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A arte como refúgio para jovens amazônidas: a oficina de talentos de Izolena Garrido

Desde nova, amazônida encontrou meios para perpetuar legado e saberes para outras mulheres ribeirinhas

3 nov 2025 - 20h53
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Izolena Garrido, mulher, mãe, professora, artesã e líder ribeirinha da comunidade Tumbira, localizada às margens do Rio Negro, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, Amazonas, se viu desde muito nova em meio a decisões que iriam mudar completamente sua vida. Dentro de um contexto ainda muito tradicional e patriarcal, enfrentou a imposição de se casar por obrigação com um homem muito mais velho.

O acompanhamento dos jovens beneficiados de iniciativas como a Oficina de Izolena é contínuo
O acompanhamento dos jovens beneficiados de iniciativas como a Oficina de Izolena é contínuo
Foto: Larissa Mariano / Perfil Brasil

Sozinha, enfrentou preconceitos e a reprovação da própria família e, aos 20 anos, se viu mãe solo, mais uma barreira que parecia apenas trazer mais distâncias entre Izolena e as pessoas ao seu redor, que a viam sempre com lupas de antigos estereótipos. Mas isso não a parou; nem chegou a ser um impeditivo. Trabalhou para se sustentar e, nesse momento, encontrou algo que trilharia seu caminho por muitos e muitos anos: a arte.

Com sementes de açaí e tintas naturais, Izolena confeccionava bijuterias e artesanatos que sua irmã vendia na cidade. Com essa renda, se manteve, estudou e se tornou professora. Anos depois, na comunidade Tumbira, a qual Izolena foi uma das fundadoras junto de sua família, essas mesmas bijuterias se tornaram a perpetuação de um saber ancestral que gera renda, oportunidade e acolhimento para jovens em situação de vulnerabilidade da região.

"Ser a primeira mulher da comunidade nesse cargo reforça a importância de criar projetos que incluam os jovens em ações que dialoguem com seus propósitos de vida. É essencial ouvir suas reivindicações, respeitar a diversidade dos territórios e incentivá-los a acreditar em seu próprio potencial, mesmo quando a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) não estiver mais presente", destaca Izolena, hoje vice-presidente do Conselho de Administração da FAS, que promove diferentes programas e investimentos de capacitação na comunidade Tumbira.

Atualmente, pedagoga e pós-graduada, também uma das gestoras do núcleo de conservação da FAS, vê suas filhas seguindo um legado bastante diferente: de liberdade e escolha a partir de maiores e melhores caminhos.

Oficina de inclusão de talentos Izolena Garrido

Na Oficina de Inclusão de Talentos Izolena Garrido, as ecojoias de Tumbira já conquistaram o mundo: as peças confeccionadas já foram expostas na São Paulo Fashion Week (SPFW), semana de moda mais importante do Brasil, e o projeto recebeu financiamento da marca de luxo francesa Louis Vuitton.

Outro meio de entrada de renda proporcionado pela oficina e gestão de Izolena é o ecoturismo: recebendo turistas e viajantes de todo o mundo, ela mostra um pouco dos saberes da oficina, com cada visitante podendo confeccionar a própria peça com sementes de açaí tingidas e coloridas. "De que cor está sua vida hoje?", pergunta Izolena ao introduzir a programação, que acontece em um deck em frente ao Rio Negro, que convida a um banho em dias de sol após o trabalho.

Na comunidade, o trabalho de Izolena também ajudou a construir os primórdios de Tumbira: ela estava presente na fundação de escolas, do poço artesiano, do centro cultural e na busca por melhores fontes de energia. Agora, segue  acolhendo jovens e encontrando propósitos por meio da arte.

"A oficina nasceu do desejo de consertar o que foi afetado: um espaço para recuperar energias, habilidades e significados. Ali, trocamos 'peças' emocionais, transformando o fazer manual em terapia, inclusão, empreendedorismo e geração de renda. Minhas ideias inspiram outras: muitas jovens e artesãs começaram na oficina e hoje seguem seus próprios caminhos, levando coragem a outras comunidades e unidades de conservação pelo estado, onde também realizei o trabalho com diferentes grupos e realidades", conta Izolena sobre o alcance de seu trabalho, que funciona como meio de capacitação e geração de renda para jovens da comunidade.

Para além da oficina

Segundo a FAS, o acompanhamento dos jovens beneficiados de iniciativas como a Oficina de Izolena é contínuo; não apenas uma atividade isolada em algum momento na vida dessas pessoas.

"A FAS realiza o acompanhamento dos jovens e das comunidades beneficiadas, observando não apenas resultados quantitativos por meio de fontes oficiais de avaliação (SAEB, IDEB e outros), mas também aspectos qualitativos, como fortalecimento da autoestima, engajamento comunitário e desenvolvimento da liderança juvenil", pontua Fabiana Cunha, gerente do programa de educação da FAS.

Ainda assim, os desafios não são tão simples. O território habitado por comunidades ribeirinhas do Rio Negro, no Amazonas, carrega uma enorme complexidade territorial, enfrentando problemas socioeconômicos, garimpo e desmatamento ilegal, contaminação de rios por mercúrio, impactos das mudanças climáticas e questões de deslocamento, acesso a energia e saneamento básico. Segundo dados divulgados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 4% das crianças e jovens estão fora da escola no estado em 2024. O número no estado é o dobro da média nacional, de 2%.

