após a quimioterapia

Hiromi comenta que o fim do tratamento foi um dos momentos mais importantes da vida dela. "Nunca pensei que essa doença fosse me derrubar. Sempre acreditei na cura", pontua.

Desde o fim da quimioterapia, a jovem decidiu recomeçar a vida. No fim do ano passado, terminou o casamento de um ano e meio. "Decidimos terminar. Mas é necessário dizer que ele foi uma pessoa muito importante, principalmente porque esteve ao meu lado durante toda a minha luta contra a doença."

Após doença, ela afirma que quer recomeçar a vida e fazer faculdade de biologia
Após doença, ela afirma que quer recomeçar a vida e fazer faculdade de biologia
Foto: Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Ela revela que ainda sonha ser mãe, mesmo sem ter certeza se conseguirá gerar uma criança em seu útero — em muitos casos de neoplasia trofoblástica gestacional é comum que as mulheres tenham muita dificuldade para engravidar ou até tenham de retirar o útero, para evitar novos problemas de saúde.

"Tenho que esperar, ao menos, dois anos para tentar uma gestação, pois antes disso há 50% de chances de eu desenvolver um novo câncer caso eu tente engravidar. No momento, ainda tenho muito medo", diz a jovem. Ela não descarta adotar uma criança futuramente. "Mas ainda sonho muito com a minha gravidez", afirma Hiromi.

Além de querer um filho, ela, que terminou o ensino médio pouco antes do casamento, quer fazer faculdade de biologia. "Gosto muito dessa área e sempre sonhei em fazer esse curso", diz a jovem, que planeja se tornar professora.

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