Se o Estado do Rio de Janeiro contabiliza três mortos após as fortes chuvas da madrugada da última quarta-feira, a sensação que se tem ao percorrer os municípios de Nova Iguaçu, Queimados e Japeri é de que a tragédia poderia ter sido muito pior. Ou, como dizem muitos moradores da região castigada pelo temporal e abordados pelo Terra, o número de vítimas fatais não foi maior por “um verdadeiro milagre de Deus”.
“Eu não ouvi nada. Quando acordei, não conseguia mexer as pernas. O barro estava até o meu pescoço, a parede do meu quarto tinha caído. Lembro de ver o céu e a chuva caindo no meu rosto”, se recorda, emocionada, a dona de casa e cozinheira Clarinda da Costa Ferreira, 54 anos, que dormia ao lado da neta, e viu telhas e paredes de sua casa virem abaixo com o solo encharcado. Um verdadeiro cenário de terra arrasada.
Elas são moradoras do bairro do Tinguazinho, em Nova Iguaçu. Somente na rua do Alto, onde restou somente escombros da residência de Clarinda e “todas as minhas roupas e móveis cheios de lama”, a Defesa Civil Municipal interditou 48 casas, sendo que outras oito foram totalmente destruídas. “A gente trabalha o dia inteiro, fica cansada. Até agora não entendi como não acordei. É um milagre de Deus eu estar aqui falando com você”, confessa.
O marido de Clarinda estava na sala e, com a parede desabando, não conseguiu acessar o cômodo para resgatar a esposa e neta. “Comecei a escutar meus vizinhos. Eles conseguiram dar a volta, e comecei a enxergar uma lanterna. Eles me acharam. Começaram a puxar a gente. Primeiro saiu minha neta. Depois eu. Minutos depois, o morro desceu mais e levou tudo”, diz.
Com a roupa do corpo, “e uma bolsa que foi tudo que eu consegui levar e, por sorte, tinha os meus documentos”, ela buscou abrigo junto com os familiares na igreja Nossa Senhora da Conceição, numa rua próxima, onde a Secretaria estadual de Assistência Social contabiliza o número de desabrigados e desalojados. Somente na Baixada Fluminense já são 8 mil pessoas que não podem voltar para casa. E mais de 300 que não têm mais para onde regressar, com suas casas em ruínas. É o caso da dona de casa Josélia Vicente, 28 anos.
“Não consegui salvar nem os meus documentos”, recorda, com lágrimas no rosto. Na madrugada da última quarta-feira, também na rua do Alto, ela acordou com um estrondo. Estavam em casa, além dela, o pai, a mãe, a filha, o irmão e uma sobrinha. “A gente dormia, devia ser quase 5h, quando a varanda caiu. Foi um barulho forte. Quando levantei, a parede começou a ceder”, recorda, bastante emocionada.
“Fui correndo buscar minha neta, que é recém-nascida, e todos nós saímos correndo. Foi questão de segundos e tudo veio abaixo”, explica ainda. Ela não sofreu ferimentos, assim como o irmão Tiago Vicente, 28. “Foi uma noite de terror. Tinha árvore andando sozinha no meio da lama. Agora não tenho nem documento para buscar trabalho”, diz, com ar de revolta.
