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Companheira de Vieira de Mello critica ONU na investigação de atentado

19 ago 2013 - 13h04
(atualizado às 15h23)
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Carolina Larriera cumprimenta o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon
Carolina Larriera cumprimenta o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon
Foto: Getty Images

Carolina Larriera, companheira de Sergio Vieira de Mello no momento de sua morte há dez anos em um atentado contra as Nações Unidas no Iraque, criticou em entrevista à AFP a atuação da ONU na investigação do ataque que vitimou o diplomata brasileiro que era enviado do organismo no país árabe há dez anos.

"Dado o caráter inusitado e a gravidade do atentado, o esperado é que fosse investigado e as atividades esclarecidas. No entanto, o que primou foi a falta de ação e os poucos indícios que surgiram sobre os autores foram ignorados ou sabotados", assinalou a ex-funcionária da ONU, de 40 anos.

A seguir as respostas de Larriera, de origem argentina, enviadas por e-mail à AFP, sobre o atentado com caminhão-bomba contra a sede da ONU no Iraque, em 19 de agosto de 2003, quando, além de Vieira de Mello, 21 pessoas morreram e 200 ficaram feridas.

AFP: Como lembra do atentado e do resgate?

Larriera:

Terrível. Preferia não lembrar. No dia do atentado, eu me encontrava a poucos metros do Sérgio quando a bomba explodiu. Eu tentei encontrá-lo vivo entre os escombros, falar com ele, buscar ajuda. No entanto, durante anos, transitei na amnésia da organização e, apesar de ser sua funcionária internacional, sequer me incluiu na lista de sobreviventes e não teve interesse em ouvir meu testemunho.

É importante para mim, para honrar nossa relação e nossos projetos em comum, que se consiga uma investigação a fundo e verdadeira.

Não foram apenas os terroristas que acabaram com minha vida, e sim todos que tentaram tergiversar e reescrever a história do Sérgio, nossa relação e a forma como morreu.

Sérgio, considerado o mais idôneo sucessor de (então secretário-geral da ONU) Kofi Annan, foi vítima do atentato terrorista no primeiro e mais sério ataque contra a ONU desde sua fundação. Morreram outras 21 pessoas e houve mais de 200 feridos.

Como ex-funcionária sobrevivente do atentado e companheira de Sérgio posso dizer que até hoje nenhuma das vítimas, sobreviventes, familiares, amigos e milhares de funcionários 'da casa' compreenderam as circunstâncias precisas do atentado, os motivos dos autores, e a responsabilidade penal e moral que cabe a quem permitiu e possibilitou a agressão, como ponto de partida para cicatrizar feridas.

Ao invés disso, foram enterradas as circunstâncias do incidente com bustos e discursos comemorativos.

Dado o caráter inusitado e a gravidade do atentado, o esperado é que fosse investigado e as suas atividades esclarecidas. No entanto, o que primou foi a falta de ação e os poucos indícios que surgiram sobre os autores foram ignorados ou sabotados

Awraz Andel Aziz Majmoud Said (ndlr: um terrorista detido pelo atentado) estava disposto a revelar sua participação no fato, no entanto, os múltiplos pedidos internacionais, em particular do Relator Especial sobre a Independência dos Juízes e Advogados, foi executado antes de prestar depoimento ante a justiça.

AFP: Como lembra o papel de Vieira de Mello no Iraque?

Larriera:

Em nossos últimos meses ali, nosso diálogo com a Coalizão quase foi interrompido. E Sérgio tentava desesperadamente dar a ela uma dimensão multilateral.

Celso Amorim, hoje ministro da Defesa do Brasil e que durante uma década esteve à frente das Relações Exteriores, conta em seu último livro que Sérgio havia confessado a ele que a situação no Iraque era dramática, que estava muito preocupado, que a cada dia tinha mais problemas com a Coalizão e que com a ajuda do Brasil podia dar a ela uma dimensão multilateral.

"Não sou propenso às teorias conspiratórias, mas é difícil lembrar deste episódio sem se perguntar se o ponto fraco, da ótica da segurança, não foi enfraquecido deliberadamente, talvez para desviar os eventuais ataques para o alvo mais buscado, a administração militar norte-americana", escreveu Amorim em seu livro.

Minha confiança no Brasil se baseia no fato de não se conformar com as explicações vazias e de ter uma atitude mais transparente, mais honesta. Diferentemente da burocracia da ONU, que se comportou formalista, me negou como (parte da) família e ignorou minha situação como funcionária sobrevivente.

AFP: Como era Sérgio Vieira de Mello, como se lembra dele?

Larriera:

A trajetória de Sérgio foi ampla, complexa e nela se reflete o mais ressonante dos últimos 40 anos. Empreendeu a mais difícil e bem-sucedida experiência da ONU: construir do zero um país e, junto com os patriotas timorenses, o processo de independência de Timor-Leste.

Eu era a companheira de Sérgio. Vivíamos uma relação afetiva tão profunda quanto solidária. Ela nasceu nos primeiros anos do Timor-Leste, onde trabalhávamos em condições de grande adversidade. Nós dois éramos funcionários de longa data da ONU, compartilhávamos a paixão por nosso trabalho e compreendíamos o quanto ele era necessário.

Os poucos momentos de descanso eram com a minha família na Argentina, país onde ele passou os primeiros anos de sua infância, e com as generosas refeições na casa de Gilda, sua mãe no Brasil, para onde sempre retornava.

Também o acompanhei quando foi designado em Nova York como Alto Comissário dos Direitos Humanos e, tempos depois, ao Iraque.

AFP Todos os direitos de reprodução e representação reservados. 
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