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Em áudio, vítima pede ajuda para salvar família brasileira morta no Chile

Sem saber que inalava gás monóxido de carbono, Débora suspeitou de vírus e pediu socorro a parentes no Brasil

23 mai 2019 - 15h25
(atualizado em 24/5/2019 às 00h13)
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"Eu vou morrer. Vou perder tudo na minha vida, meu filho, minha mãe e o Jô. Não consigo mais, minhas articulações também estão parando e ficando roxas." O relato desesperado foi enviado por áudio a parentes pela brasileira Débora Muniz Nascimento de Souza, de 38 anos, que estava em Santiago, no Chile, com a família. Ela, o marido, os dois filhos, o irmão e a cunhada morreram nesta quarta-feira, 22, em um apartamento alugado. Investigações apontam intoxicação em decorrência de vazamento de gás como causa.

Segundo parentes, os brasileiros pretendiam adiantar o retorno porque tinham recebido a notícia de que Iete Nascimento, mãe de Débora e do irmão, Jonathas, havia morrido horas antes. Iete estava internada por causa de um câncer e morreu na madrugada de quarta. O incidente com gás aconteceu à tarde.

Debora Muniz e Fabiano de Souza, junto dos filhos Felipe e Caroline, respectivamente com 12 e 14 anos
Debora Muniz e Fabiano de Souza, junto dos filhos Felipe e Caroline, respectivamente com 12 e 14 anos
Foto: Instagram/Debora Muniz/Reprodução / Estadão

No primeiro áudio, enviado à irmã Raquel, Débora pede ajuda para o filho, Felipe, que passa mal. Ela chora e pergunta se colocá-lo em uma banheira com água quente poderia reanimá-lo. "Eu não sei o que fazer", afirma. Em outra gravação, ela descreve que os demais estão apresentando os mesmos sintomas, como fraqueza e vômito. "Acho que nós todos estamos contaminados por um vírus (...). Não sei o que vai ser de nós."

Depois de receber as mensagens, a família acionou o Consulado do Brasil em Santiago, que foi até o imóvel. A Polícia do Chile também recebeu os áudios.

Família brasileira viajou para comemorar aniversário de 15 anos

Os brasileiros haviam viajado para Santiago no dia 19, para comemorar o aniversário de Karoliny, que faria 15 anos nesta sexta-feira. Filha de Débora e Fabiano de Souza, ela era afilhada de Jonathas, que lhe deu a viagem de presente.

O apartamento havia sido alugado pela plataforma Airbnb. Localizado na Rua Santo Domingo, o edifício tem mais de 50 anos. Com três apartamentos por andar, fica no bairro Bellas Artes, local procurado por turistas por ser próximo de pontos importantes, como o Cerro San Cristóbal e o Cerro Santa Lucía. A região conta com várias lojas, restaurantes e estações de metrô.

Segundo a Superintendência de Eletricidade e Combustível do Chile, o prédio não tinha o selo verde, que credita que as instalações de gás estão funcionando corretamente. A hipótese principal é de vazamento em decorrência de mal funcionamento de um equipamento a gás, disse o chefe da SEC, Luis Ávila.

Zeladora há 25 anos no edifício onde os brasileiros estavam hospedados, Maria Luisa Farias se emocionou ao falar das mortes. "Eles estavam aqui há cinco dias, e os jovens eram muito simpáticos. Quando soube do problema no apartamento onde eles estavam, fiquei muito mal. Sou mãe, sou avó... Nunca aconteceu nada desse tipo por aqui. Dói muito lembrar disso."

Ela só percebeu que havia algo errado quando viu bater à porta uma pessoa do consulado brasileiro. Maria Luisa diz que não ouviu ruído nem sentiu qualquer cheiro estranho.

Em entrevista a canais de televisão chilenos, o segundo-comandante do Corpo de Bombeiros, Diego Velásquez, disse que foi constatada alta concentração de monóxido de carbono assim que a equipe chegou ao local. Prima de Débora, Noemi Fortunato Nascimento afirmou que não sabe se a família chegou a pedir socorro - em um dos áudios, Débora fala que a "ambulância não chega".

Nesta quinta, a família dos brasileiros iniciou uma vaquinha virtual para arrecadar dinheiro para o translado dos corpos. Pouco depois, o Airbnb divulgou que "está em contato com a família para oferecer as mais sinceras condolências e toda a assistência necessária, incluindo todas as suas necessidades de viagem".

Responsabilidade pelo imóvel alugado em Santiago

O Airbnb considera que são os "anfitriões" (locadores) que "devem se certificar que seguem as leis e regulações locais". Para a advogada Carla Rahal, o dono do imóvel pode ser julgado criminalmente, se for comprovado que ele contribuiu ativamente para as mortes. No âmbito civil, segundo Carla, o Airbnb poderá responder solidariamente, ou seja, ser considerado corresponsável pelo ocorrido e pagar reparação aos parentes. "As coisas estão mudando e não se pode colocar no aplicativo um imóvel para alugar como se não houvesse responsabilidade sobre aquilo."

Áudios enviados à família relatam desespero

"Ai, gente. Acho que nós todos vamos morrer. Fomos contaminados com alguma coisa, olha o estado do Jô (Jonathas Nascimento, de 30 anos, irmão da vítima). Eu não consigo, eu não consigo. Eu vou morrer. Vou perder tudo na minha vida, meu filho, minha mãe e o Jô. Não consigo mais, minhas articulações também estão parando e ficando roxas. E essa ambulância não chega. Acho que nós todos estamos contaminados por um vírus, Raquel, que paralisa as articulações e dá vômito. Não sei o que vai ser de nós." (...) "Ô Raquel, me ajuda, Raquel. Me ajuda, meu filho, Raquel. Ele está morrendo. Ele está todo roxo, Raquel. Está vazando já pelo nariz. Não sei o que fazer. Ai... A gente pode encher a banheira de água quente e botar ele dentro. Aguinha quentinha, tentar... (choro) Ele está todo duro, não dobra mais o braço, não sei o que fazer." (Débora Nascimento, em gravação enviada à irmã pouco antes de morrer)

Quem são as vítimas em Santiago

  • Fabiano de Souza

Tinha 41 anos. Pai de Felipe e Karoliny e marido de Débora Muniz Nascimento de Souza. Trabalhava como pedreiro e pescador. Morava em Biguaçu (SC).

  • Débora Muniz Nascimento

Mãe de Felipe e Karoliny, tinha 38 anos. Trabalhava como professora. Gostava de viajar e compartilhava nas redes fotos de passeios em família.

  • Karoliny Nascimento

Tinha 14 anos. Filha de Débora e Fabiano. Completaria 15 anos nesta sexta-feira. A viagem a Santiago foi realizada em comemoração pelo seu aniversário.

  • Felipe Nascimento

Tinha 13 anos. Filho Débora Muniz Nascimento e Fabiano de Souza. Foi o primeiro a apresentar os sintomas da intoxicação pela inalação de gás.

  • Jonathas Nascimento

Tinha 30 anos. Irmão de Débora e padrinho de Karoliny - a quem presenteou com a viagem. Era chefe de RH o Instituto Adventista de Tecnologia.

  • Adriane Kruger

Casada com Jonathas. Era de Goiânia e morava em Hortolândia (SP), com o marido. Publicou na véspera imagem de um passeio em Santiago.

Estadão
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