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RJ: somente com a roupa do corpo, moradores da Baixada citam 'milagre'

Terra ouviu histórias de quem escapou por um triz de desmoronamentos causados pelas fortes chuvas no Rio de Janeiro

12 dez 2013 - 15h40
(atualizado às 16h12)
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As doações podem ser entregues na secretaria da Matriz Nossa Senhora de Fátima e São Jorge, em Nova Iguaçu
As doações podem ser entregues na secretaria da Matriz Nossa Senhora de Fátima e São Jorge, em Nova Iguaçu
Foto: Daniel Ramalho / Terra

Se o Estado do Rio de Janeiro contabiliza três mortos após as fortes chuvas da madrugada da última quarta-feira, a sensação que se tem ao percorrer os municípios de Nova Iguaçu, Queimados e Japeri é de que a tragédia poderia ter sido muito pior. Ou, como dizem muitos moradores da região castigada pelo temporal e abordados pelo Terra, o número de vítimas fatais não foi maior por “um verdadeiro milagre de Deus”.

“Eu não ouvi nada. Quando acordei, não conseguia mexer as pernas. O barro estava até o meu pescoço, a parede do meu quarto tinha caído. Lembro de ver o céu e a chuva caindo no meu rosto”, se recorda, emocionada, a dona de casa e cozinheira Clarinda da Costa Ferreira, 54 anos, que dormia ao lado da neta, e viu telhas e paredes de sua casa virem abaixo com o solo encharcado. Um verdadeiro cenário de terra arrasada.

Elas são moradoras do bairro do Tinguazinho, em Nova Iguaçu. Somente na rua do Alto, onde restou somente escombros da residência de Clarinda e “todas as minhas roupas e móveis cheios de lama”, a Defesa Civil Municipal interditou 48 casas, sendo que outras oito foram totalmente destruídas. “A gente trabalha o dia inteiro, fica cansada. Até agora não entendi como não acordei. É um milagre de Deus eu estar aqui falando com você”, confessa.

O marido de Clarinda estava na sala e, com a parede desabando, não conseguiu acessar o cômodo para resgatar a esposa e neta. “Comecei a escutar meus vizinhos. Eles conseguiram dar a volta, e comecei a enxergar uma lanterna. Eles me acharam. Começaram a puxar a gente. Primeiro saiu minha neta. Depois eu. Minutos depois, o morro desceu mais e levou tudo”, diz.

A cozinheira Clarinda da Costa Ferreira dormia ao lado da neta, e viu telhas e paredes de sua casa virem abaixo com o solo encharcado
A cozinheira Clarinda da Costa Ferreira dormia ao lado da neta, e viu telhas e paredes de sua casa virem abaixo com o solo encharcado
Foto: Daniel Ramalho / Terra

Com a roupa do corpo, “e uma bolsa que foi tudo que eu consegui levar e, por sorte, tinha os meus documentos”, ela buscou abrigo junto com os familiares na igreja Nossa Senhora da Conceição, numa rua próxima, onde a Secretaria estadual de Assistência Social contabiliza o número de desabrigados e desalojados. Somente na Baixada Fluminense já são 8 mil pessoas que não podem voltar para casa. E mais de 300 que não têm mais para onde regressar, com suas casas em ruínas. É o caso da dona de casa Josélia Vicente, 28 anos.

“Não consegui salvar nem os meus documentos”, recorda, com lágrimas no rosto. Na madrugada da última quarta-feira, também na rua do Alto, ela acordou com um estrondo. Estavam em casa, além dela, o pai, a mãe, a filha, o irmão e uma sobrinha. “A gente dormia, devia ser quase 5h, quando a varanda caiu. Foi um barulho forte. Quando levantei, a parede começou a ceder”, recorda, bastante emocionada.

“Fui correndo buscar minha neta, que é recém-nascida, e todos nós saímos correndo. Foi questão de segundos e tudo veio abaixo”, explica ainda. Ela não sofreu ferimentos, assim como o irmão Tiago Vicente, 28. “Foi uma noite de terror. Tinha árvore andando sozinha no meio da lama. Agora não tenho nem documento para buscar trabalho”, diz, com ar de revolta.

Mutirão de limpeza e solidariedade

Por onde se anda, não só em Nova Iguaçu, mas também em Queimados e Japeri, principais municípios da Baixada Fluminense atingidos pela chuva, o cenário é o mesmo: lama por toda parte, móveis desperdiçados e largados no meio da rua, e moradores se organizando em mutirão para limpar as casas invadidas pela água.

“A gente faz por conta própria, porque, se depender da prefeitura, não vamos conseguir nada”, reclama o motoboy Alex da Silva. “Agora há pouco passou um vereador aqui (de Austin, sub-bairro de Nova Iguaçu) e disse que tinha que limpar a rua dele primeiro, e depois iria pensar na nossa. Isso é uma vergonha”, completa.

O prefeito de Nova Iguaçu solicitou ainda ajuda ao governo estadual para lidar com os rios e valões que transbordaram.
O prefeito de Nova Iguaçu solicitou ainda ajuda ao governo estadual para lidar com os rios e valões que transbordaram.
Foto: Daniel Ramalho / Terra

Morador do Tinguazinho, Leandro Gordinho, como é conhecido na região, é nascido e criado no bairro. Pagou do bolso o aluguel de um trator e um caminhão para remover a lama da região onde “fui nascido e criado”, ao lado da rua do Alto, onde várias casas desmoronaram. “Só vem a Defesa Civil interditar. Ajudar que é bom, nada”, reclama.

Adílson Corrêa, 56 anos, e segurança particular, já está sem trabalhar há dois dias. Sem dormir, idem. “Como dormir, moro sozinho, e olha o que eu tenho que arrumar ainda”, diz, apontando para a sua casa revirada pela água, em Japeri, na linha final do ramal de trem da Supervia. “Meus vizinhos estão ajudando. Todo mundo é solidário nessas horas. Mas é muito trabalho. Devo ter dormido umas duas, três horas, desde que essa chuva toda começou”, lamenta.

Fonte: Terra
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