Para Fabiana, a grande extensão geográfica do território, as longas distâncias e as dificuldades de acesso tornam a logística de deslocamento complexa e onerosa. A limitação da conectividade digital e a carência de infraestrutura educacional básica também representam barreiras importantes quando o assunto é desenvolvimento de iniciativas de capacitação. Assim, é um desafio para a FAS e para toda a comunidade garantir que os jovens permaneçam em suas comunidades após as formações, contribuindo para o desenvolvimento local caso queiram, é claro. Isso exige a criação de oportunidades concretas de trabalho, ainda bastante escassas na região.

Dentre tantos desafios, Izolena costuma dizer que tudo na floresta [e na vida] é cíclico. "Se não tem chuva, não tem o plantio. E sem o plantio, não há sementes: nem para o alimento, nem para as ecojoias", explica. O equilíbrio da natureza é o mesmo que sustenta o trabalho e a vida na comunidade Tumbira. Para que o ciclo continue, não bastam iniciativas pontuais ou curtas, mas toda uma reforma de base educacional e no mercado de trabalho para as comunidades ribeirinhas.

Nos últimos anos, porém, as mudanças climáticas também tornaram esses ciclos menos previsíveis: o calor se intensifica, as águas baixam antes do tempo, e o que antes era abundância passa a exigir mais cuidado. "Não tem como desassociar o homem da natureza. Toda arte nasce dela", diz Izolena.

Mudanças climáticas afetam diretamente comunidades ribeirinhas do Rio Negro

Cada colar produzido na oficina guarda também uma história de resistência: de mulheres, de jovens e de uma floresta que precisa se reinventar para continuar existindo. Para Izolena, cada peça confeccionada é um lembrete do que a Amazônia tem ensinado há séculos: que nada florece sem o tempo, a água e o cuidado certos.

E é justamente nesse ponto que os desafios se ampliam. A irregularidade das chuvas afeta o plantio de sementes, a pesca, o turismo e a renda. Em comunidades ribeirinhas como Tumbira, onde a economia acontece em volta do rio, a escassez se traduz em dificuldades que vão além do sustento: refletem também na permanência dos jovens e nas perspectivas de futuro. "A maioria quer ficar, mas é difícil quando as oportunidades ainda são poucas", comenta Izolena, que vê na oficina uma forma de reacender o pertencimento e a autoestima das novas gerações.

Em 2023, o Rio Negro sofreu a maior seca em 120 anos de história, atingindo o nível de 12,70 metros em 27 de outubro. Esse cenário acarretou em mudanças drásticas para comunidades ribeirinhas, que enfrentaram estiagem na pesca, dificuldade de locomoção, estruturas de moradia, acesso à água e outras questões básicas.

As mudanças do clima, somadas à distância dos centros urbanos e à falta de infraestrutura básica, desafiam o que ela chama de "esperança de continuar". E é justamente essa esperança que os projetos desenvolvidos com apoio da FAS tentam manter viva; mas trata-se de apenas alguns passos frente a um cenário ainda bastante complexo pela frente. Ainda assim, para Fabiana, iniciativas como a Oficina de Talentos representam muito mais do que uma atividade pontual. "Esses projetos formam uma geração de jovens conscientes do seu papel social e do valor de sua origem. Ao conectar educação, cultura e sustentabilidade, incentivam o protagonismo juvenil e o compromisso com o desenvolvimento local."

A oficina de Izolena é um desses espaços, promovendo um reencontro com o próprio território. As mãos que transformam as sementes em arte aprendem também a transformar o olhar sobre o lugar onde vivem. "A arte é medicina, é social, é educação, saúde mental e corporal, é oportunidade de mudança", resume Izolena. Em cada oficina, o que se compartilha vai além do fazer manual: é a noção de que cada pessoa, assim como cada árvore ou rio, tem um papel no equilíbrio coletivo.

Enquanto o mundo lá fora tenta compreender os impactos das mudanças climáticas, em Tumbira, essa realidade já é cotidiana. O calor que altera a cor do rio, a estiagem que impede o barco de chegar, a semente que não amadurece no tempo certo: tudo isso desenha o futuro de uma geração que cresce entre a urgência e a esperança. Mas, entre colares, pulseiras e histórias contadas à beira do rio, Izolena segue acreditando que é possível refazer caminhos.

Em breve, o legado desse trabalho também será contado por novas vozes: às de quem cresceu vendo a arte como caminho e a floresta como casa. "É uma forma de manter vivos os saberes dela, de entender nossa história e nossa cultura. E também é uma oportunidade de crescer, descobrir meus próprios caminhos e contribuir com a comunidade", conclui Helena Garrido, de 19 anos, participante da oficina e filha de Izolena.

*Larissa Mariano é jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero. Atuou em redações de entretenimento e economia, com passagens pelo portal Terra e pelo Jornal Joca. Atualmente, também produz conteúdo para o PlanetaEXO, plataforma que desenvolve o ecoturismo no Brasil.

Perfil Brasil
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