11 de dezembro - Ônibus cai em buraco na avenida Vicente de Carvalho na Penha, na zona norte do Rio de Janeiro
Foto: Celso Barbosa / Futura Press
11 de dezembro - De acordo com o Centro de Operações do Rio, o rio Acari transbordou na altura do bairro Fazenda Botafogo
Foto: Nilton Brito / vc repórter
11 de dezembro - A avenida Radial Oeste foi fechada por causa da chuva
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - A interdição ocorre na altura do estádio do Maracanã
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - A região ficou completamente alagada
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Carros não puderam passar pela via
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - A quarta-feira amanheceu chuvosa em todo o Rio de Janeiro
Foto: Alessandro Buzas / Futura Press
11 de dezembro - Cariocas enfrentam a chuva na região central da cidade
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - A chuva continuou por toda a manhã, em vários pontos do Rio de Janeiro
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Inundação na avenida Eurico Rabelo, ao lado do estádio do Maracanã
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Ônibus tenta passar pela avenida alagada
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Alguns motoristas foram surpreendidos pela altura da água
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - A água subiu rapidamente após o temporal
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - A CET-Rio pediu para os motoristas desviarem da via
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Motorista registra inundação em seu telefone celular
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Carros mais altos passaram com mais facilidade pela via
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Alagamento na avenida Eurico Rabelo
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Trator consegue passar pelo trecho alagado
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Pedestre utiliza grades para conseguir atravessar de um lado para o outro
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Mulher limpa a calçada após forte chuva
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Morador se arrisca em enchente após manhã de chuvas intensas no Rio de Janeiro
Foto: Twitter / Reprodução
11 de dezembro - Água tomou conta da rua Comendador Soares, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense
Foto: Facebook / Reprodução
11 de dezembro - O bairro Morro Agudo, em Nova Iguaçu, também sofre com a enchente
Foto: Facebook / Reprodução
11 de dezembro - De acordo com o Alerta Rio, as chuvas que atingiram a cidade no mês de dezembro já totalizam 287,6 milímetros de acúmulo
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - "O principal problema da região do porto é a drenagem. Não é para acontecer, mas vamos ter obra ali até 2016. Do jeito que alagou, mesmo com as bombas, tem um problema de engenharia que o pessoal está checando. Isso é inaceitável. A gente colocou bombas porque, já sabendo que a drenagem não está pronta nessa região, deve ter tido alguma obstrução", afirmou o prefeito
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Em entrevista a rádio BandNews, o prefeito Eduardo Paes defendeu a região e afirmou que os problemas foram causados porque a região ainda está em obras
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Em alguns locais, apenas ônibus se atreviam a passar
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Perto do meio-dia desta quarta-feira, era possível encontrar grandes bolsões de água nas ruas da região
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Chuva provoca alagamentos na região portuária do Rio de Janeiro, deixando moradores ilhados e impedindo a passagem de veículos
Foto: Daniel Ramalho / Terra
11 de dezembro - Chuva também alagou o terreno do antigo Autódromo de Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro
Foto: Twitter / Reprodução
11 de dezembro - Passageiro registra a dificuldade enfrentada pelos ônibus para transitar nesta quarta-feira pelas ruas de Nova Iguaçu
Foto: Twitter / Reprodução
11 de dezembro - Rio no bairro Santa Eugênia transbordou com o grande volume de chuvas
Foto: Instagram / Reprodução
11 de dezembro - Os moradores do bairro Morro do Agudo também sofreram com alagamentos
Foto: Instagram / Reprodução
11 de dezembro - Água quase alcançou o teto de residências no bairro de Caioaba, em Nova Iguaçu
Foto: Instagram / Reprodução
11 de dezembro - As aulas foram suspensas em Nova Iguaçu em razão dos estragos causados pela chuva
Foto: Instagram / Reprodução
12 de dezembro - Moradores levaram doações para a paróquia de São Sebastião no centro de Austin
Foto: Douglas Viana / Futura Press
12 de dezembro - Por causa dos alagamentos, moradores de Queimados fizeram, na quarta-feira, uma manifestação na rodovia Presidente Dutra
