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No Rio, 4 idosos morrem por bala perdida em um mês

Pelo menos três vítimas foram atingidas em confrontos de suspeitos com a PM, conforme relatos; polícia afirma que atua para preservar vidas

13 jan 2020 - 02h10
(atualizado às 05h52)
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RIO - Primeiro foi Sandra, que ia buscar o neto no colégio. Depois, ainda em dezembro de 2019, Maria, no meio da rua. Já neste ano foi a vez de Adenir, no caminho para a padaria. No dia seguinte Lisete, no quintal de casa. Em comum, todos têm mais de 60 anos e morreram por bala perdida em um mês em São Gonçalo, região metropolitana do Rio. Em três dos casos, testemunhas relatam confrontos entre policiais e bandidos.

Parte das mortes ocorreu no bairro Jardim Catarina, em São Gonçalo
Parte das mortes ocorreu no bairro Jardim Catarina, em São Gonçalo
Foto: Reprodução/Google Street View / Estadão

Na Grande Rio, 41 idosos foram baleados em 2019, dos quais 24 morreram no ano anterior, os registros mostram 43 baleados e 20 mortos -, segundo a plataforma Fogo Cruzado, laboratório de dados sobre violência. Em São Gonçalo, sete das nove vítimas foram por bala perdida.

Mortes de idosos por arma de fogo surpreendem por serem mais raras. Tiros causam quase 40% das mortes de adolescentes de 15 a 19 anos e 32% das mortes de jovens de 20 a 29 anos no País. A taxa cai para 0,1% entre idosos, mais afligidos por doenças cardiovasculares, neurológicas ou câncer.

No dia 5, Lisete Pereira, de 78 anos, cochilava em casa, quando acordou com o barulho de tiros - a polícia fazia operação em um morro próximo. Foi ao quintal, onde foi atingida. Deixou três filhos, três netos e oito bisnetos. "Isso vai continuar. O Rio está uma vergonha. Inocentes morrendo. A gente não pode viver mais na rua. Em casa, também não pode. Vamos viver onde? O governador não mete a cara essa hora para falar nada, O Rio está entregue às baratas", disse o irmão de Lisete, Romildo, à imprensa no enterro.

Um mês antes, Sandra Gomes, de 61 anos, percorria os 800 metros que separam sua casa da escola do neto quando se deparou com uma operação da PM. Segundo testemunhas, ela tentou se esconder da troca de disparos entre agentes e bandidos, mas foi atingida na nuca.

No dia 16, Maria dos Remédios, de 65 anos, estava na rua quando a PM foi acionada para conter roubos de uma dupla na região. Policiais perseguiram os suspeitos, que revidaram. A corporação nega ter disparado.

Já Adenir Nunes da Conceição, de 60 anos, ia a uma padaria no Portal do Rosa, perto do Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, em 4 de janeiro. A bala atingiu o idoso no pescoço e o matou. Não há muitas informações sobre a origem do disparo.

"Em geral, idosos saem menos de casa, se envolvem menos em conflitos e não costumam reagir a assaltos", diz Ignacio Cano, professor do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio (UERJ). "Isso reforça o temor do carioca de que pode ser qualquer um e vir de qualquer parte."

Além da bala perdida, há idosos em outros tipos de homicídio em São Gonçalo. Na sexta, um homem atirou em Hélio Rangel, de 67 anos, que estava de moto no bairro Jardim Catarina, o mesmo de Maria e Sandra. O caso é apurado.

"Entender o que se passa em São Gonçalo e tornar o município uma das prioridades de uma política de Segurança Pública que coloque o bem-estar e a vida das pessoas em primeiro lugar é urgente e essencial", aponta Maria Isabel MacDowell Couto, pesquisadora do Fogo Cruzado.

São Gonçalo é a área de abrangência (unidade de coleta de dados) que registrou o maior número de registros de mortes por intervenção policial em 2019, quando o índice bateu recorde no Estado. Foram 199 civis abatidos pela polícia, o que equivale a 11% do total de 1.686 mortes de janeiro a novembro, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP).

Quando se considera o índice de letalidade violenta — que soma homicídio doloso, morte por intervenção de agente do Estado, latrocínio (roubo seguido de morte) e lesão corporal seguida de morte —, São Gonçalo também lidera. Foram 458 mortos ao longo de 2019. No Estado, os crimes violentos letais intencionais, que excluem mortes pela polícia, tiveram queda de 21% entre janeiro e novembro, ante o mesmo período do ano anterior.

Polícia Militar diz que ações são planejadas e têm objetivo de preservar vidas

Em nota, a PM do Rio afirmou que "as operações realizadas pela corporação são precedidas de planejamento e de informações de inteligência, com a preocupação de preservar vidas, tanto de policiais como de moradores." O texto diz ainda que o objetivo da PM do Rio é "localizar e prender criminosos, como também apreender armas e drogas" e considerou "excepcional" o saldo operacional de 2019, com 500 fuzis apreendidos. Também afirmou que os confrontos ocorrem "por opção dos criminosos" e defendeu que os policiais não podem "aceitar com naturalidade" a presença de criminosos em comunidades com armas de guerra.

"Acreditamos o número de mortes em decorrência de intervenção policial entrará numa trajetória de queda", afirmou a PM no texto. "Aliás, essa tendência tem sido observada desde julho do ano passado. Sobre os dados do Fogo Cruzado, a nota informou que a PM só comenta "os dados apresentados pelo Instituto de Segurança Pública, responsável pela divulgação dos balanços oficiais no Estado". /COLABORARAM FABIO GRELLET e PRISCILA MENGUE

Estadão
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