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Cidades

Sobreviventes do Holocausto em SP: "Eu me doei aos brasileiros, eles me doaram muito também"

Noventa anos após o início da perseguição a judeus na Europa, sobreviventes falam sobre as cicatrizes e também as superações

27 jan 2023 - 05h11
(atualizado às 07h46)
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O romeno Joshua Strul e a polonesa Ala Szerman, sobreviventes do holocausto, encontraram refúgio em São Paulo
O romeno Joshua Strul e a polonesa Ala Szerman, sobreviventes do holocausto, encontraram refúgio em São Paulo
Foto: Taba Benedicto/Estadão / Estadão

Hoje, com 82 anos, e morando na cidade de São Paulo há mais de 60, a polonesa Ala Szerman não sabe precisar se o navio que a trouxe para o Rio de Janeiro chegou em 1959 ou 1960. Mas ela lembra bem o motivo que a fez deixar a Europa para sempre e se estabelecer de forma definitiva no Brasil: escapar do antissemitismo que a perseguia — e perseguia tantos outros judeus — mesmo depois da queda da Alemanha nazista em 1945.

Foi no Brasil onde ela se casou, se formou em Educação Física na USP e se tornou uma empresária bem-sucedida na área de saúde e bem-estar, com direito a ostentar o posto de ser considerada uma das primeiras pessoas a inaugurar uma academia destinada para mulheres e um spa no País.

"No Brasil só encontrei pessoas que gostam de mim e que me prestigiam. Assim como me doei aos brasileiros, eles me doaram muito também. Não há agradecimento que mostre o quanto eu voltei a viver aqui", disse ao Estadão.

O sentimento de liberdade e gratidão que Ala demonstra ao falar do Brasil também aparece na fala de Joshua Strul, 89. Nascido na Romênia em 1933, ele chegou ao Brasil em 1957, a convite de um irmão que já vivia na Freguesia do Ó, zona norte paulistana, onde ganhava o sustento no comércio. "Aqui professei a minha fé judaica livremente. Voltei a viver como um ser humano digno", afirmou Joshua.

Foi em 27 de janeiro de 1945 que as tropas soviéticas libertaram o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia - por isso, nesta sexta se homenageia a memória das vítimas. Neste mês, também são lembrados os 90 anos da ascensão de Adolf Hitler ao poder na Alemanha, considerado o marco inicial do Holocausto.

Ala e Joshua fazem parte de um grupo de 300 a 500 judeus que sobreviveram ao antissemitismo, às perseguições religiosas na Europa, e migraram para o Brasil após a guerra. São Paulo virou a moradia de 80% deles, embora não existam dados oficiais precisos, disse o pesquisador, escritor e cineasta Márcio Pitliuk.

"Aqui me sinto livre. Nunca tive problemas por ser judia", afirmou Ala, que relatou já ter sido ameaçada de morte pela sua religião e até queimada por um ácido por pessoas que nem a conheciam. As marcas que ficam não são apenas na perna, mas também internas: "não foram cicatrizadas". No Brasil, ambos se casaram, tiveram filhos e netos.

Ala relata que, diferente do que acontecia na Polônia, ele nunca teve problemas no Brasil por ser judia.
Ala relata que, diferente do que acontecia na Polônia, ele nunca teve problemas no Brasil por ser judia.
Foto: Taba Benedicto/Estadão / Estadão

Cicatrizes

Ala e Joshua não foram para um campo de concentração, mas também conviveram constantemente com as incertezas da própria sobrevivência e com o luto da perda de parentes durante a guerra. "A pior lembrança que tenho é de correr atrás de quem morreu, e procurar nos bolsos dessas pessoas um pedaço de pão ou batata para poder mastigar algo. Logicamente há outras lembranças ruins, mas essa é a pior", disse Ala.

Sobreviventes do Holocausto não são apenas aquelas pessoas que escaparam de um campo de concentração, disse Márcio Pitliuk. "A partir de 1933, quando Hitler assumiu o poder na Alemanha, já começaram as perseguições aos judeus no país. Então, todos os que fugiram a partir deste ano são considerados sobreviventes do holocausto", afirmou.

Homenagem

Memorial do Holocausto de São Paulo, em parceria com a Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp) e a StandWithUs - dedicada ao ensino sobre Israel e Oriente Médio - promovem homenagens a Aia, Joshua e outros sobreviventes. Uma delas está no Shopping Pátio Paulista. A exposição A Cara de São Paulo vai até o dia 15 e tem entrada gratuita. Traz fotografias de paulistanos que representam a cidade, incluindo judeus. Ainda este mês, no Shopping Vila Olímpia, será possível visitar outra exposição de fotos dos sobreviventes, feita pelo fotógrafo Luiz Rampazzo.

Estadão
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