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - Os moradores de áreas de risco em Queimados foram encaminhados para escolas municipais, onde será feita a triagem para contabilizar os números de desabrigados e desalojados
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - Dados da Defesa Civil dão conta de que o município registrou 18 deslizamentos de terra e 25 chamadas de alagamentos
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - Os deslizamentos provocados pelo temporal e a cheia de dois rios que cortam o município de Queimados (RJ) provocaram o desabamento de 10 casas nesta quarta-feira e a interdição de outras cinco, por risco de desabamento
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - Outros bairros atingidos em Nova Iguaçu são Miguel Couto, Nova Era, Ouro Fino, Ouro Preto, Palhada, Planalto, Riachão, Rosa dos Ventos, Santa Cecília, Tancredo Neves, Tinguazinho e Vila Zenith
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - Entre os bairros atingidos em Nova Iguaçu estão Austin, Aymoré, Bandeirantes, Batuta, Cerâmica, Comendador Soares, Danon, Jardim Canaã, Jardim Iguaçu, Jardim Palmares, Jardim Pernambuco, Jardim Roma, Mangueira e Metropolitano
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - Doações em Nova Iguaçu serão encaminhadas para as paróquias São Sebastião, em Austin, e São Francisco de Assis, em Comendador Soares, para atender os necessitados no bairro de Morro Agudo
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - As doações podem ser entregues na secretaria da Matriz Nossa Senhora de Fátima e São Jorge, em Nova Iguaçu
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - A diocese de Nova Iguaçu divulgou uma campanha de arrecadação e já começou a receber donativos, que serão repassados aos necessitados
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - De acordo com a prefeitura de Nova Iguaçu, doações podem ser enviadas para a sede da Secretaria de Assistência Social
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - Aproximadamente 30% de Nova Iguaçu registrou inundação nesta quarta, segundo estimativa do prefeito
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - A cozinheira Clarinda da Costa Ferreira dormia ao lado da neta, e viu telhas e paredes de sua casa virem abaixo com o solo encharcado
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - Brinquedo em meio ao desabamento de um morro, em Nova Iguaçu
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - Austin, em Nova Iguaçu, sofreu estragos com as chuvas de quarta-feira
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - O prefeito de Nova Iguaçu solicitou ainda ajuda ao governo estadual para lidar com os rios e valões que transbordaram.
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - Houve um desmoronamento no Morro do Inferninho, no bairro de Austin, em Nova Iguaçu, e 50 famílias foram retiradas do local pela defesa civil do município, que condenou os imóveis.
Foto: Daniel Ramalho / Terra
12 de dezembro - O governo do Estado anunciou a criação de um gabinete integrado na Baixada Fluminense para lidar com os efeitos do temporal
Foto: Shana Reis / Divulgação
13 de dezembro - Solo encharcado pela chuva contínua cedeu e destruiu residência de família às margens da RJ-116, em Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio
Foto: Flávia Ferreira Namen / Especial para Terra
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Mutirão de limpeza e solidariedade
Por onde se anda, não só em Nova Iguaçu, mas também em Queimados e Japeri, principais municípios da Baixada Fluminense atingidos pela chuva, o cenário é o mesmo: lama por toda parte, móveis desperdiçados e largados no meio da rua, e moradores se organizando em mutirão para limpar as casas invadidas pela água.
“A gente faz por conta própria, porque, se depender da prefeitura, não vamos conseguir nada”, reclama o motoboy Alex da Silva. “Agora há pouco passou um vereador aqui (de Austin, sub-bairro de Nova Iguaçu) e disse que tinha que limpar a rua dele primeiro, e depois iria pensar na nossa. Isso é uma vergonha”, completa.
Morador do Tinguazinho, Leandro Gordinho, como é conhecido na região, é nascido e criado no bairro. Pagou do bolso o aluguel de um trator e um caminhão para remover a lama da região onde “fui nascido e criado”, ao lado da rua do Alto, onde várias casas desmoronaram. “Só vem a Defesa Civil interditar. Ajudar que é bom, nada”, reclama.
Adílson Corrêa, 56 anos, e segurança particular, já está sem trabalhar há dois dias. Sem dormir, idem. “Como dormir, moro sozinho, e olha o que eu tenho que arrumar ainda”, diz, apontando para a sua casa revirada pela água, em Japeri, na linha final do ramal de trem da Supervia. “Meus vizinhos estão ajudando. Todo mundo é solidário nessas horas. Mas é muito trabalho. Devo ter dormido umas duas, três horas, desde que essa chuva toda começou”, lamenta.