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Cidades

Tubarões 'invadem' Camboriú após obras na faixa de areia

Desde agosto, pelo menos 16 espécimes de porte médio foram avistados na região; um deles chegou a esbarrar em uma surfista

22 out 2021 - 19h05
(atualizado em 23/10/2021 às 10h12)
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Uma quantidade maior de tubarões passou a frequentar, nos últimos meses, as praias do Balneário Camboriú, um dos principais destinos turísticos do verão brasileiro, no litoral norte de Santa Catarina. Desde agosto, pelo menos 16 espécimes de porte médio foram avistados na região. Um deles chegou a esbarrar em uma surfista. Especialistas acreditam que o aumento nas aparições desses animais pode estar relacionado com as obras de alargamento da faixa de areia da Praia Central do balneário. A prefeitura disse que a obra respeita todas as normas ambientais.     

No último dia 13, um grupo de surfistas avistou um tubarão de quase um metro quando praticava o esporte na Praia Central, no balneário. O surfista Pita Tavares, de 41 anos, contou que o animal bateu a cauda em sua perna e resvalou a cabeça em suas costas. Conforme o relato, há 30 anos surfando no local ele jamais tinha visto um tubarão por ali. Dois dias depois, um morador socorreu e arrastou para o mar um tubarão com cerca de 30 quilos que havia encalhado na Praia Central. Um mês antes, um tubarão maior, com cerca de dois metros, foi visto nadando no trecho em que acontecem as obras de alargamento da faixa de areia.

Especialistas veem com ressalvas projetos de dragagem e alargamento de praia, como o de Camboriú
Especialistas veem com ressalvas projetos de dragagem e alargamento de praia, como o de Camboriú
Foto: Isaac Orcino/divulgação / Estadão

Com base nas imagens, a equipe do Museu Oceanográfico da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) identificou o animal como um tubarão-martelo jovem. O curador do museu, professor Jules Soto, acredita que a presença maior dos tubarões se deva ao trabalho das dragas que movimentam a areia na praia, fazendo com que haja maior dispersão de pequenos moluscos e outros alimentos para os peixes que, por sua vez, atraem os tubarões. "Quando a dragagem cessar, os tubarões não devem mais chegar tão perto da praia", disse.

Segundo ele, os tubarões são sensíveis aos ambientes em que vivem e qualquer alteração nesses ambientes gera um distúrbio na dinâmica local. Soto, que participou do primeiro estudo sobre ataques de tubarões em Recife, na década de 1980, disse que as espécies potencialmente agressivas não ocorrem em Santa Catarina. "As pessoas associam tubarões a ataques, mas não é bem assim. Eles têm aparecido em maior número, mas sem representar risco."

Para o oceanógrafo Rodrigo Cordeiro Mazzeloni, professor da Univali, a relação do aparecimento maior de tubarões com as obras na praia pode, sim, existir. "Quando temos uma obra de grande porte, pode ser em uma praia ou em uma rodovia, a gente acaba mexendo no equilíbrio da natureza. Algumas espécies animais fogem do local, enquanto outras acabam se aproximando, atraídas pelo movimento", disse. Segundo ele, é preciso estudar mais o que está acontecendo. "Se for essa a razão, ao final da obra, o equilíbrio ambiental tende a se restabelecer", pontuou.

Conforme Mazzeloni, a presença de tubarões no litoral é registrada desde as décadas de 1930 e 1940. "É fato que estão acontecendo avistamentos mais frequentes, mas hoje temos muito mais gente nas praias e muitos com celulares, o que facilita o registro", disse. Ele afirma que a possibilidade de ataques a pessoas é muito remota. "As espécies são de menor porte do que aquelas encontradas, por exemplo, em Recife, onde os ataques costumam acontecer. Lá são espécies de tubarões maiores que habitam águas mais quentes e que não ocorrem em nossa região. Um ataque aqui seria um fenômeno raríssimo."

PRAIA MAIS LARGA

As obras começaram em março deste ano, mas a interferência maior na maré teve início no dia 22 de agosto, quando as dragas começaram a remexer a areia. O projeto prevê alargar a faixa de areia dos atuais 25 metros para até 70 metros. A previsão é terminar a obra em novembro deste ano. De acordo com a prefeitura, a ampliação vai proteger a orla contra o avanço das marés e ampliar o espaço para banhistas e turistas, já que será possível construir uma ciclovia e aumentar o paisagismo.

A secretária do Meio Ambiente, Maria Heloisa Lenzi, disse que o município monitora a presença de tubarões ao longo da orla, assim como de outros espécimes da fauna. Segundo ela, não há como comprovar a relação entre os avistamentos recentes de tubarões e as obras na praia. A intervenção teve licença ambiental concedida em 15 de dezembro de 2020 pela comissão central de licenciamento do Instituto do Meio Ambiente (IMA) do Estado. Ao custo de R$ 67 milhões, os serviços estão sendo realizados por um consórcio de duas empresas que venceu a licitação realizada pela prefeitura.

A intervenção acontece no momento em que o Balneário Camboriú experimenta uma das maiores valorizações imobiliárias do Brasil, segundo o Conselho Regional de Corretores de Imóveis de Santa Catarina (Creci/SC). Embora a prefeitura afirme que esse não é um dos objetivos da obra, o alargamento das praias vai reduzir o sombreamento da faixa de areia pelos edifícios altos e espigões construídos ao longo de toda a orla.

Nos estudos para o licenciamento, foram previstos maiores impactos ambientais durante a realização dos serviços, como a redução da produtividade biológica, afetando principalmente a atividade pesqueira, perturbação sonora sobre pequenos cetáceos e aumento na turbidez da água. Conforme o município, o licenciamento ambiental previu 21 programas de avaliação e redução desses impactos, entre eles o monitoramento da avifauna (aves, peixes e moluscos), da pesca artesanal, e do regime das marés.

Entre os impactos positivos que devem acontecer após a conclusão da obra, estão modificação nos padrões de erosão na orla, melhoria nas condições de lazer para os usuários, maior área de reprodução e alimentação para as espécies marinhas e geração de renda devido ao aumento no turismo. Soto disse ser favorável ao 'engordamento' da praia. "Vai recuperar um ecossistema que estava perdido, pois praticamente não havia mais praia", disse.

Estadão
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