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Tragédia em Santa Maria

CPI que investiga tragédia decide não ouvir os sócios da Kiss

Presidente da comissão confirmou que prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, irá à Câmara de Vereadores para depor

9 mai 2013 - 19h29
(atualizado às 19h46)
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A CPI da Câmara de Vereadores de Santa Maria anunciou nesta quinta-feira a decisão de não ouvir os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann
A CPI da Câmara de Vereadores de Santa Maria anunciou nesta quinta-feira a decisão de não ouvir os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Vereadores de Santa Maria (RS) anunciou nesta quinta-feira a decisão de não ouvir os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann. As oitivas haviam sido solicitadas em um requerimento pelo advogado da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Jonas Espig Stecca, que compõe a mesa da comissão.

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Outro pedido feito pelo advogado foi atendido: a presidente da CPI, vereadora Maria de Lourdes Castro (PMDB), confirmou que o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB), vai ser convidado para depor. Ela adiantou que já teve uma conversa informal a respeito disso com o chefe do Executivo e que ele se dispôs a ir à CPI.

Cerca de 20 familiares de vítimas acompanharam a reunião da CPI e foram responsáveis por um “murmúrio coletivo” no momento em que a presidente anunciou que não iria ouvir os sócios da Kiss, que estão presos preventivamente na penitenciária estadual de Santa Maria. 

“A CPI vem para fazer um trabalho em função da administração pública para ver se houve alguma irregularidade que possa ter levado à tragédia. O crime é uma questão de Justiça, não é legislativa. Foi por isso que nós tomamos essa decisão. Na CPI, tem que ser ouvidas pessoas ligadas à administração pública. Nós não vamos ouvi-los em função disso. Eles são réus”, justificou-se a vereadora Maria de Lourdes.

A presidente já chegou à reunião da CPI com a decisão tomada. De acordo com Maria de Lourdes, ela e os outros vereadores da comissão, Sandra Rebelato (PP) e Tavores Fernandes (DEM), encontraram-se na semana passada e discutiram a questão de chamar os dois réus para depor na comissão.  Mais uma vez, uma decisão da CPI foi tomada em uma reunião que não era pública.

Na última segunda-feira, os três vereadores que integram a CPI tiveram um encontro com o juiz Ulysses Fonseca Louzada, responsável pelo processo criminal sobre a tragédia, para saber o que ele achava de os dois sócios da casa noturna serem ouvidos pelos políticos. Louzada disse que a CPI tem legitimidade para ouvir os presos e, se entendesse assim, deveria encaminhar um pedido a ele.

Na reunião, o advogado Jonas Espig Stecca deixou registrado seu protesto pela decisão dos vereadores. A presidente da CPI respondeu, dizendo que ele só está compondo a mesa  da comissão por ter sido convidado pelos vereadores, o que foi encarado como uma ameaça por alguns familiares de vítimas. Depois da reunião, Stecca ainda tomou uma “chamada” de dois colegas advogados, a vereadora Sandra Rebelato e o procurador da Câmara, Robson Zinn, por ter se manifestado, o que levou a uma reação favorável do público. 

O advogado Jader Marques, defensor de Elissandro Spohr, chegou à Câmara depois da reunião da CPI. Ele disse que tinha acabado de vir de um encontro com Kiko na penitenciária, e que gostaria de ter manifestado aos vereadores o desejo de seu cliente de ser ouvido na comissão.

"Toda a fiscalização que aconteceu foi feita sobre ele (Kiko). Quem pode dizer quem esteve lá dentro fiscalizando é ele. Para que a CPI então? O Kiko falaria sobre qualquer aspecto, é só fazerem as perguntas. Não interessa à Câmara fazer essas perguntas?”, comentou Marques.

Toda a reunião foi tensa. Quando o vereador Werner Rempel (PPL), líder da oposição ao prefeito Schirmer, questionou a presidente da CPI sobre um pedido que ele havia feito para que se insistisse na tentativa de ouvir o ex-secretário de Controle e Mobilidade Urbana de Santa Maria, Sérgio Renato de Medeiros fosse, ele disse que esqueceu da solicitação. Quando ouviu isso, Celenir Torres, tia de Flávia Maria Torres, vítima da tragédia, saiu revoltada do local da reunião. “Nós não esqueceremos nossos filhos”, sentenciou. 

A vereadora Maria de Lourdes disse que fez consultas sobre a possibilidade de Medeiros ser obrigado a depor. Ela garantiu que não há previsão para isso e ainda cometeu uma gafe, ao comentar que o ex-secretário não foi ouvido nem no inquérito da Polícia Civil, onde ele já foi ouvido. 

No final do encontro, o vereador Tavores Fernandes ainda foi cobrado por alguns familiares de vítimas.  

A CPI da Câmara de Vereadores de Santa Maria foi instalada no dia 5 de março e tem 120 dias para concluir os trabalhos. Já foram ouvidas 20 pessoas. Na próxima semana, não haverá reunião da comissão, em função de viagens de vereadores e do advogado da associação, mas deve ser anunciada a agenda dos próximos depoimentos. Na fila para serem ouvidos, já estão um engenheiro, um arquiteto e três fiscais, todos servidores municipais, e o ex-sócio da Boate Kiss Alexandre Costa.  

Tensão continuou na sessão plenária

Os familiares das vítimas seguiram na Câmara de Vereadores, onde prestigiaram a sessão plenária de logo depois. A expectativa era por uma discurso de Carina Corrêa, mãe de Thanise Corrêa Garcia, 18 anos, que morreu na tragédia. Ela pretendia ocupar o espaço da Tribuna Livre, que é concedido a entidades antes da sessão.

O espaço de 10 minutos estava reservado para Valdecir Pinto Oliveira, da Associação Comunitária da Vila 10 de Outubro, mas ele só fez uma manifestação inicial e cedeu seu tempo a Carina. Esse ato não é previsto no Regimento Interno da Câmara, mas o presidente da Casa, Marcelo Bisogno, admitiu que isso não foi levado em conta nesta quinta.

Carina fez um discurso forte, garantindo que não pode ser considerada oposição ao governo municipal. “O que chamam de oposição, eu chamo de democracia. Só queremos justiça”, disse.  Ela ainda pediu que o prefeito contrate especialistas para atender familiares de vítimas e manifestou seu repúdio ao livro “Kiss – Uma Porta para o Céu”, do padre Lauro Trevisan. Carina ainda se mostrou esperançosa: “Podemos presenciar a primeira CPI que não vai virar em pizza”.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 241 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
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