PUBLICIDADE

Tragédia em Santa Maria

Arquiteta que reformou Boate Kiss não comparece a CPI no RS

Manhã de depoimentos foi frustrante, pois apenas duas pessoas foram à Câmara de Vereadores de Santa Maria, sem relatar nada de novo

22 mai 2013 - 17h40
(atualizado às 17h45)
Compartilhar
Exibir comentários
Os depoimentos desta quarta-feira se resumiram a duas fiscais municipais. A primeira foi Isabel Cristina Alfaro Medina
Os depoimentos desta quarta-feira se resumiram a duas fiscais municipais. A primeira foi Isabel Cristina Alfaro Medina
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Os depoimentos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Vereadores de Santa Maria foram retomados na manhã desta quarta-feira com um sentimento de frustração. Das quatro pessoas chamadas para depor, apenas duas compareceram, sem relatar nada de novo. A presidente da CPI, vereadora Maria de Lourdes Castro, anunciou que a arquiteta Liese Basso Vieira, que não foi depor, deve ser intimada depois que for enviado um ofício à Justiça fazendo essa solicitação, conforme prevê o Regimento Interno da Câmara.

A tragédia da Boate Kiss em números
Veja como a inalação de fumaça pode levar à morte 
Veja relatos de sobreviventes e familiares após incêndio no RS
Veja a lista com os nomes das vítimas do incêndio da Boate Kiss

Liese foi a responsável pelo projeto de reforma do prédio para a instalação da Boate Kiss com a também arquiteta Cristina Gorki Vieira. Em depoimento à Polícia Civil, Liese declarou que o projeto foi refeito, com as correções dos 29 apontamentos feitos pelo Escritório da Cidade, autarquia do município, e, depois, foi entregue à prefeitura. Ela disse também que recebeu a informação de Alexandre Silva da Costa – na época, um dos donos da Kiss – de que o projeto havia sido aprovado pela prefeitura depois das correções, diferentemente do que a Polícia Civil apurou. Por insistência do advogado de Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, Jonas Espig Stecca, a arquiteta deve ser intimada, pois a justicativa apresentada à CPI para não ir depor foi porque “tinha outro compromisso“.

Outro que não apareceu nesta terça-feira foi o fiscal municipal Julian Oscar Lehnrart Lameira, pois ele está com um filho hospitalizado. O depoimento dele deve ser reagendado para outra data. No inquérito da Polícia Civil, Lameira disse que a Boate Kiss chegou a ser notificada para cessar suas atividades, inclusive com a aplicação de diversas multas por descumprimento dessas notificações.

Os depoimentos desta quarta-feira se resumiram, então, às fiscais municipais Isabel Cristina Alfaro Medina e Silvia Jussara Nogueira Dias. A primeira disse que trabalha na Secretaria de Finanças de Santa Maria e que atua como “fiscal de vistoria de inclusão”, responsável pela primeira vistoria em um estabelecimento quando “entra o processo no cadastro mobiliário”. Na função dela, os itens verificados se resumem à metragem do imóvel, para cobrar o tributo, a numeração da rua (se ela está certa) e se atividade pedida pelo empresário é a mesma que está sendo realizada. Essa vistoria é realizada para o fornecimento do alvará de localização.  

A segunda fiscal a ser ouvida foi Silvia Jussara Nogueira Dias
A segunda fiscal a ser ouvida foi Silvia Jussara Nogueira Dias
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Isabel só fez essa primeira vistoria em 2010, o que mereceu um comentário do vereador Werner Rempel (PPL), líder da oposição. ”O que a fiscal declarou só nos confirma que a boate abriu em 2009 e funcionou sem alvará de localização até 2010”, disse Rempel.

A fiscal Silvia Jussara Nogueira Dias abriu seu depoimento dizendo que nunca esteve na Boate Kiss, “nem como frequentadora”. Em relação ao seu trabalho, que é relacionado à renovação do alvará de localização, o único dado relevante dito por ela foi o fato de que, em gestões anteriores (relacionadas ao chefe do setor, e não à administração da prefefeitura), os fiscais eram orientados a pedir documentos (alvarás sanitários e dos bombeiros) que não eram de sua área de atribuição, repetindo o que havia dito à Polícia Civil.   

Mais uma vez, o vereador Werner Rempel falou sobre a importância do depoimento do ex-secretário de Controle e Mobilidade Urbana Sérgio Renato de Medeiros, que era o comandante da pasta na época em que a Boate Kiss recebeu multas e embargos para ser fechada. Medeiros, ao receber a convocação da CPI, respondeu dizendo que não iria, pois já se sentia contemplado com seu depoimento à Polícia Civil.

Na próxima segunda-feira, deve ser realizada uma reunião entre os vereadores da CPI e o advogado da AVTSM para que todos sejam informados da situação das pessoas que foram convocadas para depor e apresentaram justificativas para sua ausência, como atestados médicos. Nesse encontro, também podem ser definidas as datas dos próximos depoimentos. Uma oitiva que ainda está pendente é a do prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB), que já teria se comprometido a ir à Câmara em uma conversa informal com a presidente da CPI.

Para o dia 29 deste mês, já estão agendados os depoimentos de Carlos Fernandes Flores, engenheiro civil da prefeitura de Santa Maria, Alexandre Silva da Costa, ex-proprietário da Boate Kiss, e Ricardo Bieri, fiscal municipal.

Familiares pressionam por depoimentos dos sócios da Kiss

Na reunião da manhã desta quarta-feira, familiares de vítimas da tragédia pressionaram, mais uma vez, os integrantes da CPI para que sejam ouvidos os sócios da Boate Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann, que estão presos e respondem a processo criminal. Novamente, a presidente da comissão disse que, no entendimento dela, os dois não devem ser ouvidos na CPI, pois já fizeram seus depoimentos na Justiça.

Na reunião da manhã desta quarta-feira, familiares de vítimas da tragédia pressionaram, mais uma vez, os integrantes da CPI para que sejam ouvidos os sócios da Boate Kiss
Na reunião da manhã desta quarta-feira, familiares de vítimas da tragédia pressionaram, mais uma vez, os integrantes da CPI para que sejam ouvidos os sócios da Boate Kiss
Foto: Luiz Roese / Especial para Terra

Uma das que pediram que a CPI reconsiderasse sua decisão de não ouvir os sócios da Kiss foi Marília Torres Ribeiro, prima-irmã de Flávia Torres, que morreu na tragédia. Na opinião dela, seria importante ouvir o que os dois têm a dizer em relação aos procedimentos realizados com a administração municipal para o funcionamento da boate. A vereadora Maria de Lourdes disse que a decisão da comissão ainda pode ser reconsiderada.

Presidente da Câmara confirma que decisões da CPI são “finais”

Nesta quarta-feira, o presidente da Câmara de Vereadores de Santa Maria, Marcelo Zappe Bisogno (PDT), confirmou que acolheu “na íntegra” o parecer do Instituto Gamma de Assessoria a Órgãos Públicos (IGAM) sobre o recurso impetrado por vereadores de oposição contra a decisão da CPI de não ouvir os sócios da Kiss. O parecer, assinado por dois consultores do IGAM, diz que as decisões da comissão são “finais” e que cabe ao Plenário da Câmara analisar somente suas conclusões.

Portanto, o recurso não vai seguir adiante. Uma possibilidade da oposição é tentar uma medida judicial, mas nem todos os vereadores que assinaram o recurso concordam com essa medida. Diante da situação, há chances de o advogado da AVTSM se retirar da mesa da CPI, como forma de protesto. 

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.

Fonte: Especial para Terra
Compartilhar
Publicidade
Publicidade