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"Ataque a Bolsonaro vai mudar rumos da campanha presidencial"

7 set 2018 - 16h09
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Golpe de faca contra candidato é reflexo de um nível inédito de radicalização na política brasileira e deve fazer com que presidenciáveis revejam sua estratégia, diz cientista político.Na atual campanha eleitoral, a política brasileira atingiu um nível inédito de radicalização desde a redemocratização, analisa o cientista político e professor da FGV-SP Eduardo Grin após o ataque a faca sofrido pelo candidato Jair Bolsonaro (PSL) nesta quinta-feira (07/09).

Após ataque a faca, Bolsonaro deve crescer nas pesquisas, diz analista
Após ataque a faca, Bolsonaro deve crescer nas pesquisas, diz analista
Foto: DW / Deutsche Welle

Em entrevista à DW, ele afirma que o cenário eleitoral agora é incerto, a partir de agora, há uma expectativa de moderação nos discursos dos candidatos.

"Estamos tratando de adversários, e não de inimigos que devem ser exterminados. Por isso, acho que as candidaturas terão que rever, pelo menos em um primeiro momento, as suas estratégias. Até porque esse tipo de conduta pode colocar mais gasolina no fogo", afirma.

DW: O Brasil já estava tendo uma campanha com muitos percalços e discursos agressivos, inclusive por parte do candidato Jair Bolsonaro. O que um ataque como o que ocorreu em Juiz de Fora pode significar para a atual corrida eleitoral?

Eduardo Grin: As pesquisas mostravam que a campanha do Bolsonaro atingiu uma resiliência grande, com ele aumentando a distância do segundo pelotão. Por outro lado, aumentou a rejeição a Bolsonaro. Agora vamos ter que esperar as próximas pesquisas. Temos uma eleição ainda mais incerta. Tivemos uma campanha até ontem e teremos outra a partir do ataque.

Como os outros candidatos vão reagir ao esfaqueamento? Há a possibilidade de mudança de estratégia nas campanhas?

Sim, é claro. O tom terá que ser mais moderado por algumas razões. Primeiro, porque a gente atingiu um grau de radicalização muito elevado na campanha deste ano, de guerra verbal, com todos se tratando como inimigos. É uma radicalização orientada pelo ódio, sobre petistas e antipetistas, que tira a racionalidade do debate público, o que é fundamental na democracia. Estamos tratando de adversários, e não de inimigos que devem ser exterminados. Por isso, acho que as candidaturas terão que rever, pelo menos em um primeiro momento, as suas estratégias. Até porque esse tipo de conduta pode colocar mais gasolina no fogo.

O senhor acredita que deve haver uma reunião entre os candidatos ou entre seus coordenadores de campanha para amenizar o clima nacional? Essa iniciativa deveria partir deles ou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?

É o momento de serenar os discursos. Acredito que isso deve partir dos próprios candidatos. O TSE tem função mais reguladora.

É possível fazer alguma previsão sobre o que pode acontecer a partir de agora?

Um cenário bem provável é o Bolsonaro crescer nas pesquisas. Se ele crescer, esse clima de campanhas moderadas pode durar pouco tempo, com os candidatos voltando a subir o tom. Mas acredito que mesmo assim deverá ser mais ponderado do que o que vimos nas últimas semanas. Porque uma das conclusões a que chegamos com o atentado de ontem é que, ao ampliar o tom da disputa, criou-se um efeito não previsto e que ninguém gostaria de acontecesse.

Estamos a menos de um mês do primeiro turno de uma eleição que já teve o período de campanha reduzido. Para alguns candidatos, que precisam correr contra o tempo na tentativa de ir ao segundo turno, amenizar o discurso não pode ser prejudicial?

Acho que essa amenização deve durar só até o resultado das próximas pesquisas. Até ontem o Geraldo Alckmin (PSDB) citava em seu programa eleitoral na TV o Bolsonaro como alguém que não respeita as mulheres. Isso deve mudar. Mas se o Bolsonaro crescer nas pesquisas, é provável que o tucano tenha que encontrar outro caminho para desconstruir o candidato do PSL.

Acho que temos que esperar uma semana para decantar o efeito desse episódio. Os partidos devem rever as suas estratégias, mas caso o Bolsonaro cresça, a tendência é que a campanha volte um pouco ao normal, com o limite de que todos precisam moderar esse enfrentamento.

Há algum episódio parecido na história recente do Brasil?

Não me lembro. Esse nível de ódio é algo inédito desde a redemocratização do país. O autor do ataque justificou a facada com motivo religioso, isso mostra que há uma confusão e perda de valores éticos e morais. Isso dá margem para visões que saiam da racionalidade do debate. E não é um fato isolado. Há cinco meses, o ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi atingido por tiros, e no começo do ano a vereadora Marielle Franco (PSOL) foi executada no Rio.

É preciso que todos se lembrem que daqui a dois meses teremos um presidente eleito que vai ter muita dificuldade de diálogo com o Congresso e a sociedade diante de toda crise fiscal, social e econômica que estamos vivendo.

Durante essa campanha eleitoral já se discutiu bastante a prisão de Lula, e agora só se fala no ataque ao Bolsonaro. Esses acontecimentos não acabam desviando a atenção, tirando-a dos problemas reais do país, como as reformas que estão pendentes?

Na prática, a campanha que estamos tendo é muito pobre do ponto de vista de propostas que sejam compreensíveis para a população para temas muito importantes. Nos debates, há uma dificuldade dos candidatos se fazerem entender. Isso reflete até um despreparo dos candidatos. Um candidato só fala de corrupção, outro só de segurança pública e por aí vai.

Se a gente pegar peças de propostas, elas não se conectam numa visão sistêmica e integrada que permita ver uma narrativa coerente para que o eleitor entenda o caminho para o qual o candidato pretende levar o país caso seja eleito. Nos programas de governo, claramente não identificamos propostas que deem conta da complexidade dos problemas que o país tem.

Um candidato preso, outro no hospital, e um país em crise econômica. Como explicar o Brasil para o mundo e como isso interfere no rumo que o país pode tomar depois das eleições?

Chama a atenção o fato de, no julgamento do caso de Lula no TSE na semana passada, todos os ministros terem dedicado boa parte dos votos para justificar por que a recomendação do Comitê da ONU não deveria ser aceita. Isso mostra que já há uma preocupação de algumas pessoas em cargos importantes, nesse caso os ministros, com a imagem que o Brasil pode estar passando, de que a democracia brasileira está com dificuldades para se manter ou que está mostrando suas fragilidades. Regras de funcionamento das instituições têm problemas, a despeito do discurso de que as instituições funcionam. Por isso, houve um impeachment. Mas é claro que dependendo de quem ganhar e, principalmente, de como ganhar, isso deve ter um impacto na imagem e nos investimentos do Brasil no exterior.

Na mesma semana, tivemos um incêndio no Museu Nacional e um atentado a um candidato presidencial. O incêndio pode ter passado para o mundo a imagem de que o Brasil está com dificuldades para lidar com questões básicas, como conservar cultura e manter as coisas funcionando, e de que o Estado não é capaz de organizar a vida em sociedade. Enquanto essa visão não for revertida, vamos continuar tendo problemas entre governo e população.

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